sábado, 22 de outubro de 2022

Famílias pegam empréstimo sem saber como irão pagar

 

Por Alba Valéria Mendonça, g1 Rio

 


Nas filas nas agências da CEF, como no Engenho de Dentro, para pedir o empréstimo consignado do Auxílio Brasil, maioria não sabe que dinheiro vai sair do benefício — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Nas filas nas agências da CEF, como no Engenho de Dentro, para pedir o empréstimo consignado do Auxílio Brasil, maioria não sabe que dinheiro vai sair do benefício — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Beneficiários do Auxílio Brasil que se encontravam nas filas na porta das agências da Caixa Econômica Federal (CEF) nesta sexta-feira (21), no Rio de Janeiro, para pegar empréstimos consignados se mostravam confusos sobre como terão que pagar.

A maioria das pessoas ouvidas pelo g1 não sabia que o valor das prestações será abatido do próprio do benefício, que até dezembro será de R$ 600. Entenda as regras do empréstimo.

"Fazer o quê, né? Tem jeito? Se eles descontarem esse dinheiro da gente, aí mesmo que ninguém sai da miséria. A gente pega o dinheiro agora e depois vê como faz para pagar, né? O dinheiro já é tão pouco e ainda vai ter desconto, como é que pode? O governo dá e o governo tira? Pobre nasceu mesmo para sofrer, né?", disse lavadeira Joana Francisca, na fila da Caixa do Méier, na Zona Norte.

LEIA TAMBÉM

Prós e contras: Suellen Amaral e Mayara Elizabeth planos imediatos para dinheiro do empréstimo, mas não sabem como vão pagar depois.  — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Prós e contras: Suellen Amaral e Mayara Elizabeth planos imediatos para dinheiro do empréstimo, mas não sabem como vão pagar depois. — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

A dona de casa Suellen Amaral, que mora numa casa de apenas um quarto, no Lins, na Zona Norte, com três filhos, disse que precisa do empréstimo para "fazer um quartinho para as crianças".

Na fila, em outra agência do Méier, ela ainda não sabia se tinha direito ao consignado e nem quanto receberia.

"Já calculei que vou gastar uns R$ 1 mil de material. De quanto vai ser esse desconto, depois? O que importa é ter o dinheiro todo na mão para começar a obra", disse Suellen.

Estudante de técnica de enfermagem – que interrompeu o curso por conta da pandemia – Mayara Elizabeth, mãe de um filho, contou que precisava do empréstimo para sair do sufoco.

"Esse empréstimo tem prós e contras, né? A gente pega dinheiro agora, mas depois tem desconto no benefício. Mas vem fim de ano aí, preciso pagar as contas, comprar um armário, preciso do dinheiro agora. Depois a gente se aperta novamente", disse Mayara.

A manicure Marinalva Marinho já planejou o que vai fazer com o dinheiro do consignado para não sentir o impacto dos descontos mais para frente.

"Com o empréstimo vou pagar os aluguéis do salão que estão atrasados. Quero investir, incrementar meu negócio, para mais na frente ter dinheiro para pagar o consignado sem passar sufoco", contou Marinalva.

Monalisa Pinheiro espera contar com o salário do marido para não se descapitalizar com pagamento do consignado, no futuro — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Monalisa Pinheiro espera contar com o salário do marido para não se descapitalizar com pagamento do consignado, no futuro — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

A desempregada Monalisa Pinheiro, moradora da Boca do Mato, pensa no empréstimo para comprar um fogão, investir numa loja de lingeries e saldar umas dívidas.

"Meu marido está trabalhando. Então, com esse dinheiro entrando, a gente consegue fazer algumas melhorias em casa. Depois, quando começarem os descontos, o salário dele cobre as despesas", disse Monalisa.

O aposentado Luiz Enedino de Oliveira, morador de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, foi buscar o empréstimo na agência de Pilares, na Zona Norte do Rio, onde a fila é muito menor.

"Só preciso de um dinheirinho para pagar umas dívidas. Soube que vou ter de me sacrificar depois, mas acho que vale a pena. Pelo menos, nesse fim de ano, a gente sai do sufoco, né? O que importa é o dinheiro sair. Se vai ser em 48 horas ou em 15 dias, não importa. A gente dá uma respirada e depois volta a apertar o cinto, né? Que jeito?", disse o aposentado.

