MANIFESTAÇÃO:
O Senhor Ministro Luís Roberto Barroso (Presidente):
1. Trata-se de recurso extraordinário com agravo interposto pela Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação CASA, anteriormente chamada de Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor – FEBEM, contra acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, que julgou incidente de demanda repetitiva (CLT, art. 896-C), sobre o direito de agentes de apoio socioeducativo da Fundação Casa receberem adicional de periculosidade. Confira-se a ementa do acórdão recorrido:
“INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. AGENTE DE APOIO SOCIOEDUCATIVO DA FUNDAÇÃO CASA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. 1. Com o Decreto nº 54.873 do Governo de São Paulo, de 06.10.2009, os antigos cargos de agente de segurança e agente de apoio técnico foram unificados em nova nomenclatura: Agente de Apoio Socioeducativo. 2.“Os ocupantes do cargo de Agente de Apoio Socioeducativo (AAS) são socioeducadores responsáveis pelo trabalho preventivo de segurança, objetivando preservar a integridade física e mental dos adolescentes e demais profissionais, contribuindo efetivamente na tranquilidade necessária para a execução da medida socioeducativa”. “São profissionais responsáveis também pelo trabalho de contenção e ações preventivas para evitar situações limites, além de acompanhar e auxiliar no desenvolvimento das atividades educativas, observando e intervindo, quando necessário, a fim de que a integridade física e mental dos adolescentes e dos demais servidores sejam mantidas” (Caderno de Procedimentos de Segurança – Descrição das funções e atribuições dos Agentes de Apoio Socioeducativo da Superintendência de Segurança da Fundação Casa). 3. Os Agentes de Apoio Socioeducativo exercem atividades e operações perigosas, que, por sua natureza e métodos de trabalho, implicam risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a violência física nas atribuições profissionais de segurança pessoal e patrimonial (art. 193, caput e inciso II, da CLT e item 1 do Anexo 3 da NR 16). 4. Os Agentes de Apoio Socioeducativo exercem a atividade de segurança pessoal e patrimonial em instalações de fundação pública estadual, contratados diretamente pela administração pública indireta - hipótese prevista no item 2, letra ‘b’, do Anexo 3 da NR 16. 5. Os Agentes de Apoio Socioeducativo desempenham segurança patrimonial e/ou pessoal na preservação do patrimônio (...) e da incolumidade física de pessoas, além do acompanhamento e proteção da integridade física de pessoa ou de grupos (internos, empregados, visitantes) - atividades e operações constantes no quadro no item 3 do Anexo 3 da NR 16 do Ministério do Trabalho, que os expõem a várias espécies de violência física. 6. Emerge do presente IRR a fixação da tese jurídica: “I. O Agente de Apoio Socioeducativo (nomenclatura que, a partir do Decreto nº 54.873 do Governo do Estado de São Paulo, de 06.10.2009, abarca os antigos cargos de Agente de Apoio Técnico e de Agente de Segurança) faz jus à percepção de adicional de periculosidade, considerado o exercício de atividades e operações perigosas, que implicam risco acentuado em virtude de exposição permanente a violência física no desempenho das atribuições profissionais de segurança pessoal e patrimonial em fundação pública estadual. II. Os efeitos pecuniários decorrentes do reconhecimento do direito do Agente de Apoio Socioeducativo ao adicional de periculosidade operam-se a partir da regulamentação do art. 193, II, da CLT em 03.12.2013 – data da entrada em vigor da Portaria nº 1.885/2013 do Ministério do Trabalho, que aprovou o Anexo 3 da NR-16”.
RECURSO DE EMBARGOS AFETADO E-RR-1001796-60.2014.5.02.0382. Demonstrada divergência jurisprudencial, impõe-se o conhecimento o recurso de embargos e, no mérito, aplicada a tese jurídica fixada no IRR, em que reconhecido o direito do Agente de Apoio Socioeducativo ao adicional de periculosidade, condenar a Fundação Casa ao pagamento do adicional de periculosidade, a partir de 03.12.2013 (regulamentação da Lei n.º 12.740/2012), no percentual de 30% (trinta por cento) sobre o salário básico (Súmula nº 191, I, do TST), e reflexos postulados na petição inicial. Recurso de embargos do reclamante conhecido e provido.” (grifos no original).
2. O Tribunal Superior do Trabalho, portanto, a partir do exame do inciso II do art. 193 da CLT e da Portaria nº 1.885/2013, do Ministério do Trabalho, fixou tese afirmando que as funções de agentes socioeducativos da Fundação Casa designam atividades de risco que asseguram o recebimento de adicional de periculosidade. De acordo com a fundamentação do acórdão:
“os Agentes de Apoio Socioeducativo são considerados profissionais de segurança pessoal e/ou patrimonial, porquanto empregados que exercem a atividade de segurança pessoal e/ou patrimonial de bens públicos, contratados diretamente pela administração pública direta ou indireta em instalações de fundação pública estadual, preenchendo perfeitamente as exigências legais e regulamentares” (grifos no original).
3. A Fundação Casa, contudo, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, pretende a reforma do acórdão, sob a alegação de que a imposição do dever de pagar o adicional de periculosidade violaria: (i) o princípio da separação de poderes (CRFB/1988, art. 2º); (ii) a competência da União para legislar sobre direto do trabalho (CRFB/1988, art. 22, I); (iii) o sistema remuneratório dos servidores públicos (CRFB/1988, art. 39, § 1º, I); (iv) a Súmula Vinculante nº 37; e (v) a Súmula nº 460/STF.
