Entidades diz que passa por redução histórica de adolescentes apreendidos em SP e afirma que unidades fechadas em 2022 estão entre as que têm menor taxa de ocupação no estado. 'Unidades que estão sendo fechadas eram consideradas modelos de atendimento diante dos problemas frequentes nos grandes complexos', diz especialista.
Por Rodrigo Rodrigues e Cíntia Acayaba, g1 SP — São Paulo
Fundação Casa em Iaras (SP) — Foto: Arquivo Pessoal
Seis unidades da Fundação Casa, que atendem adolescentes que cumprem medidas socioeducativas, serão fechadas no estado de São Paulo. De acordo com decretos publicados do Diário Oficial (D.O.) desta terça-feira (11), três unidades terão as atividades suspensas por tempo indeterminado, e três podem reabrir caso haja demanda.
Segundo a instituição, as suspensões ou extinções ocorrem porque essas unidades estão com baixo índice de ocupação das vagas. A maior parte das suspensões entra em vigor a partir de 31 de janeiro.
O advogado e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Ariel de Castro Alves afirma que o governo paulista está fechando unidades modelo que por muito tempo foram referência no estado para a ressocialização de menores infratores.
“Acompanho a fundação desde a década de 90. As unidades que estão sendo fechadas eram consideradas modelos de atendimento diante dos problemas frequentes nos grandes complexos do Tatuapé e Imigrantes [alvos de grandes rebeliões]”, afirmou.
"Lutamos por mais de 20 anos por pequenas unidades de internação, com atividades culturais, esportivas, educacionais, profissionalizantes e de lazer. Com equipes técnicas e assistência de saúde e jurídica. Da mesma forma, também sempre defendemos a criação de unidades de semiliberdade como alternativa diante das internações em excesso. E agora, ao invés de a Fundação Casa fechar e descentralizar os grandes complexos, como da Raposo Tavares e Brás, está fechando exatamente as pequenas unidades descentralizadas de internação e semiliberdade", completou.
A Fundação Casa afirmou, por meio de nota, que passa por uma redução histórica no atendimento de adolescentes e crianças em conflito com a lei desde 2014 e, atualmente, tem 4.626 adolescentes em atendimento para 7.582 vagas oferecidas (veja mais abaixo).
Segundo a entidade, a taxa de ocupação dos 122 centros socioeducativos de 47 cidades no estado de São Paulo está em 61% da capacidade de atendimento.
“Os centros de internação suspensos são aqueles com estrutura própria da Fundação CASA, cujas edificações serão mantidas. Já os centros de semiliberdade são extintos porque suas localizações estão em imóveis residenciais que não serão mais alugados. Se houver aumento de demanda do atendimento nas respectivas regiões, os centros socioeducativos podem ser reabertos”, afirmou o órgão através de nota.
Fundação Casa - Madre Teresa de Calcutá I, no município de Iaras, no interior do estado de SP. — Foto: Reprodução/Google Street View
Reduções momentâneas
Para o advogado Ariel de Castro, a diminuição dos atendimentos pode ser temporária, com base em orientação do Poder Judiciário para diminuir o número de encarceramentos socieducativos no país, por causa da pandemia da Covid-19.
“Essa diminuição de internos pode ser momentânea, diante da menor atuação policial na pandemia, com menos apreensões. E também o Poder Judiciário, diante de recomendações do TJ-SP e do CNJ, evitou internações nesse período. Tudo pode se reverter em alguns meses. Esperamos não voltarmos aos tempos da antiga Febem, com superlotação nas poucas unidades existentes”, disse.
As unidades que tiveram as atividades suspensas ou extintas nesta terça (11) pelo governo paulista foram as seguintes:
Unidades extintas:
- Semiliberdade São Mateus, Zona Leste de SP (25% de ocupação);
- Semiliberdade Franca (35% de ocupação).
- Semiliberdade Ibituruna (22,7% de ocupação)
Unidades suspensas:
- Casas Madre Teresa de Calcutá I, em Iaras (54,7% de ocupação);
- Taquaritinga e Jequitibá, em Campinas (48,4% e 41,7% de ocupação, respectivamente).
