Apesar de crise e queda de receita, gastos de estados com segurança pública crescem 30% em 10 anos
Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública diz que aumento das despesas na área, porém, não foi suficiente para diminuir a criminalidade e a violência. Autores analisam mudanças recentes no financiamento para segurança, mas dizem que cenário para 2020 não é otimista.
Por Clara Velasco e Thiago Reis, G1
Os gastos dos estados com segurança pública cresceram mais de 30% em 10 anos, mesmo com a crise econômica e com quedas de receita. É o que aponta um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado nesta segunda-feira (13).
Em 2008, as despesas dos estados com segurança chegaram a R$ 59,2 bilhões (em valores corrigidos pela inflação). Já em 2017, os gastos atingiram o valor de R$ 78 bilhões — ou seja, quase R$ 19 bilhões a mais.
Segundo dados do estudo, as despesas com o setor chegaram a cair ligeiramente em 2010 e em 2012. Desde então, porém, passaram a crescer, mesmo com queda na receita registrada nos últimos anos, decorrente da crise econômica enfrentada no país.
Entre 2014 e 2015, por exemplo, a receita dos estados caiu quase 8%, passando de R$ 970 bilhões para R$ 895 bilhões. No mesmo período, o gasto com segurança cresceu 3% (de R$ 74,5 bilhões para R$ 76,8 bilhões).
Gastos com segurança têm crescido nos estados — Foto: Igor Estrella/G1
“É de se destacar que se essa despesa continua crescendo em situação de queda de arrecadação, demonstra-se uma clara priorização [da segurança]. É preocupante, no entanto, o fato de que a sociedade não consiga perceber melhoria nos índices de violência, criminalidade e insegurança, ao longo de todo o território nacional, com poucas exceções”, afirma o estudo.
O ano de 2017, inclusive, foi recorde de mortes violentas no país, com cerca de 60 mil pessoas assassinadas. Já 2018, ano que não entra no estudo do FBSP, teve queda de 13% no número de mortes, segundo levantamento do G1.
União: arrecada muito, investe pouco
O levantamento ainda aponta que, embora a União seja o principal arrecadador entre os entes federativos, não é ela quem financia majoritariamente as políticas de segurança.
Em 2017, a União arrecadou 58% do total de receitas do país, mas foi responsável por apenas 12% dos gastos de segurança pública. Já os estados, que pegaram 25% das receitas, foram responsáveis por 82% das despesas no setor.
“Os estados e o DF (...) são os maiores financiadores das políticas públicas de segurança pública, pois são responsáveis pelas polícias Civil e Militar e, ao mesmo tempo, ficam à mercê da política macroeconômica da União, que afeta diretamente a arrecadação de suas principais fontes de recurso, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)”, aponta o estudo.
Já as despesas da União, segundo o documento, estão relacionadas ao financiamento de projetos pulverizados e basicamente através de convênios com os estados, mas não necessariamente vinculados à uma política nacional e a objetivos pré-definidos.
Além disso, aproximadamente 70% dos gastos do Ministério da Justiça estão relacionados às despesas de custeio da própria administração pública e folha de pessoal (em especial das polícias Federal e Rodoviária Federal).
"A análise do financiamento da segurança mostra que o governo federal tem feito muito pouco pela área, seja do ponto de vista da coordenação de esforços em torno de um plano nacional de segurança, seja do ponto de vista dos recursos gastos com o setor. E a maioria dos estados depende dos recursos dos fundos federais para a implantação de projetos e para investimentos", afirma Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum.
Criação do Susp e mudanças no financiamento
O estudo analisa como mudanças recentes, como a criação em 2018 de um ministério próprio da Segurança (que foi extinto, porém, em 2019), de uma política nacional e de um sistema nacional de segurança, além de mudanças na legislação, podem impactar no financiamento da área.
