domingo, 3 de março de 2019

Holanda enfrenta 'crise penitenciária': sobram celas, faltam condenados

Holanda enfrenta 'crise penitenciária': sobram celas, faltam condenados

Prisioneiro holandês
Image captionPopulação carcerária holandesa foi reduzida em 43% nos últimos 10 anos
Enquanto a maioria dos países do mundo enfrenta problemas de superlotação no sistema carcerário, a Holanda vive a situação oposta: gente de menos para trancafiar. Nos últimos anos, 19 prisões foram fechadas e mais deverão ser desativadas em 2017, obedecendo a um decréscimo agudo da população carcerária. Mas há quem veja nisso um problema.
O cheiro de cebolas fritas deixa a cozinha e se espalha pelo pavilhão. Detentos estão preparando o jantar. Um deles, usando uma longa faca, corta legumes.
"Tive seis anos de treino, então só posso melhorar", brinca ele.
O prisioneiro fala alto, porque a faca está presa a uma longa corrente presa à bancada em que trabalha.
"Eles não podem carregar a faca por aí", explica Jan Roelof van der Spoel, vice-diretor da prisão de segurança máxima de Norgerhaven, no norte da Holanda, que tem capacidade para 243 detentos.
"Mas os detentos podem pegar emprestadas pequenas facas de cozinha. Para isso, precisam deixar conosco sua identificação para que possamos saber quem está com o que".
Alguns dos homens em Norgerhaven cumprem sentenças por crimes violentos, então pode parecer algo perigoso deixá-los andar com facas pela prisão. Mas as aulas de culinária fazem parte das iniciativas de reabilitação dos detentos.
Faca na cozinha da prisão
Image captionNa cozinha da prisão, a faca é presa a uma corrente
"Aqui na Holanda, nós olhamos para o indivíduo. Se alguém tem um problema com drogas, tratamos o vício. Se é agressivo, providenciamos gestão da raiva. Se tem dívidas, oferecemos consultoria de finanças. Tentamos remover o que realmente causou seu crime. É claro que o detento ou a detenta precisam querer mudar, mas nosso método tem sido bastante eficaz", explica Van der Spoel.
O diretor acrescenta que alguns reincidentes normalmente recebem sentenças de dois anos e programas personalizados de reabilitação. Menos de 10% voltam à prisão. Em países como Reino Unido e EUA, por exemplo, cerca de 50% dos detentos cumprindo pequenas penas voltam a ser presos nos primeiros dois anos após a libertação (no Brasil, diversos estudos estimam que a taxa geral de reincidência é de 70%).
Norgerhaven fica na cidade de Veenhuizen, onde também está situada outra prisão de segurança máxima - Esserheem. Ambas contam com bastante espaço. O pátio é do tamanho de quatro campos de futebol e têm carvalhos, mesas de piquenique e redes vôlei.
Van der Spoel conta que o ar fresco reduz o estresse tanto para detentos quanto guardas. Detentos podem andar "a vontade por áreas comuns como biblioteca, departamento médico e cantina, e essa autonomia os ajuda na readaptação à vida em liberdade.
Pátido da prisão
Image captionNorgerhaven tem espaço de sobra para evitar o confinamento excessivo de prisioneiros e guardas
Não poderia ser uma situação mais diferente de 10 anos atrás, quando a Holanda tinha uma das maiores populações carcerárias da Europa. Hoje, a proporção é de 57 pessoas por cada 100 mil habitantes, comparada a 148 por 100 mil no Reino Unido e 193 no Brasil.
Mas os programas de reabilitação não são a única razão para o declínio de 43% no número de pessoas atrás das grades na Holanda - que era de 14.468 em 2005 e caiu para 8.245 em 2015.
O ano de 2005, por sinal, foi o auge da população carcerária e especialistas acreditam que o salto se deu ao aumento na segurança do principal aeroporto de Amsterdã e a consequente explosão na prisão de "mulas" carregando cocaína. Mas, como explica Pauline Schuyt, professora de direito criminal, a polícia mudou suas prioridades.
"Eles mudaram o foco das drogas para concentrar esforços no combate ao tráfico humano e ao terrorismo", explica.
Juízes holandeses também vêm aplicando cada vez mais penas alternativas à prisão, como trabalhos comunitários, multas e monitoramento eletrônico.
Angeline van Dijk, do Serviço Penitenciário Holandês
Image captionAngeline van Dijk diz que o encarceiramento não é solução universal
A diretora do serviço penitenciário da Holanda, Angeline van Dijk, diz que o encarceramento tem se tornado algo mais aplicado para casos de criminosos de alta periculosidade ou para detentos em situação vulnerável, que podem se beneficiar dos programas disponíveis.
