segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

As novas doenças do trabalho: conheça lista

 

Ministério da Saúde incluiu 165 patologias na lista de enfermidades laborais. Entre elas, está o burnout e outras doenças mentais

Lara Machado*
postado em 28/01/2024 06:00 / atualizado em 28/01/2024 06:00
Janeiro branco, mês da conscientização da saúde mental e emocional, propõe o debate sobre as raízes do adoecimento dos trabalhadores brasileiros. Burnout é reconhecida como doença laboral -  (crédito: Caio Gomez)
Janeiro branco, mês da conscientização da saúde mental e emocional, propõe o debate sobre as raízes do adoecimento dos trabalhadores brasileiros. Burnout é reconhecida como doença laboral - (crédito: Caio Gomez)
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Durante o janeiro branco, mês de conscientização da saúde mental e emocional, profissionais da saúde têm alertado para o alto número de pacientes adoecidos em função de sua atividade profissional.

Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde (MS) incorporou mais 165 doenças causadas pelo trabalho junto a 182 patologias já existentes, somando, no total, 347 enfermidades. Na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) foram incluídas doenças relativas à saúde mental, como a síndrome de burnout, mas também a covid-19 e novos tipos de câncer.

Lucilene Aguiar acredita que a inclusão de doenças na lista é essencial para reconhecer a questão como problema no trabalho.
Lucilene Aguiar acredita que a inclusão de doenças na lista é essencial para reconhecer a questão como problema no trabalho.(foto: Divulgação/Ministério da Saúde)

Segundo Lucilene de Aguiar Dias, coordenadora geral de vigilância em saúde do trabalhador do Ministério da Saúde, a medida é importante pois conecta o ambiente de trabalho com a saúde do trabalhador. “A atualização da lista busca refletir as demandas contemporâneas do ambiente laboral, garantindo uma lista abrangente que aborda não apenas as doenças relacionadas ao trabalho, reconhecidas em 1999, mas também condições emergentes e prevalentes que impactam a saúde dos trabalhadores”, diz a coordenadora.

Ela explica que a incorporação seguiu critérios específicos que visam abranger os riscos das atividades, ambientes e processos de trabalho e que foi fruto de contribuições recebidas via consulta pública.

Urgência

Presidente da CUT reforça o alto risco de contaminação por doenças em ambiente de trabalho.
Presidente da CUT reforça o alto risco de contaminação por doenças em ambiente de trabalho.(foto: Acervo Pessoal)

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), » Lara Machado* As novas doenças do trabalho Janeiro branco Ministério da Saúde incluiu 165 patologias na lista de enfermidades laborais. Especialistas acreditam que atualização pode contribuir para melhoria das condições de vida de colaboradores Rodrigo Rodrigues, avalia que a medida do ministério significa um reconhecimento maior ao risco a que os profissionais estão expostos: “Temos uma série de enfermidades que são agravadas pelo trabalho e que necessitam, urgentemente, de atenção.”

A psicóloga do trabalho Marília da Silva acredita que existem fatores envolvendo as empresas que não asseguram a saúde mental dos trabalhadores.
A psicóloga do trabalho Marília da Silva acredita que existem fatores envolvendo as empresas que não asseguram a saúde mental dos trabalhadores.(foto: Divulgação)

A psicóloga do trabalho Marília da Silva explica que, mesmo quando não são causadas pela atividade profissional em si, essas patologias dizem respeito ao mundo do trabalho porque impedem o funcionário de desempenhar suas funções. “Enquanto a covid-19 possui o risco de propagação para outras pessoas, e, após a infecção, aparecem sintomas que se prolongam, afetando a realização de algumas atividades, o burnout está ligado à exaustão física e emocional causada diretamente pelo estresse crônico gerado pelo ambiente de trabalho, mas que resulta também na diminuição do desempenho profissional”, pontua.

