O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve, em decisão colegiada, as condenações de ex-diretores e ex-agentes da antiga Febem, hoje Fundação Casa, por tortura de internos em três unidades de Ribeirão Preto (SP) em 2003.
A 8ª Câmara de Direito Criminal rejeitou uma apelação ajuizada pelas defesas contra uma decisão em primeira instância, de 2018, que condenou de 10 a 14 anos de prisão em regime fechado os ex-funcionários, entre eles os então diretores Marcos Donizeti Ivo e Natal La Selva Neto. Ainda cabe recurso.
Um dos advogados de defesa de Ivo, Alamiro Velludo Salvador Netto informou que os recursos contra a nova decisão serão apresentados em tempo oportuno.
O g1 também tentou nesta quinta-feira (4) falar com uma advogada de Neto, mas não conseguiu contato até a última atualização desta notícia.
Há 19 anos, após uma rebelião, servidores expuseram adolescentes a violência física e psicológica entre 7 e 28 de agosto com ordem sistemática de diretores, segundo denúncias do Ministério Público. Os jovens foram obrigados a tomar banhos gelados e a ficar nus nos pátios, bem como tiveram objetos pessoais como fotos e roupas destruídos.
Na condenação em primeira instância, oito agentes foram condenados - um deles teve a punibilidade extinta - e 23 foram absolvidos. Eles puderam responder em liberdade, mas perderam os cargos públicos.
Na apelação, os condenados questionaram os requisitos da ação inicial, bem como tentaram desclassificar a tipificação penal para o crime de maus-tratos. Além disso, alegaram falta de provas, pediram mudança nas penas e substituição das prisões por outras restrições de direitos.
No acórdão, o tribunal concluiu que as provas são conclusivas ao demonstrarem que os réus concorreram para os crimes de tortura física e psicológica dos internos.
"A prova oral confirmou em Juízo os atos de tortura a que foram submetidos os adolescentes internos da Febem por meio de violência física e verbal, com intenso sofrimento físico e moral. Além das agressões com paus e barras de ferro, havia a exposição desnecessária no pátio com os internos seminus e sessão de xingamentos e ofensas, com jatos de água em noites de inverno. Os adolescentes estavam sob a custódia do Estado", observa o relator José Vitor Teixeira de Freitas.
Segundo o desembargador, como o crime praticado teve extrema violência e grave ameaça não há requisitos legais para substituir a prisão por pena restritiva de direitos.
De acordo com informações registradas na ação do Ministério Público, uma rebelião ocorrida em 30 de julho de 2003, quando menores tentaram fugir, levou à troca da direção regional da antiga Febem e à intervenção de um grupo denominado "Choquinho", com funcionários de outras unidades da fundação no Estado.
A denúncia aponta que, a partir de então, houve tortura e humilhação de internos em três dias e três unidades distintas.
A primeira ocorreu em 7 de agosto daquele ano, na Unidade Rio Pardo, depois que internos se revoltaram com a proibição de uso de skate e arremessaram carteiras pelos muros da instituição. A situação, segundo o Ministério Público, foi controlada pelos agentes, mas os servidores acabaram colocando os jovens em condições vexatórias.
Em 12 de agosto, as cenas de violência se repetiram na Unidade Ouro Verde depois de uma tentativa de agressão, não consumada por intervenção dos próprios adolescentes, a um guarda que teria feito gracejos à namorada de um dos internos.
Em 28 de agosto, diferentes agentes agiram violentamente nas unidades Ribeirão Preto e Ouro Verde , "para castigar os menores e imprimir neles temor", segundo a sentença. Os atos ocorreram depois de uma reunião em que a direção coagiu funcionários a atuar caso quisessem permanecer empregados, de acordo com a Promotoria.
Alguns adolescentes considerados problemáticos eram agredidos com mais frequência que os outros, segundo o MP.
De acordo com as denúncias, todas as intervenções sucederam situações controladas dentro das unidades. O MP também registrou que, durante as atuações dos agentes, os sistemas de telefonia da Febem foram desligados de propósito.
Há ainda registros de provas forjadas por determinação de dirigentes à época para tentar legitimar as ações, bem como de que somente adolescentes com lesões menos graves foram submetidos a exames de corpo de delito.
A decisão em primeira instância também aponta que os relatos de vítimas, testemunhas e acusados, com a confirmação de detalhes como os apelidos usados pelos agentes, por exemplo, foram consistentes e corroboraram outras provas obtidas.