Transferências
Segundo a Fundação Casa, “todos os adolescentes dessas seis unidades foram transferidos ou estão em processo de transferência para centros socioeducativos mais próximos de seus municípios de moradia”.
A reformulação do sistema de atendimento não trará prejuízo aos servidores da fundação, seja na suspensão ou extinção das unidades, de acordo com o órgão do governo paulista.
“[Os empregados] serão realocados em centros preferencialmente próximos às suas residências, de acordo com processo de escolha, possibilitando a todos a manifestação de seu interesse”, afirmou a fundação por meio de nota.
Porém, o g1 ouviu relatos de funcionários que foram transferidos para distâncias maiores de 200 km do local em que moram desde o ano passado. Eles chegaram a acionar a Justiça para conseguir se manter trabalhando perto de casa.
Manifesto dos funcionários
A Fundação Casa tem 11 mil servidores. Em um manifesto enviado ao Ministério Público, psicólogos, assistentes sociais e equipes pedagógicas que trabalham na instituição afirmam que os números de internações caíram porque juízes encarceraram menos jovens infratores para cumprimento de medidas socioeducativas, em virtude da pandemia.
“O que acontece, é que, utilizando-se da pandemia, diminuíram as internações, sendo que as Varas de Infância e Juventude, só estão efetivamente internando, após 5 a 8 apreensões em delegacia. Qual o propósito? Apenas casos de maior potencial ofensivo [serão internados]?”, afirmou o documento.
Na carta, o grupo alega problemas na contratação de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) para ajudar os internos em cursos profissionalizantes, em detrimento do trabalho psicossocial, inflacionando a agenda pedagógica e deixando o apoio psicossocial a apenas duas horas semanais.
“Recentemente foram celebrados inúmeros convênios com OSCIPs, com a pretensão de estar profissionalizando e criando empregabilidade aos jovens. Porém, já existiram projetos bem-sucedidos neste campo, sem necessidade de dispêndio de verbas terceirizadas, já que os argumentos são a falta de recursos, inclusive com a diminuição de verbas para a Fundação Casa, neste ano. Quem irá fiscalizar a pseudoqualificação destes contratados?”, diz o manifesto.
A Fundação Casa rebate a afirmação e diz que os números de atendimentos vêm caindo ano a ano, desde 2014.
“A redução no atendimento é histórica, registrada desde 2014, conforme o quadro abaixo, e não apenas durante a pandemia da Covid-19. Desde 2019, foram suspensos ou extintos 30 centros socioeducativos, a maioria entre os anos de 2020 (10 unidades) e 2021 (12 unidades). Em 2022 são seis suspensões e extinções, sendo que a maior parte entra em vigor a partir do dia 31 de janeiro”, declarou a entidade.
Atendimentos na Fundação Casa de SP
Ano | Atendimentos realizados |
2013 | 8.747 |
2014 | 9.241 |
2015 | 9.018 |
2016 | 8.808 |
2017 | 8.305 |
2018 | 7.625 |
2019 | 6.850 |
2020 | 4.911 |
2021 | 4.499 |
Tortura
Em 2021, o Brasil foi denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) por não ter responsabilizado os envolvidos em crimes de tortura ocorridos em uma unidade da Fundação Casa, na cidade de São Paulo, em 2015. O g1 revelou, em julho daquele ano, que ao menos 15 jovens foram espancados na unidade Cedro, na Rodovia Raposo Tavares.
A denúncia foi feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, contra o Brasil, e não contra o governo de São Paulo, porque o órgão só pode se reportar ao estado brasileiro. A Fundação Casa diz que tomou todas as medidas cabíveis à época dos fatos.
A unidade Cedro teve as atividades suspensas em março deste ano, segundo a instituição, "devido à queda no atendimento da instituição", que recebe jovens infratores.
Em 2016, como o g1 mostrou, a OEA concedeu uma medida cautelar e determinou que o Brasil garantisse a integridade dos adolescentes internados na unidade. Mas a Defensoria Pública de São Paulo entendeu que o estado não cumpriu a medida e ofereceu a denúncia.
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11 de jan de 2022 às 21:02