Esgotamento

O adoecimento devido ao trabalho afetou Joana, que teve o nome trocado nesta reportagem para preservar sua identidade. Ela trabalha na área da saúde e conta que se viu esgotada devido a uma carga horária exaustiva, que a fez abdicar, por anos, da vida pessoal. Para ela, essa situação é comum na profissão, mas “muitos não se sentem à vontade para falar sobre o assunto no ambiente de trabalho.”

Joana acredita que diversas empresas oferecem condições insalubres de trabalho devido à contenção de gastos para maximização dos lucros. “Consequentemente, se faltam pessoas, os funcionários são sobrecarregados com uma alta demanda e muita pressão, o que os leva a adoecerem no trabalho. As jornadas são longas e excessivas, muitas vezes sem a remuneração adequada, compatível com o acúmulo de tarefas”, descreve.Grupos vulneráveis

Joana não é uma exceção. Dados de uma pesquisa realizada pelo Project Management Institute America Latina (PMI) revelam que 46% das mulheres sofrem com esgotamento emocional causado pelo emprego, enquanto a taxa entre os homens é de 37%. O estudo também revelou que 48% dos adoecidos são jovens com menos de 30 anos, enquanto entre aqueles que têm mais de 30, a taxa é de 40%.

Ricardo Triano, porta-voz do PMI, acredita que existem alguns fatores sociais que tornam esses dois grupos mais vulneráveis para doenças do trabalho. No caso das mulheres, a quantidade de horas reservadas ao serviço doméstico, somadas às atividades profissionais, são consideravelmente maiores do que entre os homens. “As expectativas tradicionais de gênero podem resultar em uma carga de trabalho adicional, especialmente para mulheres que desempenham papéis duplos como profissionais e cuidadoras, em casa”, explica o pesquisador.

pesquisador. Quanto aos profissionais com menos de 30 anos, Ricardo aponta o uso ostensivo da internet e da tecnologia como fator que contribui para o desenvolvimento de enfermidades. Além disso, ele cita questões geracionais, como “insegurança no emprego, a pressão para alcançar metas elevadas e a exposição constante às demandas sociais.”

Para o pesquisador, a adoção de medidas por parte das empresas deve passar pela conscientização das chefias. “Vivemos em uma sociedade em que ser workaholic é sinal de produtividade e um selo de ‘bom funcionário’, porém, estudos já confirmam que trabalhar exaustivamente e fazer horas extras constantes pode afetar negativamente o desempenho”, pontua.

Responsabilização

O advogado trabalhista Maurício Corrêa atenta para outras medidas a serem tomadas.
O advogado trabalhista Maurício Corrêa atenta para outras medidas a serem tomadas.(foto: Divulgação)

Com a reconfiguração proposta pelo Ministério da Saúde, o sindicalista Rodrigo reforça a necessidade da elaboração de normas que possam assegurar a saúde física e mental dos trabalhadores frente à empregadores, em especial no que se refere às doenças psicológicas.

Ele afirma que empregadores devem se tornar co-responsáveis pela saúde e bem-estar de seus funcionários. “Além disso, temos que debater questões macro, como a diminuição da jornada de trabalho”, propõe.

O advogado trabalhista Maurício Corrêa ressalta que, do ponto de vista jurídico, nesse novo cenário, o empregador terá que ficar mais atento à adoção de práticas para evitar o desenvolvimento de doenças pelos funcionários. Ele explica que as normas já existentes que impedem a demissão de colaboradores por problemas de saúde irão incorporar o aumento da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT).

No entanto, ele defende que a melhoria das condições de trabalho no Brasil segue sendo um desafio que precisa ser constantemente enfrentado. Segundo o advogado, é preciso mais do que o reconhecimento do que leva profissionais ao adoecimento, mas também “a adoção de práticas preventivas e que assegurem a ‘desconexão’ com o trabalho nos períodos de folga.”