4. O recurso extraordinário foi inadmitido pelo Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que “afigura-se o caráter infraconstitucional da controvérsia em exame, solucionada à luz do Anexo 3 da NR 16 e do artigo 193, II, da CLT, de modo que as alegadas ofensas constitucionais somente poderiam se dar de forma indireta ou reflexa, não atendendo ao comando do art. 102, III, “a”, da Constituição Federal”. Dessa forma, foi apresentado agravo, com a reprodução das razões do recurso extraordinário.
5. A Ministra Rosa Weber, no exercício da competência recursal da Presidência, negou seguimento ao agravo, afirmando que “para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem, seria necessário analisar a causa à luz da interpretação dada à legislação infraconstitucional pertinente e reexaminar os fatos e as provas dos autos”. A Fundação Casa, assim, apresentou agravo interno, reiterando os argumentos do recurso extraordinário.
6. É o relatório. Passo à manifestação.
7. De início, nos termos do § 2º do art. 317 do Regimento Interno do STF, reconsidero a decisão monocrática de negativa de seguimento do recurso (doc. 108), ficando prejudicado o agravo interno (doc. 110). Entendo que o processo deve ser afetado ao Plenário Virtual, na forma dos arts. 324, § 2º e 326-A do Regimento Interno do STF, em razão da repetitividade de processos sobre o tema, que fundamentou a instauração de incidente de resolução de demandas repetitivas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
8. A conclusão pela negativa de seguimento do recurso, contudo, não deve ser modificada. Isso porque o recurso extraordinário envolve a interpretação do inciso II do artigo 193 da CLT e da Portaria nº 1.885/2013, do Ministério do Trabalho, sem violação direta à Constituição.
9. A tese advogada pelo recurso extraordinário é a de que o Poder Judiciário, ao assegurar o recebimento de adicional de periculosidade para agentes de apoio socioeducativo, interferiu em função legislativa, com a criação de vantagem salarial para empregados da Fundação Casa. De acordo com a recorrente, a função desses agentes não se qualificaria como atividade de risco prevista na CLT e no regulamento do Ministério do Trabalho. Desse modo, o reconhecimento do adicional à categoria designaria uma extensão de vantagem reconhecida para empregados privados, com fundamento no princípio da isonomia.
10. Ocorre que a controvérsia pressupõe a interpretação do art. 193, inciso II, da CLT, e da Portaria nº 1.885/2013, do Ministério do Trabalho. Afinal, o acórdão recorrido, ao examinar a legislação infraconstitucional e o conjunto probatório sobre a natureza e as funções de agente de apoio socioeducativo, concluiu pela presença dos requisitos legais para o reconhecimento do direito ao adicional de periculosidade correspondente. Diante disso, a ofensa à Constituição, se existisse, seria reflexa ou indireta, bem como demanda a análise de matéria fática
11. A jurisprudência do STF afirma que a verificação dos requisitos para o recebimento de adicional de periculosidade tem natureza infraconstitucional e exige o reexame de matéria fática. Sobre o tema:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO DO TRABALHO. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. PERMANÊNCIA EM ÁREA DE UTILIZAÇÃO DO APARELHO DE RAIO-X MÓVEL. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. FATOS E PROVAS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O recurso extraordinário não se presta à análise de matéria infraconstitucional, tampouco ao reexame dos fatos e das provas constantes dos autos (Súmula 279 do STF). 2. Agravo interno desprovido, com imposição de multa de 5% (cinco por cento) do valor atualizado da causa (artigo 1.021, § 4º, do CPC), caso seja unânime a votação. 3. Honorários advocatícios majorados ao máximo legal em desfavor da parte recorrente, caso as instâncias de origem os tenham fixado, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, observados os limites dos §§ 2º e 3º e a eventual concessão de justiça gratuita. (grifos acrescentados).
(ARE 1.304.714-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 28.04.2021).
12. Em igual sentido: ARE 1.180.846-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 05.04.2019; ARE 722.293-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 01.03.2019; e ARE 785.001-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. em 11.06.2015.
13. Por sinal, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o AI 818.688-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 16.12.2010, referente ao Tema 356 da repercussão geral, concluiu pela inexistência de questão constitucional na controvérsia relativa a pedido de adicional de periculosidade para trabalhadores de prédio vertical onde se encontra armazenado combustível. Confira-se a redação da tese:
Tema 356/RG: A questão do direito ao recebimento da vantagem pecuniária “Adicional de Periculosidade” pelo empregado que labora em prédio vertical onde está armazenado inflamável, líquido ou gasoso, tem natureza infraconstitucional e a ela são atribuídos os efeitos da ausência de repercussão geral, nos termos do precedente fixado no RE n. 584.608, rel. a Ministra Ellen Gracie, DJe 13/03/2009.
14. Diante do exposto, manifesto-me pelo conhecimento do agravo, negando-se provimento ao recurso, com a afirmação da ausência de repercussão geral da controvérsia, nos termos da seguinte tese: É infraconstitucional a controvérsia relativa à percepção de adicional de periculosidade por empregado que exerce a função de agente de apoio socioeducativo.
15. É a manifestação.