O Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para quinta-feira (20) o julgamento que deve definir a taxa de correção monetária do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com potencial de ganhos significativos para os trabalhadores com carteira assinada (e um possível impacto negativo para o governo federal).
Os ministros podem determinar que os valores nas contas do FGTS deveriam ter sido corrigidos sempre pela inflação, não pela Taxa Referencial (TR) — como ocorre desde o início dos anos 1990. A ação foi proposta pelo partido Solidariedade e tramita no Supremo desde 2014.
As perdas dos trabalhadores com a correção pela TR no lugar do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) chegam a R$ 720 bilhões, apenas no período entre 1999 e março de 2023, segundo cálculos do Instituto Fundo de Garantia (IFGT).
O IFGT foi criado para evitar perdas no FGTS de seus associados e tem uma calculadora em que é possível saber qual seria a diferença no saldo do seu fundo de garantia em caso de correção pela inflação (hoje, o saldo depositado rende 3% ao ano + TR).
O julgamento tem grande relevância tanto para os trabalhadores quanto para o próprio Judiciário, que foi inundado com centenas de milhares de ações individuais e coletivas nos últimos 10 anos, que reivindicam a correção do saldo do FGTS por algum índice inflacionário.
Assim como o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), o INPC é um dos índices oficiais de inflação do país. Ele é usado para corrigir o salário mínimo e benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por exemplo.
O julgamento também interessa ao governo federal. Análise do Bradesco BBI aponta que, “no pior cenário”, “se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia” e “muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida” (veja mais abaixo).
Ações suspensas
O andamento de todos os processos está suspenso desde 2019, por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, relator do assunto no Supremo. Ele tomou a decisão após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir, em 2018, unificar o entendimento e manter a TR como índice de correção do FGTS.
A decisão desfavorável aos trabalhadores do STJ criou o risco de que ações fossem indeferidas em massa por instâncias inferiores, antes de o Supremo se debruçar sobre o tema, por isso Barosso determinou a suspensão nacional de todos os processos, até decisão definitiva do plenário do STF.
Esta é a quarta vez que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) entra na pauta de julgamentos do plenário do Supremo. Nas ocasiões anteriores (2019, 2020 e 2021) houve corrida para a abertura de ações individuais e coletivas, na expectativa de se beneficiar de uma possível decisão favorável aos trabalhadores.
Jurisprudência favorece trabalhadores
A expectativa da comunidade jurídica é que o Supremo decida que a aplicação da TR para a correção do saldo do FGTS é inconstitucional, estabelecendo algum outro índice inflacionário como taxa de correção (o INPC ou até o IPCA).
“O Supremo já decidiu pela inconstitucionalidade da TR como taxa de correção monetária de depósitos trabalhistas e também de dívidas judiciais. Portanto, há esses precedentes que levam a crer em uma decisão similar sobre o FGTS”, afirmou o advogado Franco Brugioni à Agência Brasil.
Em 2020, o Supremo considerou inconstitucional aplicar a TR para correção monetária de débitos trabalhistas. O entendimento foi de que a forma de cálculo da TR, que é definida pelo Banco Central, leva em consideração uma lógica de juros remuneratórios e não tem como foco a preservação do poder de compra (que é objetivo central da correção monetária).
A maior reclamação dos trabalhadores com carteira assinada é que a TR costuma ficar sempre abaixo da inflação — o que, na prática, corrói o poder de compra do saldo do FGTS. Além disso, a TR ficou zerada por longos períodos, em especial entre os anos de 1999 e 2013, devido à sua forma de cálculo. A taxa também voltou a ficar zerada em 2017 e 2019.
“A TR não é um índice capaz de espelhar a inflação. Logo, permitir a sua utilização para fins de atualização monetária equipara-se a violar o direito de propriedade dos titulares das contas vinculadas do FGTS”, argumenta o Solidariedade, partido autor da ação no Supremo.
Quem tem direito?
Brugioni diz que, em tese, se o Supremo decidir pela aplicação de algum índice inflacionário, todos os cidadãos que tiveram carteira assinada de 1999 em diante teriam direito à revisão do saldo do FGTS. Mas o advogado diz que o mais provável é que haja alguma modulação para amenizar o imenso impacto sobre os cofres da Uniã.
“É possível que o Supremo vá modular a questão, de forma a não permitir novas ações daqui para a frente. Talvez nem abarque quem entrou agora, talvez coloque uma linha temporal. O contrário também é possível”, disse Brugioni.
A Defensoria Pública da União (DPU) entrou como interessada na ação, devido ao grande volume de trabalhadores de baixa renda que procuram atendimento em busca da revisão do FGTS, e chegou a soltar nota pública orientando os interessados a aguardar a análise pelo Supremo antes de acionar o Judiciário.
A DPU diz que moveu em 2014 Ação Civil Pública (ACP) sobre o assunto na Justiça Federal do Rio Grande do Sul — e que o processo já teve o âmbito nacional reconhecido.
Em caso de desfecho favorável no Supremo (e na Justiça Federal), a Defensoria diz em nota que “deve ser publicado um edital a fim de comunicar os interessados para que proponham ações individuais com o objetivo de executar a decisão favorável”.
Impacto nas contas públicas
Apesar de uma possível decisão favorável aos trabalhadores, análise do Bradesco BBI aponta um risco para as contas públicas e diz que, “no pior cenário, uma mudança na regra pode ser política e financeiramente prejudicial”.
“O FGTS detém atualmente R$ 642 bilhões em ativos, e as notícias mencionam uma perda potencial de R$ 700 bilhões. Simplificando: se o Supremo Tribunal Federal decidir adicionar índices de inflação integralmente à remuneração do FGTS, muito provavelmente destruirá o fundo de garantia”, aponta o Bradesco BBI.
A casa diz que uma decisão irrestrita do STF exigiria um aporte de capital do governo no fundo “e muito provavelmente levaria à extinção do programa Minha Casa, Minha Vida (ou qualquer outro programa financiado com taxas subsidiadas do FGTS)”, por isso julga que o pior cenário é “improvável”.
Sobre o FGTS
O FGTS foi criado em 1966 como uma espécie de poupança do trabalhador com carteira assinada. Antes facultativa, a adesão ao fundo se tornou obrigatória a partir da Constituição de 1988. Pela regras atuais, todos os empregadores são obrigados a depositar 8% do salário de seus funcionários no fundo (de empregados urbanos, rurais e, desde 2015, também de domésticos).
O dinheiro do trabalhador fica vinculado a uma conta gerida pela Caixa Econômica Federal e só pode ser sacado em condições previstas em lei (uma das principais é a demissão sem justa causa). O fundo também serve para financiar políticas públicas, sobretudo, o Sistema Financeiro Habitacional (SFH).
(Com Agência Brasil)