Entre os transtornos mais recorrentes estão a depressão, a ansiedade e o transtorno de adaptação
Entre os transtornos mais recorrentes estão a depressão, a ansiedade e o transtorno de adaptação(foto: Caio Gomez)

Saiba quais os critérios utilizados para considerar uma patologia como doença do trabalho:

Relevância para Vigilância em Saúde do Trabalhador:

  • As doenças foram avaliadas quanto à sua relação direta com as atividades, ambientes e processos de trabalho, reconhecendo os riscos específicos associados a determinadas ocupações.

Evidências científicas:

  • A inclusão foi embasada em evidências científicas que indicam uma relação entre a exposição laboral e o desenvolvimento dessas doenças. Isso envolveu revisões de listas internacionais, estudos epidemiológicos e dados que sustentam a associação com o ambiente e processos de trabalho.

Mudanças no mundo do trabalho:

  • Considerou-se a evolução no cenário laboral, como alterações nos processos de trabalho, avanços tecnológicos e mudanças nas condições de emprego, reconhecendo novos riscos e desafios à saúde do trabalhador.

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi.

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Déficit previdenciário de servidores atinge R$ 6 tri e derruba investimento público

 


Os governos federal, estaduais e municipais têm dispensado valores crescentes de sua receita líquida para pagar servidores aposentados

 

FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

O déficit atuarial dos funcionários aposentados do setor público atingiu cerca de R$ 6 trilhões e é considerado hoje um dos principais motivos para a queda da taxa de investimentos no Brasil —cujo aumento seria fundamental para a economia crescer de forma sustentável.

Os governos federal, estaduais e municipais têm dispensado valores crescentes de sua receita líquida para pagar servidores aposentados, além daqueles na ativa, sobrando cada vez menos para custear a máquina administrativa e investir.

Segundo cálculos do especialista em contas públicas Raul Velloso, em pouco mais de 30 anos só a despesa previdenciária da União saltou de 19,2% do total do gasto para 51,8%. Na contramão, o que o governo federal tinha para usar livremente (gasto discricionário) desabou de 33,7% do total que gastava para 3,1%.

Quem mais sofreu foram os investimentos, que caíram de 16% para 2,2%. No período, houve aumento também em despesas com saúde, educação e assistência social —comprimindo mais os investimentos.

Além da relação direta entre o aumento da despesa com inativos e a diminuição do investimento, evidencia-se também, ao longo das últimas décadas, a queda do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Quando a área pública investe pouco (e opera com grandes déficits), o setor privado também se retrai, investindo menos.

Entre 1980 e 2022, a taxa de investimento público em infraestrutura despencou de 5,1% para 0,6% do pib

Como comparação, os quase R$ 6 trilhões de déficit atuarial na previdência pública equivalem a 93% do total da dívida líquida do setor público (R$ 6,4 trilhões) —principal fonte de preocupação macroeconômica do país.

Mas, diferentemente da dívida pública, que é “rolada” com a emissão de títulos do Tesouro, o déficit de estados e municípios tem de ser coberto com cortes “na carne”; em outras despesas (como investimentos), pois trata-se de aposentadorias que devem ser pagas a milhões de ex-servidores.

Em 2017, por exemplo, durante o governo de Luiz Fernando Pezão, no estado do Rio, centenas de ex-servidores realizaram protestos, entrando em confronto com a polícia, por atrasos no pagamento de mais de 300 mil aposentadorias. O risco, no futuro, é que vários estados e municípios passem pelo mesmo.

Desde 2006, o gasto previdenciário com os servidores apresentou taxa média de crescimento real (acima da inflação) de 12,5% ao ano nos municípios, 5,9% nos estados e 3,1% na União, segundo cálculos de Velloso.

CNa aprovação da reforma da Previdência, em 2019, após pressões políticas, estados e municípios ficaram de fora das novas regras que dificultaram as aposentadorias. Mas lhes foi facultado aprovar separadamente depois, em câmaras e assembleias locais, a adoção dos novos mecanismos.