Maioria dos beneficiários do Auxílio Brasil, na fila da agência da Abolição, desconhece regras do empréstimo consignado — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Maioria dos beneficiários do Auxílio Brasil, na fila da agência da Abolição, desconhece regras do empréstimo consignado — Foto: Alba Valéria Mendonça/g1

Sem conseguir informações ou mesmo contratar o consignado pelo aplicativo Caixa Tem, a dona de casa Suelen Nunes foi atrás do dinheiro extra na agência de Pilares, na Zona Norte.

"Preciso de dinheiro agora para trocar meus óculos. Tenho miopia e há dois anos ele já não serve mais. Também preciso comprar um vaso sanitário novo, porque o lá de casa quebrou. São coisas que não posso mais adiar. Como vai ficar quando começarem os descontos? Não sei. Mas pobre é assim: sofre, mas Deus sempre ajuda", disse a dona de casa, que tem três filhos para sustentar.

Entenda o empréstimo e o desconto

O empréstimo consignado é um tipo de empréstimo em que a prestação mensal é descontada diretamente da folha de pagamentos. Até então, era destinado a aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos. Mas uma medida provisória do governo autorizou a concessão deste tipo de empréstimo, também, aos beneficiários de programas sociais.

Quem recebe o Auxílio Brasil, assim como outros benefícios de transferência de renda do governo, poderá fazer empréstimo consignado com desconto direto na fonte.

As parcelas não podem comprometer mais que 40% do valor mensal do benefício. A taxa de juros não poderá ser superior a 3,5% ao mês. Mas é o banco que vai definir a taxa – desde que seja abaixo desse patamar.

A medida é criticada por especialistas, que apontam para o risco de endividamento ainda maior da população mais vulnerável (entenda).

TCU recomenda suspensão

O Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou, em parecer técnico, que o empréstimo consignado do Auxílio Brasil seja suspenso. A recomendação se deve ao possível uso do consignado do Auxílio Brasil para "interferir politicamente nas eleições presidenciais".

A Caixa Econômica Federal deverá explicar por que decidiu começar a fazer o empréstimo consignado em outubro, entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais.

A instituição financeira deverá se manifestar sobre o caso em até cinco dias úteis a contar de quinta-feira (20), segundo o parecer.

O questionamento do TCU pode assustar funcionários do banco, uma vez que a Corte também pode levar em consideração as atitudes das pessoas físicas — e não só na instituição — na concessão dos empréstimos.

Comentários (369)
Acesse sua Conta Globo e participe da conversa

Veja também

Mais do G1

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Sistema Socioeducativo em luto



 


É com muito pesar que comunicamos o falecimento da nossa colega de trabalho , assistente social do CASA Vila Guilherme, no complexo Vila Maria, deixamos nossos profundos sentimentos a amigos e familiares.


Até sempre, amiga! Comigo ficam as lembranças do que vivemos juntos para me confortarem na saudade. 


Velório às 14:30 horas

Funeral as 17:30 horas

Endereço: avenida Queiroz Filho número 1750

Em Santo André






A surpreendente história do interno da Fundação Casa que venceu o campeonato de xadrez

 


  • Adolescente de 18 anos, autor confesso de um homicídio, hoje sonha em cursar administração de empresas

Na manhã do último dia 11, 142 adolescentes infratores da Fundação Casa se reuniram no Ginásio da Portuguesa, no Canindé, para disputar o 16º campeonato anual de xadrez da instituição. Eram rapazes e garotas de diferentes regiões do estado, pré-selecionados em torneios nas unidades onde cumprem pena. Entre a turma da organização, a aposta era que o troféu iria para a Casa Juquiá, no Brás, o único endereço do sistema — antigamente chamado de Febem — que tem um clube de xadrez formado pelos jovens. O pessoal foi surpreendido. O vencedor, um interno de 18 anos, vinha de uma unidade de alta segurança feita para reincidentes nos delitos, em uma remota cidade do interior chamada Iaras.

