terça-feira, 29 de agosto de 2023

Chegar atrasado ao trabalho pode dar demissão por justa causa? Veja as re

 

Por Júlia Nunes, g1

 


Médicos do SAMU fazem escala própria e trabalham menos do que o acordado — Foto: Reprodução/RBS TV

Médicos do SAMU fazem escala própria e trabalham menos do que o acordado — Foto: Reprodução/RBS TV

Chegar atrasado no trabalho sem justificativa pode gerar mais do que uma bronca do chefe. Em alguns casos, o trabalhador que descumprir a carga horária pode receber advertências, suspensões e até ser demitido por justa causa, alertam especialistas ouvidos pelo g1.

Segundo eles, dependendo do tipo de trabalho prestado e dos serviços afetados pela falha do funcionário, ele também pode receber penalidades do conselho de sua profissão e ser responsabilizado criminalmente.

Neste domingo (27), o Fantástico revelou um escândalo na central do SAMU em Porto Alegre (RS), ao flagrar médicos trabalhando bem menos do que deveriam e comprometendo o atendimento a pacientes de 269 municípios (assista ao vídeo abaixo).

A Secretaria Estadual da Saúde (SES) abriu uma sindicância para investigar a situação. A medida é necessária em casos da administração pública, antes da aplicação de possíveis punições aos envolvidos, explica Ana Karina Borin, da Comissão de Advocacia Trabalhista da OAB-SP.

“Precisa apurar internamente para ver se esses médicos não apresentaram atestado, por exemplo, se não é uma ausência justificada. Se apurar na sindicância que não tem justificativa, aí entram as medidas punitivas.”

No caso da iniciativa privada, de funcionários regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as empresas não são obrigadas a abrir um processo administrativo disciplinar, mas também precisam provar as irregularidades cometidas pelos trabalhadores para aplicar a penalidade, afirma Alexandre Fragoso, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Briganti Advogados.

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Como servidor público pode ser penalizado?

Os direitos e deveres dos funcionários públicos estão previstos nos estatutos de cada estado ou município. Mas, geralmente, eles se baseiam na Lei nº 8.112, que define as regras para os servidores federais, explica Bruno Okajima, sócio do escritório Autuori Burmann Sociedade de Advogados.

De acordo com o estatuto, “ao servidor é proibido ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe de imediato”. Caso isso ocorra, o funcionário poderá sofrer sanções.

As penalidades disciplinares previstas na lei são:

  • advertência;
  • suspensão;
  • demissão;
  • cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
  • destituição de cargo em comissão;
  • destituição de função comissionada.

“Lógico que primeiro vai ser instaurado um processo administrativo disciplinar e, a partir disso, as irregularidades vão ser apuradas. O servidor vai ter direito à ampla defesa, mas se a falha for constatada, ele pode ser advertido, suspenso e até demitido”, reforça Okajima, que é pós-graduando em Direito do Trabalho na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Regras na iniciativa privada

Apesar de, no âmbito privado, não haver necessidade de um processo administrativo disciplinar, existem regras previstas na CLT para garantir a aplicação de uma penalidade proporcional à falha cometida pelo empregado, explica o especialista Fragoso.

“Se houve um atraso de 10 ou 15 minutos, entendo que não seria motivo para justa causa, seria uma pena muito forte, então tem algumas regrinhas. Tem que avaliar a gravidade da conduta do trabalhador e também o imediatismo, por exemplo, não posso dar justa causa em relação a um fato que ocorreu há três meses e eu já conhecia.”

O advogado também destacou que a empresa não pode ter um comportamento discriminatório na hora de aplicar as penalidades e deve adotar procedimentos padrão para todos os funcionários.

“Eu não posso ser discriminatório, mas dependendo do caso ou da repetição da falha, por exemplo, eu posso escolher agir de uma maneira mais severa ou não. A decisão cabe ao empregador, a menos que a empresa tenha algum acordo ou política de punição.

Segundo o especialista, não existe na CLT uma regra específica para gradação de pena, ou seja, que o empregador só poderia demitir o funcionário depois de uma determinada quantidade de advertências ou suspensões, por exemplo.

“O que tem na CLT são os motivos que dão justa causa. Se o funcionário tiver uma dessas condutas e ela for comprovada, pode dar diretamente justa causa. Agora, em faltas não tão graves, posso aplicar advertências e suspensões antes da justa causa.”

Mas independentemente da sanção escolhida pelo empregador, seja advertência, desconto no salário ou demissão, “qualquer cidadão tem o direito indiscutível de acionar o judiciário”, afirma Fragoso.

“Ele vai ter que avaliar se vale a pena discutir ou não. Se ele está convicto do direito dele, pode discutir. Se não estiver, existe o risco de perder e o empregador pode pedir, inclusive, ressarcimento dos danos que o empregado causou pelo processo.”

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Serviço essencial = mais punição?

No caso dos médicos do SAMU, o advogado Bruno Okajima destacou que, além das sanções previstas no estatuto do servidor público, eles podem receber alguma penalidade do conselho da profissão, pela violação do código de ética.

Outra possibilidade, segundo o especialista, seria uma responsabilização criminal. No entanto, nesse caso, seria necessário analisar cada situação de forma individual e estabelecer uma relação entre a conduta do médico e algum dano específico provocado, explica.

Para o especialista Alexandre Fragoso, se o descumprimento das regras por parte do trabalhador prejudicar um serviço essencial, existe a possibilidade de o empregador considerar a falha mais grave e aplicar uma punição maior.

“Se você está trabalhando com a vida das pessoas, o risco para o empregador é maior, então você tem que observar para essas profissões uma maior eficiência, maior moralidade. É um fator decisivo para você tomar uma decisão de maior ou menor rigor”, diz.

Já para a advogada Ana Karina, da OAB, o fato de o serviço ser essencial também destaca a necessidade de responsabilizar o próprio SAMU pelas falhas no atendimento, e não somente os funcionários.

“Quando se fala em serviço essencial, não trabalha só a equipe que está lá. Tem que ter algum plano caso alguém falte, tenha um imprevisto. A própria entidade tem que fiscalizar e ter um controle para que isso não aconteça”, conclui.

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