terça-feira, 28 de setembro de 2021

Doria quer obrigar servidores da Fundação Casa a trabalharem até 5 horas longe da residência

 


Normativa do governo determina transferência compulsória de trabalhadores. “Esse cara vai me tirar da minha família”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 

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Trabalhadores da Fundação Casa estão preocupados com o deslocamento imposto pelo governo - Foto: Marcos Santos/USP

Publicada pelo governo de São Paulo, no último dia 20 de setembro, a Portaria Normativa 367/2021 determina que os trabalhadores da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa-SP) serão transferidos compulsoriamente para outras unidades da entidade, a partir da próxima segunda-feira (4), de acordo com a necessidade do Palácio dos Bandeirantes.

Trabalhadores que conversaram com o Brasil de Fato relataram que o deslocamento para o novo local de trabalho pode chegar até 397 quilômetros. É o caso de Luana Silva (nome fictício), que terá que trabalhar na unidade de Franca, no interior de São Paulo.

“Eu moro no ABC Paulista (por segurança, o município não será revelado) e trabalho na unidade Raposo Tavares. Entre minha casa e o trabalho, é 1h30. Para chegar em Franca, são 5 horas na estrada, não tem como ir e voltar no mesmo dia. Meu marido trabalha em São Paulo, o (João) Doria (PSDB) quer separar minha família”, lamenta a servidora, citando o governador do estado.

A portaria normativa, assinada pelo presidente da Fundação Casa, Fernando José da Costa, que acumula o cargo de secretário de Justiça do estado, afirma.

 “A transferência por necessidade da administração será utilizada nas situações em que não é possível suprir a necessidade de pessoal, do local de destino da transferência.”

No dia seguinte à publicação da normativa, os servidores passaram a receber e-mails do governo de São Paulo notificando a transferência de local de trabalho.

Gabriela Alves (nome fictício),que trabalha na unidade Brás, também recebeu o comunicado e terá que se apresentar em outra sede da Fundação Casa, em Cerqueira César, a 300 quilômetros da sua casa, na zona leste de São Paulo.

“Vão me tirar do meu contato com a minha família. Isso já está me adoecendo. Eu não estou dormindo direito, minha alimentação está alterada e meu sono também. Como eu vou para um lugar que eu não conheço e nem quero ir? Ninguém do centro onde eu trabalho sabia que isso aconteceria. Sabíamos que teríamos mudanças, mas não mandar lá para onde judas perdeu as botas. Todos os gestores foram pegos de surpresa. ", desabafou Alves.

“Mais de cem”

Na próxima sexta-feira (1º), o Sindicato dos Trabalhadores nas Fundações Públicas de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Privação de Liberdade (Sitsesp) terá uma audiência de conciliação, mediada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), com o governo de São Paulo, para tentar reverter a normativa e garantir estabilidade aos servidores da entidade em seus postos atuais de trabalho.

De acordo com a presidenta do Sitsesp, Cláudia Maria de Jesus, “mais de cem” trabalhadores já receberam a notificação de que serão transferidos e que devem comparecer, no dia 4 de outubro, na sede para qual foi deslocada. A dirigente defende que o governo de São Paulo realize concurso público para garantir a ocupação de todos os postos de trabalho no interior.

“O sindicato se posiciona contrário, não achamos justo, é desumano. É complicado, para pessoas que moram em São Paulo ou Grande São Paulo, se mudarem para cidades do interior como Franca, Atibaia, Bauru ou Sorocaba. As pessoas têm uma estrutura familiar em São Paulo e receber, de repente, um e-mail, dizendo que a partir de 4 de outubro os servidores deveriam se deslocar para esses centros”, diz Jesus.


Portaria Normativa Nº 367, de 20 de setembro de 2021. / Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente

 :: Leia normativa na íntegra:: 

Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o deputado Carlos Giannazi (PSOL) anunciou que, entre outras medidas, apresentará uma representação para que a normativa seja derrubada.

“É de uma desumanidade, é uma portaria nefasta, essa. Ela está implantando um verdadeiro terrorismo, entre os servidores da Fundação Casa. Já acionei duas comissões aqui da Alesp, convocando o presidente da Fundação Casa para depor. Hoje à tarde, vou acionar o Ministério Público contra essa portaria. Eles vão mandar centenas de pessoas para o interior do estado”, encerra o deputado.

O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Justiça e a Fundação Casa.

A Fundação Casa esclarece que instituiu Portaria Normativa para regulamentar a transferência de servidores, por necessidade da Administração, entre as possibilidades de troca de lotações e como meio de utilizar racionalmente seus recursos humanos.

O contrato de trabalho dos servidores da Casa segue a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e prevê essa possibilidade. O então candidato prestou concurso público para uma macrorregião, atendida na admissão, e, ao assinar o contrato de trabalho, o servidor se submeteu a todas as cláusulas.

A transferência por necessidade da Administração só será utilizada se os outros três meios existentes não forem suficientes suprir a necessidade de pessoal do local de destino. Neste momento, dos 11 mil servidores existentes, apenas 77 serão transferidos para centros que necessitam recompor equipe.

A Portaria possui critérios objetivos para transferir: só ocorrerá para servidor cujo local de origem possuir quadro excedente (ou em menor defasagem); o funcionário não ter sido transferido compulsoriamente nos últimos dois anos; e aquele que possuir menor tempo de efetivo exercício.