"Às vezes é melhor que pessoas fiquem em seus empregos e suas famílias, e que cumpram a pena de outra forma", explica Van Dijk.
"Como temos penas mais curtas e uma taxa de criminalidade em queda, isso está levando a celas vazias".
Oficialmente, crimes caíram 25% na Holanda desde 2008, mas há quem alegue que isso é resultado de maiores problemas em registrar queixas - um efeito colateral do fechamento de delegacias, como parte de pacotes de cortes de gastos públicos.
Ex-diretora de prisão e hoje porta-voz para assuntos de Justiça do partido de oposição Apelo Democrático Cristão, Madeleine Van Toorenburg diz que a escassez de prisioneiros está ligada a uma espécie de impunidade.
"A polícia está sobrecarregada e não consegue lidar com seu trabalho. A resposta do governo é fechar prisões", critica.
E agentes penitenciários tampouco se dizem satisfeitos com o que chamam de instabilidade profissional. Frans Carbo, líder sindical, diz que agentes estão frustrados e que a presente situação desestimula a renovação da força de trabalho.
"Os jovens não querem trabalhar no sistema penitenciário porque não há mais futuro na profissão. Você nunca sabe quando sua prisão será fechada".
As prisões desativadas são normalmente convertidas em centros de triagem para refugiados e oferecem uma oportunidade de trabalho para guardas que perderam o emprego. Mas uma unidade nas imediações de Amsterdã foi convertida em um hotel de luxo.
Crianças em centro de triagem para refugiados
Image captionPrisões desativadas foram convertidas em centros de triagem para refugiados
Outra solução encontrada pelo governo para lidar com celas ociosas foi alugar espaço para prisioneiros de países com problemas de lotação, como a vizinha Bélgica e a Noruega.
Norgerhaven, por exemplo, recebe prisioneiros noruegueses, a mesma nacionalidade do novo diretor da unidade Karl Hillesland. Mas os guardas são todos holandeses. O curioso é que o sistema penal norueguês é mais liberal que o holandês. Prisioneiros podem dar entrevistas e assistir aos DVDs que quiserem, porque o princípio básico é do da normalização - a vida na prisão deve ser o máximo possível parecida com a do mundo lá fora para ajudar a reintegração.
Exterior da prisão de Norgerhaven
Image captionPrisões começaram a receber detentos "importados"
"Fazemos as coisas de maneiras diferentes. Aqui (na Holanda), tomamos ações disciplinares assim que um prisioneiro quebra as regras, ao passo que os noruegueses primeiro abrem inquérito e depois tomam providências. Esse estilo confundiu os guardas no começo", diz Van der Spoel.
"Mas, no geral, compartilhamos os mesmos valores básicos sobre como administrar uma prisão", diz Hillesland.
O diretor diz que alguns prisioneiros do sistema norueguês foram transferidos unilateralmente para a Holanda, mas que a maioria se voluntariou porque artigos como tabaco, por exemplo, são mais baratos na Holanda.
Antigo reformatório de VeenhuizenDireito de imagemTHINKSTOCK
Image captionAntigo reformatório de Veenhuizen foi destino forçado de uma série de holandeses pobres
Mas a transferência criou problemas para parentes, que precisam custear do próprio bolso visitas à prisão - o que pode custar mais de R$ 2 mil em passagem aérea e acomodação. Por isso, Norgerhaven hoje contra com uma "sala de Skype". Mas a maioria dos prisioneiros "importados" é composta de estrangeiros que jã não viam suas famílias em pessoas quando estavam atrás das grades na Noruega.
O operário polonês Michael é um exemplo. Ele usa a internet para ver a esposa e os quatro filhos, algo que não tinha na Noruega - os parentes estão na Polônia.
"Minha mulher está ocupada com a tarefa de cuidar das crianças e o trabalho. Então optei por vir para esta prisão para que não apenas ouvisse a voz da minha família. É difícil (controlar a emoção) depois de falar com eles, mas é melhor que nada", explica Michael.
Veenhuizen também esconde um passado sombrio e bem menos progressista que o do atual sistema penitenciário: um reformatório que ficou conhecido como a "Sibéria Holandesa" e que foi usado para a internação forçada de mendigos, órfãos e outros marginalizados no século 19. E que funcionou até os anos 70.
De acordo com demógrafos, pelo menos um milhão dos 17 milhões de holandeses hoje vivos descende de alguém "exilado" em Veenhuizen.
Hoje, o prédio do reformatório abriga o Museu Penitenciário.

