O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, cassou decisão da Justiça do Trabalho envolvendo verbas trabalhistas de empregado público da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa) e determinou a remessa do caso à Justiça Comum.
Na Reclamação, a Fundação Casa sustentava que a Justiça do Trabalho teria desrespeitado interpretação fixada pelo STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.395, de que a competência desse ramo do Judiciário não abrange causas entre o poder público e servidores a ele vinculados por relação jurídico-estatutária.
Segundo a fundação, o caso trata da aplicabilidade de norma prevista em portaria administrativa (plano de cargos e salários), cabendo à Justiça Comum o julgamento.
Ao julgar procedente o pedido, o relator, ministro Alexandre de Moraes, explicou que a Justiça do Trabalho havia reconhecido sua competência para julgar a ação porque o funcionário havia sido contratado pelo regime da CLT.Ocorre que a controvérsia tem origem no direito à progressão por merecimento e no pagamento das diferenças salariais decorrentes do Plano de Cargos, Carreira e Salários. "A origem da controvérsia está justamente no vínculo jurídico-administrativo definido entre as partes", afirmou.
Portanto, para o ministro, é irrelevante, no caso, para fins de definição da competência jurisdicional, o fato de a fundação aplicar o regime celetista aos quadros de empregos públicos. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.
Veja abaixo a decisão
RECLAMAÇÃO 61.258 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
RECLTE.(S) :FUNDACAO CENTRO DE ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO AO ADOLESCENTE -
FUNDACAO CASA - SP
ADV.(A/S) :OCTAVIO AUGUSTO FINCATTI FORNARI
RECLDO.(A/S) :JUIZ DO TRABALHO DA 83ª VARA DO TRABALHO
DE SÃO PAULO
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) :FERNANDO ROZENDO DO NASCIMENTO SANTOS
ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
DECISÃO
Trata-se de Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada
pela Fundação Casa-SP – Centro de Atendimento Socioeducativo ao
Adolescente, contra decisão proferida pelo Juízo da 83ª Vara do Trabalho
de São Paulo (Processo 1000343-39.2023.5.02.0083), que teria
desrespeitado o decidido na ADI 3.395 (Rel. Min. ALEXANDRE DE
MORAES, j. 16/4/2020, DJe de 1º/7/2020) e no Tema 1.143-RG (RE
1.288.440, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, j. 3/7/2023) ao reconhecer a
competência da Justiça do Trabalho para apreciar demanda envolvendo
verbas trabalhistas de empregado público previstas no Plano de Cargos e
Salários da instituição.
Na inicial, a parte autora expõe as seguintes alegações de fato e de
direito (Doc. 1):
“A r. sentença afastou a competência da justiça comum e
deferiu a verba prevista em Portaria Administrativa da
Fundação (plano de cargos e salários) nos seguintes termos: [...]
Em 15.4.2020, o Plenário deste Supremo Tribunal
confirmou a cautelar deferida e julgou parcialmente procedente
a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, para fixar
interpretação conforme à Constituição da República, no sentido
de que o inc. I do art. 114, alterado pela Emenda Constitucional
n. 45/2004, não abrange causas ajuizadas para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público e seus
servidores. [...]
Temos que no caso em questão, o servidor público tem
uma relação jurídica- administrativa e o caso versa sobre a
aplicabilidade de norma prevista em Portaria Administrativa
(Plano de Cargos e Salários de servidor público), portanto
compete a JUSTIÇA COMUM o julgamento.”
Ao final, requer no mérito “seja julgada procedente a presente
reclamação constitucional, para cassar a sentença proferida nos autos da
Reclamação Trabalhista nº 1000343-39.2023.5.02.0083 que se encontra
atualmente na 83ª VARA DO TRABALHO EM SÃO PAULO para declarar a
Justiça Comum como competente para apreciação do feito, com fundamento na
decisão proferida na ADI 3.395/DF e TEMA 1143 STF.”.
É o relatório. Decido.
