sábado, 3 de outubro de 2020

Fundação Casa quer reduzir reincidência de jovens egressos

 


Organização da sociedade civil será contratada ao valor de R$ 2,4 milhões para desenvolver ações com jovens que encerraram o período de internação. Órgão também observará frequência escolar

2 OUT2020
17h28
atualizado às 17h55
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    A Fundação Casa publicou nesta sexta-feira, dia 2, um edital no valor de R$ 2,4 milhões, para selecionar uma organização da sociedade civil que vai desenvolver ações com jovens saídos de internação. O pagamento de uma parte do valor, no entanto, só será feito se forem atingidas metas de ressocialização, como o aumento da frequência escolar e a queda da taxa de reincidência, ou seja, a queda da taxa de retorno ao regime fechado da Fundação.

    Por se tratar de um modelo inovador, focado em resultado, que precisa ser adaptado ao contexto nacional, esta proposta é híbrida, onde parte do pagamento é realizada pela execução das atividades e outra parte é paga somente no caso de atingimento dos resultados, ainda que de forma escalonada e proporcional", diz o edital. "Assim, tem-se uma relação de 60% (sessenta por cento) do pagamento atrelado ao atingimento dos resultados propostos e 40% (quarenta por cento) pela execução dos serviços", explica o texto.

    "De fato, é uma proposta inovadora de contratação no serviço público, é o primeiro edital no Brasil que contrata o impacto social ou a mudança social, ao invés de contratar um serviço ou um produto" disse ao Estadão Maurício Correia, chefe de gabinete da Fundação Casa e um dos autores do projeto. Esse modelo de concessão tem o pagamento de dinheiro público atrelado a metas socioambientais.

    A adoção do modelo híbrido representa uma vitória da atuação do deputado estadual Heni Ozi Cukier (Novo), que destinou R$ 800 mil em emendas à Fundação Casa, como parte de suas medidas com foco em segurança e no sistema carcerário. Os outros R$ 1,6 milhão são provenientes do Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza.

    De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os infratores podem cumprir medidas socioeducativas na Fundação Casa até os 21 anos
    De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os infratores podem cumprir medidas socioeducativas na Fundação Casa até os 21 anos
    Foto: Marcos Santos / USP Imagens

    Para ajudar a colocar a iniciativa em pé, Heni conversou com o governador do Estado, João Doria (PSDB), com o vice, Rodrigo Garcia (DEM) e com o secretário estadual da Justiça, Paulo Dimas, que deixa o cargo nesta sexta. "Eles ouviram e deram atenção e entenderam que isso é uma modernização em uma área muito crítica", afirmou o deputado ao Estadão.

    O projeto visa atender até 300 jovens residentes das Zonas Leste ou Norte da cidade de São Paulo ao longo de 12 meses, com mais três meses dedicados para apuração dos resultados.

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    O modelo defendido por Ozi é chamado de Contrato de Impacto Social (CIS), semelhante ao Social Impact Bond (Título de Impacto Social, em inglês). Esse tipo de iniciativa é uma resposta direta à quem se opõe à entrega de determinados serviços serviços públicos para a iniciativa privada.

    "As críticas a você terceirizar ou conceder à iniciativa privada alguns tipo de serviço são pertinentes e a crítica gira em torno do fato de que a concessionária ou a organização social vai só estar focada no lucro, no resultado financeiro, e não vai atingir o seu objetivo social", explicou. "Essa modalidade de Contrato de Impacto Social é a solução para isso. Fora do Brasil hoje, grandes organizações internacionais como o BID e Banco Mundial só dão dinheiro (a projetos) dentro desse modelo", acrescentou. "Na Inglaterra, existe o contrato de impacto social para redução da reincidência do crime", explicou Correia.

    Uma das dificuldades para a implementação de projetos do tipo é a ausência de dados transparentes que possibilitem apurar os resultados do contrato. No caso da Fundação Casa, existe uma medição de reincidência. "Daqui para frente, os próximos contratos vão poder ser comparados com os dados desse de agora e os termos do edital podem ficar mais refinados", disse o deputado.