sábado, 2 de março de 2019

Bolsonaro altera regras para dificultar pagamento de contribuição sindical

Bolsonaro altera regras para dificultar pagamento de contribuição sindical

Presidente assinou medida provisória que impede desconto em folha; pagamento terá que ser via boleto

  •  
  •  
  •  
  •  
Thiago Resende
BRASÍLIA
O presidente Jair Bolsonaro tornou mais difícil que um trabalhador faça uma contribuição sindical, que passou a ser opcional, em 2017, na reforma trabalhista aprovada pelo ex-presidente Michel Temer.
Às vésperas de os trabalhadores escolherem se querem ou não pagar o imposto que financia os sindicatos, o governo Bolsonaro editou uma medida provisória (MP) mudando regras para fazer a contribuição.
O pagamento terá que ser via boleto bancário a ser enviado para a residência do empregado ou via guia eletrônica para recolhimento do imposto.
Carteira de Trabalho
Carteira de Trabalho e Previdência Social; contribuição sindical terá de ser aprovada por escrito - Gabriel Cabral - 26.jan.19/Folhapress
Antes de o presidente assinar a MP, o trabalhador tinha que fazer uma autorização prévia para que o patrão descontasse do salário do mês de março o valor referente à contribuição para o sindicato.
Ao alterar as regras, o governo quer que o empregado informe expressamente, e por escrito, o desejo de ajudar no financiamento da atividade sindical e, depois de receber o boleto, faça o pagamento.
Entidades representantes dos trabalhadores contestam a decisão de Bolsonaro, que já está em vigor, mas precisará ser aprovada pelo Congresso.
Uma medida provisória tem efeitos imediatos, mas pode ser derrubada ou aprovada pelos parlamentares em até 120 dias.
No entanto, o governo precisa justificar o uso desse instrumento legal, expondo a relevância e urgência do ato, pois o Legislativo debate o assunto depois que as novas normas passam a valer.
Para o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, não há razões para mudar as regras para realizar as contribuições sindicais por meio de uma MP. Além disso, a medida, segundo ele, fere o princípio da liberdade sindical, prevista na Constituição.

Por isso, Torres pode recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), alegando ilegalidade do ato de Bolsonaro.
“Diante de tais ilicitudes, a nossa entidade está, em caráter de urgência, estudando as medidas e estratégias jurídicas a serem adotadas perante o STF, inclusive”, afirmou.

APROVAÇÃO POR ASSEMBLEIA NÃO VALE

Na medida provisória, Bolsonaro também prevê que a autorização para o pagamento do imposto sindical deve ser feita por escrito e de maneira individual pelo trabalhador.
Antes, não era necessário que o aval fosse por escrito.
Além disso, o governo impede que assembleias ou convenções coletivas determinem a obrigatoriedade de contribuição sindical aos trabalhadores.
Em uma rede social, o secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, disse que a MP foi editada para não haver dúvidas de que o imposto só pode ser cobrado em caso de aval prévio, expresso e individual do empregado.
Segundo ele, a “necessidade de uma MP se deve ao ativismo judiciário que tem contraditado o legislativo e permitido cobrança”.
Ex-deputado do Rio Grande do Norte pelo PSDB, Marinho foi o relator do projeto de lei da reforma trabalhista na gestão Temer. 
A proposta foi aprovada, em 2017, pelo Congresso e tornou opcional o imposto sindical.
Desde então, as entidades representantes dos trabalhadores reclamam de falta de recursos e acusam o antigo governo e os parlamentares de tentarem conter as atividades em defesa dos direitos dos empregados.
O presidente da UGT (União Geral dos Trabalhadores), Ricardo Patah, disse que o sindicato recebe, atualmente, 20% dos recursos anteriores à reforma trabalhista.