Com a criação do Susp (Sistema Único de Segurança Pública), por exemplo, foi formulado um plano para definir as fontes de financiamento das ações de segurança pública. São quatro estratégias principais:
- Garantir que os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional sejam utilizados com efetividade e eficiência
- Desenvolver um modelo matemático para definir a aplicação dos recursos financeiros de forma justa
- Repassar recursos aos entes federativos apenas se eles apresentarem planos de segurança com objetivos, metas e indicadores que permitam o monitoramento dos resultados
- Condicionar os repasses do governo federal a estados e municípios que possuam objetivos e metas alinhados às prioridades destacadas no Plano Nacional de Segurança Pública
A alteração da lei do Fundo Nacional de Segurança Pública, aprovada em 2018, determina que a área da segurança contará com dinheiro proveniente de loterias, o que também deve significar mais recursos. “Embora não conte com vinculação orçamentária a exemplo do que ocorre nas áreas de educação e saúde, a destinação dos recursos arrecadados nas loterias ao FNSP garantirá certa perenidade de verbas para a segurança pública”, afirma o estudo.
Garantir a eficiência e a execução dos recursos previstos no Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) está entre estratégias definidas após a criação do Susp — Foto: Danilo Pousada/GloboNews
Apesar disso, os autores ressaltam que é importante que haja, de fato, uma articulação com os estados para que as ações e os recursos sejam efetivamente executados, já que o Susp não regulamenta as atribuições e a responsabilidade de cada instituição de segurança pública.
“As menções aos papéis dos entes e instituições envolvidas são sempre feitas de forma genérica e, embora seja exaustivamente repetida a necessidade de integração, coordenação, cooperação e planejamento, não há definições claras sobre quais atores são responsáveis por coordenar estes processos, em especial no que se refere à tomada de decisão”, afirma o estudo.
Os autores ainda afirmam que, embora o Susp exista do ponto de vista formal, não está claro se a atual gestão deve implementá-lo — já que o governo reverteu medidas tomadas na gestão anterior sobre segurança pública, como a criação do ministério focado no setor, por exemplo. Por isso, o estudo destaca o papel da União diante dos desafios enfrentados no financiamento das políticas de segurança no geral.
“A União pode desempenhar um papel fundamental enquanto indutor das políticas de segurança pública, dando racionalidade e coordenação ao processo de elaboração das políticas, contribuindo para preencher o vácuo normativo deixado pela Constituição Federal”, aponta o documento.
Mas ressalva: “Embora integração, coordenação, cooperação e planejamento sejam gramáticas presentes nos textos normativos aprovados recentemente e aqui analisados, os mecanismos de indução e coordenação definidos possuem deficiências”.
"A aprovação do Susp, a alteração da lei do Fundo Nacional de Segurança Pública e a criação do Plano Nacional de Segurança Pública são indicativos de que a União está comprometida com um maior protagonismo. Agora, só será possível saber se isso vai se reverter em alguma ação prática quando o dinheiro for de fato transferido aos estados e as ações previstas no Plano Nacional de Segurança Pública forem induzidas", afirma Samira Bueno.
Previsões
Por isso, segundo os autores, a previsão para 2020 não é otimista. Eles lembram que, nos últimos anos, recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública têm sido utilizados basicamente para o financiamento da Força Nacional e de projetos próprios do Ministério da Justiça, como o Sinesp, não sendo repassados para ações nos estados e municípios.
“Os cálculos anunciados pelo governo federal quando da mudança da lei do FNSP em 2018, determinando receitas provenientes das loterias, indicam valores em torno de R$ 1 bilhão para a área, dos quais metade deve ser repassado para as unidades da federação. No entanto, não é sabido se esse valor vai se somar aos valores já disponíveis no FNSP, ou se a receita oriunda das loteria servirá como fonte alternativa de recursos. Em meio a este contexto, as unidades da federação estão especialmente pressionadas pela grave crise fiscal que assolou o país nos últimos anos, e estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul estão parcelando o 13º salário de 2018 para os profissionais de segurança.”
O estudo diz ainda que um componente que agrava ainda mais esse quadro é o custo da Previdência para os estados.
“Em suma, as evidências apresentadas indicam que o Susp constitui um importante avanço para a área da segurança pública ao propor uma reengenharia da arquitetura institucional da segurança pública em nível nacional, dotando o governo federal de maior protagonismo na coordenação e governança da política. Seu futuro, no entanto, parece incerto, tanto pela mudança de gestão no governo federal, como pelas limitações de recursos financeiros. Ao optar por restringir a utilização dos recursos do FNSP com projetos próprios, como é o caso da Força Nacional e do Sinesp, em detrimento de transferências para os estados, o Ministério da Justiça pode comprometer ainda mais a sua capacidade de liderar uma política de segurança pública em âmbito nacional”, conclui
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