Após críticas sobre jornada de 12 horas diárias, Temer repreende ministro
Declaração de Ronaldo Nogueira cria mal-estar
BRASÍLIA, RIO e SÃO PAULO - Assustado com a repercussão negativa causada pelas declarações do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, de que o governo pretende regulamentar a jornada de 12 horas por dia, o presidente Michel Temer repreendeu o ministro e determinou que ele insista na mensagem de que nenhum direito será retirado do trabalhador. A declaração de Nogueira foi dada durante um seminário, na quinta-feira, em Brasília — e criticada ontem por especialistas e centrais sindicais. Também causou mal-estar entre congressistas da base aliada. No Palácio do Planalto, a sensação é que o ministro se atrapalhou ao falar sobre um tema tão delicado como a reforma trabalhista.
Nogueira afirmou, na quinta-feira, que a ideia do governo é manter, na proposta que pretende enviar ao Congresso, a jornada semanal de 48 horas — 44 horas, mais 4 extras — e permitir que cada categoria estabeleça, via convenção coletiva, a melhor forma de distribuir esse tempo. O teto diário, explicou o ministro, seria de 12 horas.
MAIS RESISTÊNCIA NO CONGRESSO
Segundo fontes ligadas ao presidente, diversos parlamentares ligaram para o Palácio do Planalto pedindo explicações. Os esclarecimentos tiveram de ser feitos ao longo do dia, inclusive pelo ministro, que chegou a procurar, ontem, alguns veículos de comunicação para passar a mensagem de Temer e, com isso, minimizar as críticas.
— O ministro se expressou mal na conversa com os sindicalistas, no seminário do qual participou. Ele quis dizer que o governo quer regulamentar uma coisa que já existe — disse uma fonte.
No início da tarde de ontem, o Ministério do Trabalho divulgou nota na qual afirma que a proposta de reforma trabalhista não vai elevar a jornada semanal, de 44 horas, nem a carga diária, de 8 horas. “O que está em estudo é a possibilidade de permitir aos trabalhadores, através de seus representantes eleitos e em sede de convenção coletiva, ajustarem a forma de cumprimento de sua jornada laboral de 44 horas semanais da maneira que lhes seja mais vantajosa.”
O texto afirma que a intenção do governo é regular exceções. Cita como exemplo a escala de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, e o cumprimento da jornada semanal de 44 horas semanais em apenas 5 dias da semana. O ministério diz que vai continuar buscando “com afinco a modernização da legislação trabalhista” prestigiando a autonomia do trabalhador e a sua representatividade sindical.
Mas, reservadamente, líderes da base governista no Congresso admitem que a forma “atrapalhada” de divulgação das propostas pode gerar resistência de deputados e dificultar a aprovação de medidas importantes para o governo.
— Uma coisa vai gerando resistência na outra. Isso atrapalha votar a favor da PEC 241 (que estabelece teto para os gastos públicos), por exemplo — diz um líder governista, lembrando também que cresce a resistência à reforma da Previdência.
Em nota, o presidente da Força Sindical, o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), afirmou que “as propostas de reforma trabalhista e previdenciária são ideias delirantes”. O texto classifica as propostas divulgadas de “colcha de retalhos, que nada têm a contribuir com a sociedade e com a governabilidade.” E afirma que “o governo precisa ter mais prudência na divulgação de medidas, o que está sendo feito de forma atabalhoada e fatiada".
O texto defende um amplo debate com a sociedade, afirmando ser “estranho e temerário tentar fazer reformas às pressas”.
Já o secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sergio Nobre, minimizou a polêmica em torno das declarações de Nogueira. Segundo ele, já existem jornadas de 12 horas, definidas em negociações entre sindicatos e empresas.
— Não dá para entender porque isso tomou essa dimensão. Jornadas de 12 horas, que respeitam o limite de 44 horas por semana, já são praticadas — afirma Nobre.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, já se posicionou a favor de formas mais flexíveis de contratação, com ampliação da jornada.
Para sociólogos do trabalho, o momento é difícil para fazer as reformas trabalhista e da Previdência.
— A reforma da Previdência e a trabalhista tocam em temas sensíveis e trarão obviamente muita tensão e resistência. O contexto pode assumir contornos explosivos — avalia Marco Aurélio Santana, sociólogo do trabalho e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
DEBATE COM A SOCIEDADE
Santana acredita que essa resistência levará o governo a ampliar o leque de propostas para, no fim, conseguir aprovação apenas dos pontos menos polêmicos. Para o diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, a falta de uma proposta estruturada deixa a sociedade sem saber quais são as pretensões do governo:
— Vemos o ministro indicando soluções para velhos problemas trabalhistas que o movimento sindical já havia discutido com governos anteriores e que não foram adiante porque são questões complexas e sem consenso. Convencer leva tempo, e isso deve ser feito com base em uma proposta formal, para que a sociedade e o Congresso possam analisar e compreender.
O professor do departamento de Sociologia da USP Leonardo Mello e Silva também defende que as propostas de reforma sejam formalizadas e discutidas com a sociedade antes de serem enviadas ao Congresso.
— Os fóruns e espaços de negociação foram destruídos. Não há reforma sustentável sem a participação das centrais sindicais, que têm um papel político insubstituível. É indispensável a negociação — destaca o professor