Na fila pelo empréstimo consignado, beneficiários do Auxílio Brasil dizem não saber que dinheiro sairá do benefício
Maioria das pessoas ouvidas pelo g1 tem planos imediatos de pagamento de dívidas, compras e reformas. 'Se eles descontarem esse dinheiro da gente, aí mesmo que ninguém sai da miséria', diz lavadeira.
Por Alba Valéria Mendonça, g1 Rio
Nas filas nas agências da CEF, como no Engenho de Dentro, para pedir o empréstimo consignado do Auxílio Brasil, maioria não sabe que dinheiro vai sair do benefício — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1
Beneficiários do Auxílio Brasil que se encontravam nas filas na porta das agências da Caixa Econômica Federal (CEF) nesta sexta-feira (21), no Rio de Janeiro, para pegar empréstimos consignados se mostravam confusos sobre como terão que pagar.
A maioria das pessoas ouvidas pelo g1 não sabia que o valor das prestações será abatido do próprio do benefício, que até dezembro será de R$ 600. Entenda as regras do empréstimo.
"Fazer o quê, né? Tem jeito? Se eles descontarem esse dinheiro da gente, aí mesmo que ninguém sai da miséria. A gente pega o dinheiro agora e depois vê como faz para pagar, né? O dinheiro já é tão pouco e ainda vai ter desconto, como é que pode? O governo dá e o governo tira? Pobre nasceu mesmo para sofrer, né?", disse lavadeira Joana Francisca, na fila da Caixa do Méier, na Zona Norte.
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Prós e contras: Suellen Amaral e Mayara Elizabeth planos imediatos para dinheiro do empréstimo, mas não sabem como vão pagar depois. — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1
A dona de casa Suellen Amaral, que mora numa casa de apenas um quarto, no Lins, na Zona Norte, com três filhos, disse que precisa do empréstimo para "fazer um quartinho para as crianças".
Na fila, em outra agência do Méier, ela ainda não sabia se tinha direito ao consignado e nem quanto receberia.
"Já calculei que vou gastar uns R$ 1 mil de material. De quanto vai ser esse desconto, depois? O que importa é ter o dinheiro todo na mão para começar a obra", disse Suellen.
Estudante de técnica de enfermagem – que interrompeu o curso por conta da pandemia – Mayara Elizabeth, mãe de um filho, contou que precisava do empréstimo para sair do sufoco.
"Esse empréstimo tem prós e contras, né? A gente pega dinheiro agora, mas depois tem desconto no benefício. Mas vem fim de ano aí, preciso pagar as contas, comprar um armário, preciso do dinheiro agora. Depois a gente se aperta novamente", disse Mayara.
A manicure Marinalva Marinho já planejou o que vai fazer com o dinheiro do consignado para não sentir o impacto dos descontos mais para frente.
"Com o empréstimo vou pagar os aluguéis do salão que estão atrasados. Quero investir, incrementar meu negócio, para mais na frente ter dinheiro para pagar o consignado sem passar sufoco", contou Marinalva.
Monalisa Pinheiro espera contar com o salário do marido para não se descapitalizar com pagamento do consignado, no futuro — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1
A desempregada Monalisa Pinheiro, moradora da Boca do Mato, pensa no empréstimo para comprar um fogão, investir numa loja de lingeries e saldar umas dívidas.
"Meu marido está trabalhando. Então, com esse dinheiro entrando, a gente consegue fazer algumas melhorias em casa. Depois, quando começarem os descontos, o salário dele cobre as despesas", disse Monalisa.
O aposentado Luiz Enedino de Oliveira, morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, foi buscar o empréstimo na agência de Pilares, na Zona Norte do Rio, onde a fila é muito menor.
"Só preciso de um dinheirinho para pagar umas dívidas. Soube que vou ter de me sacrificar depois, mas acho que vale a pena. Pelo menos, nesse fim de ano, a gente sai do sufoco, né? O que importa é o dinheiro sair. Se vai ser em 48 horas ou em 15 dias, não importa. A gente dá uma respirada e depois volta a apertar o cinto, né? Que jeito?", disse o aposentado.
Maioria dos beneficiários do Auxílio Brasil, na fila da agência da Abolição, desconhece regras do empréstimo consignado — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1
Sem conseguir informações ou mesmo contratar o consignado pelo aplicativo Caixa Tem, a dona de casa Suelen Nunes foi atrás do dinheiro extra na agência de Pilares, na Zona Norte.
"Preciso de dinheiro agora para trocar meus óculos. Tenho miopia e há dois anos ele já não serve mais. Também preciso comprar um vaso sanitário novo, porque o lá de casa quebrou. São coisas que não posso mais adiar. Como vai ficar quando começarem os descontos? Não sei. Mas pobre é assim: sofre, mas Deus sempre ajuda", disse a dona de casa, que tem três filhos para sustentar.
Entenda o empréstimo e o desconto
O empréstimo consignado é um tipo de empréstimo em que a prestação mensal é descontada diretamente da folha de pagamentos. Até então, era destinado a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos. Mas uma medida provisória do governo autorizou a concessão deste tipo de empréstimo, também, aos beneficiários de programas sociais.
Quem recebe o Auxílio Brasil, assim como outros benefícios de transferência de renda do governo, poderá fazer empréstimo consignado com desconto direto na fonte.
As parcelas não podem comprometer mais que 40% do valor mensal do benefício. A taxa de juros não poderá ser superior a 3,5% ao mês. Mas é o banco que vai definir a taxa – desde que seja abaixo desse patamar.
A medida é criticada por especialistas, que apontam para o risco de endividamento ainda maior da população mais vulnerável (entenda).
TCU recomenda suspensão
O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, em parecer técnico, que o empréstimo consignado do Auxílio Brasil seja suspenso. A recomendação se deve ao possível uso do consignado do Auxílio Brasil para "interferir politicamente nas eleições presidenciais".
A Caixa Econômica Federal deverá explicar por que decidiu começar a fazer o empréstimo consignado em outubro, entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais.
A instituição financeira deverá se manifestar sobre o caso em até cinco dias úteis a contar de quinta-feira (20), segundo o parecer.
O questionamento do TCU pode assustar funcionários do banco, uma vez que a Corte também pode levar em consideração as atitudes das pessoas físicas — e não só na instituição — na concessão dos empréstimos.
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