Dados do governo federal mostram que, dos 2.146 municípios e estados que dispõem de regimes próprios de Previdência para seus servidores, somente 732, ou 34,1%, adotaram ao menos 80% das regras para os benefícios fixados na reforma da Previdência.

Entre os dois terços que não o fizeram, constam administrações como as do Distrito Federal, de Pernambuco, do Amazonas, do Maranhão, do Rio de Janeiro capital, de Belo Horizonte e de Florianópolis. Nas cidades do interior, de 2.093 com regimes próprios, só 701 realizaram reformas amplas.

Alguns entes também aumentaram as contribuições mensais que os inativos devem aportar no regime próprio, aliviando o déficit.

GVelloso afirma ser fundamental que as administrações reformem seus regimes. Mas que só isso não resolve, pois há milhares de servidores chegando à idade da aposentadoria, o que deve continuar pressionado o déficit.

O economista defende há anos a criação de fundos para capitalizar alguns ativos (como imóveis e royalties de petróleo e minério) para o pagamento das aposentadorias.

Com a ajuda de Velloso, seu estado natal, o Piauí, adequou o sistema previdenciário às regras da reforma de 2019 e criou um fundo de capitalização, equacionando, a longo prazo, o problema atuarial de seu regime próprio de previdência.

Segundo Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e ex-presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), a cidade de São Paulo também reformou o sistema e criou um fundo (com imóveis e ações de empresas) com o mesmo objetivo. Cidades como Goiânia e Campinas seguem o mesmo caminho.

GRolim afirma que, em alguns casos, o déficit poderia ser equacionado cobrando-se contribuições adicionais dos aposentados, mas que isso muitas vezes é difícil politicamente. “Há uma visão de curto prazo em muitas administrações, e os déficits não são resolvidos. Fala-se desse problema há muitos anos, mas ele só fica mais sério com o passar do tempo”, diz.

Algumas administrações têm hoje mais servidores aposentados do que na ativa, e o valor recolhido sobre seus salários é insuficiente para pagar os benefícios aos ativos. No Rio Grande do Sul, segundo Rolim, há 10 aposentados para cada 7 ativos —e a folha de pagamento de inativos é 50% maior do que a dos que ainda trabalham.

A curto prazo, muitos estados também vêm sofrendo com queda na arrecadação, principalmente os mais populosos, onde há diminuição da receita corrente líquida em relação aos 12 meses anteriores.

Para Claudio Hamilton dos Santos, coordenador de finanças públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), parte dos estados tem hoje dívidas com a União e, mesmo assim, reluta em fazer ajustes —embora alguns venham tentando melhorar as contas.

“Muitos já ‘quebraram’ outras vezes e sabem que, se forem mal, a União acaba ajudando no final.” Santos diz, no entanto, que faltam instrumentos mais efetivos para fiscalizar e sanear os estados.

“Em muitos casos, o ajuste que pode ser feito é diminuir o número de servidores ativos, não fazendo novas contratações. Mas isso não resolve o problema a curto prazo, nem a questão dos inativos”, diz.

Segundo ele, entre os estados, é preciso fazer distinções. Ex-territórios como Amapá e Roraima e estados “jovens” como Tocantins têm poucos inativos e fizeram ou estão fazendo reformas e poupança para pagar aposentados.

Outros seriam os “maduros” (desde sempre com muitos inativos) que fizeram o dever de casa nos últimos 20 anos com políticas salariais sensatas e/ou poupança. Casos de São Paulo e Espírito Santo. Há outros “maduros” que não fizeram ajustes, como Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Por fim, haveria os estados “maduríssimos”, que já tiveram que “cortar na carne horrivelmente na década de 2010”, como o Rio Grande do Sul. Mas, como o estado contratou poucos funcionários desde 2010, terá relativamente poucas novas aposentadorias no futuro.

 


Matéria publicada em 28 de janeiro de 2024 23:41