Diante da ofensiva do governo de privatizar a empresas, associação de empregados aponta novas oportunidades de negócio
Sob fogo cerrado de Jair Bolsonaro desde o ano passado, os Correios caminham para privatização em 2021. A definição do futuro da instituição será dada por um parecer técnico que deverá estar pronto em outubro. Depois, passará pela apreciação do presidente da República.
Ainda em janeiro deverá ser assinado o contrato para que o BNDES escolha a empresa que fará a análise da estatal. O trabalho deve começar até abril.
Os Correios foram incluídos em agosto no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e para o governo, sua venda tornou-se o trunfo da agenda de privatização. Depois que se mostrou politicamente inviável a desestatização de gigantes como Caixa, Banco do Brasil e Petrobrás, eles são a mais vistosa vitrine do programa.
Enquanto isso, seus funcionários correm contra o tempo para tentar reverter esse cenário. Essa movimentação passa por tentar sensibilizar a sociedade, parlamentares e formadores de opinião sobre as consequências da transferência do serviço postal para a iniciativa privada.
Esse trabalho esbarra no dilema em que a instituição vem convivendo há alguns anos. Em uma era cada vez mais digital, é inexorável a redução gradual do envio de correspondências no Brasil e no mundo. Em 2018, eles entregaram cerca de 6 bilhões de unidades, o que corresponde a 46% do negócio da empresa. Anos antes, foram 8 bilhões.
O principal trunfo dos Correios é justamente o monopólio constitucional da entrega de cartas, mensagens e telegramas. A privatização, portanto, terá necessariamente de ser aprovada no Congresso, para rever a Constituição.
Mas o filé mignon do serviço postal atualmente são as encomendas. As compras pela internet aumentam a demanda por serviços de entrega, mas nessa seara a competição é acirrada. Até mesmo aplicativos de entrega por motocicleta ou bicicleta concorrem com multinacionais e o tradicional Sedex, dos Correios.
Para justificar a permanência dos Correios como uma instituição pública, a Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap) argumenta que, em um país continental “a logística postal é bem complexa”. A Adacp questiona se na lógica empresarial de redução de custos e otimização de resultados haveria espaço para o atendimento a cidades longínquas e sem atrativo comercial. A estatal está presente nos 5.570 municípios do país e tem um importante papel social.
Com objetivo de comprovar que a estatal é economicamente viável, eles apontam para as 12 mil agências próprias e franqueadas existentes em todo o país, com uma rede de dados integrando todas as unidades da empresa. Além disso, a estatal detém uma rede de transportes com veículos próprios e de terceiros e cerca de 50 mil carteiros em todas as cidades.
Os funcionários advogam que o governo adote medidas de profissionalização da gestão, e busque formas de ampliar e melhorar a prestação de serviços aos cidadãos. E, tudo isso, sem que a União decida fazer caixa com o recolhimento excessivo de dividendos e congele tarifas para conter inflação.
Sem essas amarras, as oportunidades de um novo Correio estatal também seriam grandes: ampliação dos serviços, como gestão de bancos de dados de endereços fixos, investimentos em logística integrada, captação e transporte de encomendas com mais de 30 quilos.
Além disso, um foco de receita seria a ampliação e retomada do Banco Postal e dos correspondentes bancários, com a concessão de novos serviços como seguros e capitalização. O Banco Postal foi esvaziado nos últimos anos e o Banco do Brasil anunciou que não tem interesse na parceria.
Se o governo aceitar essas sugestões, terá em mãos uma empresa competitiva e com potencial de vencer o dilema da digitação, dizem os funcionários. A questão é que, involuntariamente, a Adcap traça um apetitoso plano de negócios para quem estiver disposto a comprar a estatal. Faltaria apenas resolver quem vai entregar correspondência no interior de Roraima ou do Amazonas.
Gustavo Paul é coordenador de Economia da sucursal de O GLOBO em Brasília. Trabalhou nas redações de O Estado de Minas, Veja, O Estado de S. Paulo e Exame. Também foi assessor de imprensa do Banco Central e do BNDES
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