Localizada a 260 quilômetros da capital, Iaras é uma espécie de cidade-penitenciária: com apenas 8 000 habitantes, tem duas unidades da Fundação Casa e um presídio para adultos. Em uma dessas unidades, atualmente com 62 adolescentes (a capacidade é para 90), o jovem enxadrista divide com quatro internos uma cela voltada para a quadra de esportes, cercada por um muro de quase 7 metros de altura.

Quando foi internado pela primeira vez, em 2018, tinha 14 anos. Havia sido acusado de envolvimento no assassinato de um jovem de uma cidade próxima, para vingar uma agressão ao irmão mais velho. “Disseram que eu dei a arma para ele (o autor do disparo)”, conta. Ficou detido por quase dois anos, cidade de Lins.

O torneio disputado no Ginásio da Portuguesa;
O torneio disputado no Ginásio da Portuguesa lexandre Battibugli/Veja SP

Exatos 46 dias após ser solto, voltou à Fundação Casa. Ao contrário da maioria dos internos, nunca negou o que fez. “Comprei uma briga do meu irmão. O cara tentou sacar a arma, eu saquei primeiro e tirei a vida dele”, diz.

O adolescente aprendeu xadrez em 2018, na unidade de Lins. Passou a praticar todos os dias com outros internos e se destacou em torneios regionais. Tem um estilo de jogo rápido e incisivo: sem vastos conhecimentos teóricos, mostra um instinto afiado para lances de ataque. É capaz de relembrar de memória a partida jogada dias antes, na final do campeonato.

Continua após a publicidade

Nas ruas, estudou até o sexto ano do ensino fundamental, que deve concluir em dezembro na Fundação Casa. Tinha facilidade nos conteúdos, mas abandonou a escola após brigar com colegas e professores. “Matemática e inglês são meu forte, quase sempre tiro 10 nas provas”, diz. “Nunca tive envolvimento com assaltos ou tráfico de drogas. Meu problema era em casa. Não tive pai e meu irmão (atualmente preso por tráfico) era ‘do outro lado’ (era do crime). Eu sentia obrigação de ser o homem da casa, de proteger os outros”, conta.

Segundo os funcionários da unidade, o jovem mudou significativamente na atual internação, que dura um ano e dez meses. “No início, ele insistia nas antigas ideias. Hoje, criou maturidade. Entende que não pode resolver as coisas daquela maneira, nem se sacrificar pelo irmão”, afirma a assistente social Daniela Silva, que o acompanhou nas duas passagens. “Acredito que tenha preparo para levar uma vida normal lá fora, se quiser. Agora, se vai querer…”, ela diz, sem concluir a frase. Além de competir no xadrez, ele sonha em estudar administração de empresas, área de atuação do padrasto.

Cíceroe os internos do ReiDestemido Clubede Xadrez, no Brás
Cícero e os internos do Rei Destemido Clube
de Xadrez, no Brás Alexandre Battibugli/Veja SP

Há cerca de duas décadas, o xadrez é praticado na Fundação Casa como medida de ressocialização. “Teve início após uma parceria com a federação paulista da modalidade, que deu uma formação aos nossos profissionais de educação física”, diz o superintendente pedagógico Carlos Alberto Robles. “É uma ótima ferramenta para a concentração, a tolerância e o equilíbrio”, afirma.

A unidade de mais tradição nos tabuleiros é a Juquiá, do Brás, onde funciona o Rei Destemido Clube de Xadrez, fundado dois anos atrás. O grupo é formado por dez adolescentes, selecionados em torneios internos mensais. “Quando vim para cá, era um revoltado”, diz — de forma cordial e simpática — o interno que atualmente ocupa o posto de presidente do clube, condenado oito meses atrás por um assalto. “Hoje, sou outra pessoa. Consigo me colocar no lugar da vítima. Quero estudar educação física e dar aulas de muay thai”, ele afirma.

À frente da iniciativa está o agente educacional Cícero Tavares (foto), 40, instrutor da modalidade. “Na semana passada, recebi uma ligação que me emocionou. Era um ex-presidente do nosso clube, que voltou à liberdade. Disse que conseguiu um emprego, faz panfletagem nas ruas. E está vencendo torneios de xadrez lá fora”, ele conta. “Todos aqui têm potencial para mudar de vida”, conclui.

Publicado em VEJA São Paulo de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812