A respeito do cabimento de Reclamação para o SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL, a Constituição da República dispõe o seguinte:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
(...)
l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões;”
“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício
ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa
oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas
esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua
revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei;
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que
contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,
caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-
a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com
ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
Veja-se também o art. 988, I, II e III, do Código de Processo Civil:
“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do
Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III - garantir a observância de enunciado de súmula
vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em
controle concentrado de constitucionalidade;”
O paradigma de controle é o decidido por esta SUPREMA CORTE
na ADI 3.395, no qual, em sede de medida liminar, fixou-se o
entendimento de que o disposto no art. 114, I, da Constituição da
República não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e
servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. Tal
orientação foi posteriormente confirmada no julgamento de mérito da
referida ação direta nos seguintes termos:
“CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL
45/2004. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL. EXPRESSÃO ‘RELAÇÃO DE TRABALHO’.
INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS
SERVIDORES. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR
CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE.
1. O processo legislativo para edição da Emenda
Constitucional 45/2004, que deu nova redação ao inciso I do art.
114 da Constituição Federal, é, do ponto de vista formal,
constitucionalmente hígido.
2. A interpretação adequadamente constitucional da
expressão ‘relação do trabalho’ deve excluir os vínculos de
natureza jurídico-estatutária, em razão do que a competência da
Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder
Público e seus servidores.
3. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada
parcialmente procedente.” (ADI 3.395, de minha relatoria,
Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020, DJe de 1º/7/2020).
Conclusão análoga foi adotada pela CORTE no julgamento do Tema
1.143-RG (RE 1.288.440, Rel. Min. ROBERTO BARROSO), conforme se
extrai da tese fixada: “1. A Justiça Comum é competente para julgar ação
ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela
de natureza administrativa, modulando-se os efeitos da decisão para manter na
Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os
processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de
publicação da presente ata de julgamento”. Por oportuno registro que a ata do
referido julgado foi publicada em 12/7/2023.
No caso, assiste razão à parte reclamante.
A Justiça Laboral afastou, por decisão proferida em 18/7/2023, a
preliminar de incompetência absoluta sob os seguintes fundamentos
(Doc. 7, fls. 2-3):
“INCOMPETÊNCIA MATERIAL
A Reclamada postula a declaração de incompetência deste
Juízo em razão da matéria, tendo em vista a natureza do
contrato mantido entre as partes. Incontroverso que o
Reclamante foi contratado pela Administração Pública sob
o regime celetista, conforme documentos juntados aos autos por
ambas as partes, o que atrai a competência desta Justiça
Especializada para o julgamento da presente reclamação.
Rejeito.”
Como se observa nos autos, a controvérsia estabelecida entre as
partes tem origem o direito à progressão por merecimento e o pagamento
das correspondentes diferenças salariais decorrentes do Plano de Cargos,
Carreira e Salários instituído pela Portaria Normativa 195/2010 (Doc. 3, fl.
29). Isso demonstra que a origem da controvérsia está justamente no
vinculo jurídico administrativo definido entre as partes, tornando
irrelevante, para fins de definição da competência jurisdicional, o fato de
a lei que autorizou a instituição da Fundação (Lei 185/1973 do Estado de
São Paulo) determinar a aplicação do regime celetista aos quadros de
empregos públicos criados, cujas regras não se discutem neste processo.
Tal circunstância jurídica é suficientemente apta a atrair a competência da
Justiça Comum (ARE 1319512, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe
de 30/04/2021).
Nesse mesmo sentido, menciono as seguintes decisões monocráticas,
envolvendo casos análogos: CC 8.216, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, DJe de 10/06/2022; Rcl 52.320, Rel. Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, DJe de 24/03/2022; e Rcl 52.086, Rel. Min. CÁRMEN
LÚCIA, DJe de 22/03/2022.
Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE
o pedido para cassar os atos decisórios proferidos na Justiça do Trabalho
e determinar a remessa dos autos à Justiça Comum.
Nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-
Geral da República.
Publique-se.
Brasília, 27 de julho de 2023.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator
Documento assinado digitalmente