    Heni avalia que a atuação junto a jovens é fundamental. "Dá tempo de eles serem ressocializados e escolherem uma forma de vida sem crime", defendeu.

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    O ano de 2020 foi o primeiro em que a Fundação Casa recebeu dinheiro de emendas parlamentares, destinadas por deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Além da emenda de Ozi, a instituição recebeu também uma quantidade menor de dinheiro destinada por Marina Helou (Rede).

     

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    sexta-feira, 2 de outubro de 2020

    Quem tem direito aos precatórios? Entenda do que se trata o assunto do momento

     

    Glaucia Alves - 02/10/2020 
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    Os precatórios são os documentos que formalizam a indenização que deve ser paga pelo Poder Público as pessoas, ou empresas, que processaram o órgão e ganharam a causa. Dessa maneira, o precatório nada mais é que  dívidas judiciais do Poder Público.

    Quem tem direito aos precatórios? Entenda do que se trata o assunto do momento
    Quem tem direito aos precatórios? Entenda do que se trata o assunto do momento (Imagem: Reprodução/Google)

    Os precatórios tornaram-se manchete nesta semana, após ser anunciada à fonte de financiamento do novo programa social, o Renda Cidadã. Esse programa tem como objetivo de substituir e ampliar o Bolsa Família e dar continuidade ao auxílio emergencial que finaliza em dezembro.

    Para se tornar um precatório é necessário que a dívida seja superior a 60 salários mínimos. Dessa maneira, ao ser emitido um precatório o valor entra no orçamento do governo, para que seja quitado em uma data determinada.

    O senador Márcio Bittar (MDB-AC) é o relator da proposta Renda Cidadã e prevê em seu texto o uso do Fundeb e de precatórios para financiar o programa. A proposta foi criticada, já que a imagem do Brasil será de forma negativa, como abandono do compromisso fiscal.

    No último ano foi reservado R$ 55 bilhões para o pagamento dos precatórios, porém, segundo o Governo, apenas 2% seriam usados e o restante pode ser direcionado para o financiamento de parte do novo programa social.

    De acordo com o relator, devido à pandemia de Covid-19 é justificável o remanejamento desse valor para o Renda Cidadã, já que tem como intuito ajudar as famílias em situação de vulnerabilidade. Essa medida é afirmada pelo parlamentar, ao lembrar que em janeiro de 2021, essas famílias não terão mais o recebimento do auxílio emergencial.

    “Não é calote. Você deve o sujeito da bodega da esquina, R$ 1000. Mas naquele momento não tinha pandemia. Chega o credor, olha, ‘te devo R$ 1000, mas não tenho como pagar, porque tenho parentes aqui que para se alimentar precisam de mim. Vou te pagar um terço’”, afirmou Bittar.

    “Os R$ 55 bilhões colocados no Orçamento nesse ano, não tinha pandemia, então vou te pagar um terço. E o restante eu vou atender cerca de 10 milhões de brasileiros que precisam se alimentar a partir de janeiro”, continuou o senador

    Defensor da redução da maioridade penal assume secretaria responsável pela Fundação Casa

     


    Governo de SP/ Divulgação

    "Ele ter sempre pregado a redução da maioridade penal, em tese, mostra que ele não acredita no cumprimento do ECA e nem na eficácia das medidas socioeducativas", avalia especialista em Direitos Humanos

    São Paulo – O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta sexta-feira (2) um defensor da redução da maioridade penal para assumir o comando da secretaria de Justiça e Cidadania do Estado. O advogado criminalista Fernando José da Costa substituirá Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que pediu exoneração do cargo que ocupava desde 2018. 

    Além do fato de que Fernando é também advogado particular de Doria, o que mais chama atenção na indicação é sua histórica e pública defesa pela redução para 16 anos da idade mínima para prisão de jovens e adolescentes em conflito com a lei. O especialista em Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, teme que o novo secretário da pasta que, entre outros órgãos, será responsável pela Fundação Casa, possa provocar retrocessos aos direitos destes jovens, sobretudo os direitos humanos.