A transferência é provisória, pelo período de um ano (prorrogável por mais um), e com recebimento de adicional de 25% sobre o salário base, de acordo com previsão legal do parágrafo 3º do artigo 469 da CLT.

Atualmente 121 centros socioeducativos funcionam em 47 cidades. Para racionalizar o uso dos recursos públicos, por causa da crise orçamentária ocasionada pela pandemia da Covid-19, desde 2020, a Fundação passou por uma reestruturação: suspendeu o funcionamento de 23 centros socioeducativos em 13 cidades e diminuiu o número de divisões regionais de 11 para oito.

Há pelo menos três anos tem ocorrido queda no atendimento da Fundação Casa: em 27 de dezembro de 2018, eram 7.625 adolescentes atendidos; em 30 de julho deste ano, o número caiu para 5.090, uma queda de 33,2%.

Edição: Anelize Moreira

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Maioridade penal: veja como são punidos menores infratores em outros países

 


Especial do Jornal da Band mostra entendimento penal do Brasil, comparada a Reino Unidos e EUA

Eduardo Barão, Felipe Kieling e Rodrigo Hidalgo, do Jornal da Band27/09/2021 • 20:18 - Atualizado em 27/09/2021 • 21:51

Como menores infratores são enquadrados nos Estados Unidos e na Inglaterra? O especial sobre maioridade no Jornal da Band compara a realidade brasileira com a de outros países pelo mundo.

Um adolescente de 16 anos foi pego pela polícia depois do massacre de uma família, durante um assalto, no litoral de São Paulo. Os comparsas do menor infrator podem ser condenados a penas duras, enquanto ele ficará internado por, no máximo, 3 anos.

“O menor que assaltou uma pessoa e matou fica em média, no Rio de Janeiro, internado por nove meses e volta para rua. Se for homicídio sem roubo, ele fica internado por oito meses”, explicou o procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro.

Quando atinge a maioridade, o jovem fica com a “ficha limpa”. Em Brasília, um grupo de deputados tenta endurecer as leis contra os menores envolvidos em delitos graves. O Congresso começa a avaliar esta semana uma proposta que prevê mudanças no Estatuto Da Criança e do Adolescente (ECA). Entre elas, o fim das visitas íntimas para os menores e o aumento do tempo máximo de internação de três para 10 anos.

“A maioria da nossa comissão já se manifestou favorável a essas alterações, porque isso é um pleito da sociedade. 76% da sociedade é favorável à redução da maioridade penal”, defende o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ)

Até quem é contra a redução da maioridade penal acha que é necessário aumentar o tempo de internação dos menores infratores.

“O mais plausível seria pensarmos em tempo de internação, em torno de seis anos no máximo, por exemplo, para esses casos de crimes hediondos”, sugere o especialista em direito da criança Ariel de Castro.

O poder público não costuma acompanhar a rotina dos menores quando eles saem da internação. É o caso do adolescente de 15 anos que confessou que matou com um tiro na cabeça o empresário Lucas do Valle, neto do narrador Luciano do Valle. Ele cumpria medida de prestação de serviços depois de cometer um roubo. O estado de São Paulo pretende implantar um plano para o pós-internação.

“Metade das pessoas que praticam um ato infracional novamente, praticam nos primeiros seis meses. Então, esses primeiros seis meses são cruciais para esse jovem seguir um caminho correto da vida, quando saem da Fundação Casa ou seguir um caminho errado da vida”, pontua Fernando da Costa, presidente da Fundação Casa de São Paulo.

Como funciona a lei para menores criminosos em outros países

As regras em vários países de primeiro mundo são mais duras contra os adolescentes que cometem homicídios, latrocínios, sequestros e estupros. 

Em 1993, Robert Thompson e Jon Venables tinham apenas dez anos quando torturaram e mataram uma criança de apenas dois anos. A dupla ficou presa por oito anos. 

Santre Sanchez Gayle tinha 15 anos quando recebeu 200 libras para matar uma mulher.Ele foi condenado a uma pena mínima de 20 anos atrás das grades. Aos 14 anos, Daniel Bartlam matou a mãe e foi sentenciado a uma pena mínima de 16 anos

Na Inglaterra, o jovem começa a responder por crimes graves a partir dos 10 anos de idade. Existe um tribunal especializado para menores, e as penas são mais brandas, em comparação a um maior de idade. Mesmo assim, a partir dos 11 anos, um criminoso já pode ser sentenciado a prisão perpétua - caso de Thomas Griffiths, de 17 anos, que matou a namorada a facadas, em 2019.

Uma das estratégias da justiça britânica para inibir o crime é dar penas duras e garantir que elas sejam cumpridas. Mesmo que pra isso, um menor precise passar o resto da vida atrás das grades.

Nos Estados Unidos, como no Brasil, a maioridade penal começa aos 18 anos na maioria dos estados. Mas com uma diferença: em todos eles, os jovens são julgados como adultos em crimes considerados graves, como assassinatos, estupros e sequestros. Nesses casos, a condenação pode chegar até a prisão perpétua, se o menor tiver mais de 13 anos.

Em 20 Estados americanos, a lei determinava a possibilidade de pena de morte, com idade mínima de 16 anos. Mas a Suprema Corte mudou o entendimento em 2005, depois que 19 menores foram executados por graves delitos.

Em Nova York, o governo do estado acaba de aprovar uma nova legislação, passando de sete para 12 anos a idade mínima para acusar uma criança criminalmente por delinquência. Mas no caso de crimes hediondos, não existe idade mínima para a punição.