Apesar de não prever o impacto exato da necessidade de pagamento da contribuição por boleto, ele diz acreditar que as entidades sindicais terão ainda menos dinheiro após a decisão de Bolsonaro.
“É muito estranho que, neste momento, apareça uma MP que tem clara intenção de asfixiar o movimento sindical. A minha preocupação é que, em todas as democracias, o pilar dos representantes sindicais é valorizado. No Brasil, não”.

*CLT: Contribuição Sindical - Novas alterações

*CLT: Contribuição Sindical - Novas alterações*

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 873, DE 1º DE MARÇO DE 2019

D.O.U em 01/03/2019 Edição extra

*Altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre a contribuição sindical, e revoga dispositivo da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990*.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 545. As contribuições facultativas ou as mensalidades devidas ao sindicato, previstas no estatuto da entidade ou em norma coletiva, independentemente de sua nomenclatura, serão recolhidas, cobradas e pagas na forma do disposto nos art. 578 e art. 579." (NR) "
Art. 578. As contribuições devidas aos sindicatos pelos participantes das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas pelas referidas entidades serão recolhidas, pagas e aplicadas na forma estabelecida neste Capítulo, sob a denominação de contribuição sindical, desde que prévia, voluntária, individual e expressamente autorizado pelo empregado." (NR) "
Art. 579. O requerimento de pagamento da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e voluntária do empregado que participar de determinada categoria econômica ou profissional ou de profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, na inexistência do sindicato, em conformidade o disposto no art. 591.
§ 1º A autorização prévia do empregado a que se refere o caput deve ser individual, expressa e por escrito, não admitidas a autorização tácita ou a substituição dos requisitos estabelecidos neste artigo para a cobrança por requerimento de oposição.
§ 2º É nula a regra ou a cláusula normativa que fixar a compulsoriedade ou a obrigatoriedade de recolhimento a empregados ou empregadores, sem observância do disposto neste artigo, ainda que referendada por negociação coletiva, assembleia-geral ou outro meio previsto no estatuto da entidade." (NR) "
Art. 579-A. Podem ser exigidas somente dos filiados ao sindicato:
I - a contribuição confederativa de que trata o inciso IV do caput do art. 8º da Constituição;
II - a mensalidade sindical; e
III - as demais contribuições sindicais, incluídas aquelas instituídas pelo estatuto do sindicato ou por negociação coletiva." (NR) "
Art. 582. A contribuição dos empregados que autorizarem, prévia e expressamente, o recolhimento da contribuição sindical será feita exclusivamente por meio de boleto bancário ou equivalente eletrônico, que será encaminhado obrigatoriamente à residência do empregado ou, na hipótese de impossibilidade de recebimento, à sede da empresa.
§ 1º A inobservância ao disposto neste artigo ensejará a aplicação do disposto no art. 598.
§ 2º É vedado o envio de boleto ou equivalente à residência do empregado ou à sede da empresa, na hipótese de inexistência de autorização prévia e expressa do empregado.
§ 3º Para fins do disposto no inciso I do caput do art. 580, considera-se um dia de trabalho o equivalente a:
I - uma jornada normal de trabalho, na hipótese de o pagamento ao empregado ser feito por unidade de tempo; ou
II - 1/30 (um trinta avos) da quantia percebida no mês anterior, na hipótese de a remuneração ser paga por tarefa, empreitada ou comissão.
§ 3º Na hipótese de pagamento do salário em utilidades, ou nos casos em que o empregado receba, habitualmente, gorjetas, a contribuição sindical corresponderá a 1/30 (um trinta avos) da importância que tiver servido de base, no mês de janeiro, para a contribuição do empregado à Previdência Social." (NR)
Art. 2º Ficam revogados:
a) o parágrafo único do art. 545 do Decreto-Lei nº 5.452, de 1943; e
b) a alínea "c" do caput do art. 240 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
*Art. 3º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação*.
Brasília, 1º de março de 2019; 198º da Independência e 131º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Guedes

http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=600&pagina=1&data=01/03/2019&totalArquivos=1