    Em 2015, Fernando, que é também professor universitário e mestre e doutor em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), expôs em entrevista ao canal Record News seu apoio à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, de 1993. A medida, à época, tramitava na Câmara dos Deputados. A PEC abria a possibilidade de julgamento de adolescentes entre 16 e 18 anos pelo Código Penal, em vez de pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 

    Histórico defensor

    Naquela entrevista ao jornalista Heródoto Barbeiro, o criminalista dizia “não ter a menor dúvida de que o projeto deveria ir em frente”. Seu principal argumento era de que “seria insustentável” permanecer com o “entendimento de 1940”, de que o jovem de 16 anos não teria amadurecimento. “O menor, adolescente de 16 anos, sabe o que é certo e errado”, alegava. No ano passado, Fernando voltou a destacar a proposta na Folha de S. Paulo, repetindo que “não é de hoje que defendo a redução da maioridade penal”.

    Nesta sexta, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o novo secretário disse que irá “cuidar da Fundação Casa com o objetivo de colaborar com a ressocialização desses menores”. E que “lutará contra o preconceito e defender as minorias”.

    Para Ariel, no entanto, “ele ter sempre pregado a redução da maioridade penal, em tese, mostra que não acredita no cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e nem na eficácia das medidas socioeducativas”. À RBA, o especialista destaca que Fernando “precisará demonstrar que de fato pretende investir na ressocialização”. “Ele precisa mostrar agora o contrário, de que de fato vai cumprir o ECA e vai de fato efetivar as medidas socioeducativas e aprimorar os trabalhos da Fundação Casa”. 

    O que está em jogo

    Um dos riscos, de acordo com o conselheiro do Condepe é que “ao assumir um secretário que defende e sempre defendeu a redução da maioria penal, ele torne a Fundação Casa cada vez mais parecida com o sistema prisional”, em oposição às medidas socioeducativas, de escolarização, profissionalização e ensino técnico. Em outras gestões, acrescenta Ariel, principalmente nos governos José Serra e Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, era comum que agentes do sistema penitenciário e policiais militares assumissem a segurança e até a coordenação e direção de unidades do sistema socioeducativo

    “Nós esperamos que isso não volte a acontecer, que se valorize os bons profissionais. Principalmente educadores, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, os funcionários de perfis mais técnicos. Esses que precisam ser valorizados. Porque são eles que têm condições de promover trabalhos realmente socioeducativos, de ressocialização e inclusão social do adolescente”, destaca o especialista em Direitos Humanos. 

    BolsoDoria

    O projeto de redução da maioridade penal, contudo, avançou para o Senado, mas na contramão de tendências mundiais que pedem o aumento da maioridade penal. É o caso, por exemplo, dos Estados Unidos, que historicamente era um símbolo para os defensores da redução. Até 2018, cinco estados haviam decidido que o julgamento como adulto aconteceria a partir dos 18 anos. Levantamento da Folha de S. Paulo também mostra que a idade penal, em 41 estados americanos, já era de 18 anos. Em Vermont, por exemplo, a partir de 2022, a maioridade passará a ser a partir dos 20 anos. 

    “Se forem bem aplicadas, medidas socioeducativas são muito mais adequadas para a ressocialização e reeducação dos adolescentes. Elas servem de antídoto contra a violência e evitam a reincidência”, comenta Ariel. 

    Em meio à pandemia, a Fundação Casa vem somando denúncias de violência e maus tratos contra adolescentes. Ainda, de acordo com o conselheiro do Condepe, familiares de jovens institucionalizados estão reclamando que, além da suspensão de visitas, as atividades escolares, esportivas, culturais e de lazer também foram canceladas. Em sua avaliação, a escolha por um defensor da redução da maioridade penal por Doria pode também estar associada ao interesse do governador “em capitalizar a pauta conservadora. E tentar ganhar  votos por meio dessas medidas ilusórias, oportunistas, demagógicas. Isso certamente faz parte da plataforma dele”, observa. O presidente Jair Bolsonaro também é um ferrenho defensor da tese.

    Ariel conclui, contudo, que a redução da maioridade penal seria uma afronta à Constituição Federal e ao ECA, que completou 30 anos recentemente. “É uma cláusula pétrea que não pode ser modificada por emenda à Constituição”, finaliza o especialista.