quarta-feira, 28 de março de 2018

Celular: a arma que mudou o PCC

Celular: a arma que mudou o PCC

  • Um sequestrador canadense preso no Carandiru montou um sistema de comunicação clandestino que revolucionou o Primeiro Comando da Capital
Condenado pelo sequestro do empresário Abilio Diniz, o canadense David Spencer, ex-membro do Movimento da Esquerda Revolucionária do Chile (MIR), cumpria pena no Carandiru em 1998. E foi ali que ele ajudou a transformar o modus operandi do PCC. Amigo próximo dos chefões, Spencer montou um sistema de comunicação por telefone celular para que os membros da facção pudessem conversar entre si. No esquema, listou os equipamentos necessários para criar um PABX do crime.
Estruturadas nas casas de esposas e parentes dos presos, as centrais clandestinas revolucionaram o dia a dia e os negócios do PCC. Com elas, os bandidos de uma prisão em São Paulo conseguiam se comunicar com outros no Rio de Janeiro, no Mato Grosso ou em qualquer outro lugar. Com a popularização dos celulares e as conexões ilegais, os detentos ficavam horas nessas salas improvisadas de bate-papo. Nas conversas, discutiam ações conjuntas, debatiam os rumos da organização e aproveitavam para conferir a féria da venda de drogas em suas respectivas áreas de domínio.
Clonados, pré-pagos ou comprados com documentos falsos, os telefones entravam nas cadeias de diversas maneiras. Além dos funcionários corruptos, muitas mulheres escondiam aparelhos nas partes íntimas – às vezes, mais de um. Em 1999, cada telefone rendia R$ 200 à entregadora. Com as centrais consolidadas, o PCC instalou centenas de bases fixas. Em cinco anos, a polícia estourou mais de 300 delas – numa, a conta telefônica de um mês chegava a R$ 70 mil.

Monopólio do pânico

Em 5 de julho de 1999, 17 homens invadiram a agência central do Banespa, em São Paulo. Liderados por Edson Massari, o “Tao”, e Flásio Trindade, contaram com a colaboração de um funcionário para roubar R$ 37,5 milhões. Meses depois, com o bolso cheio, Tao e Flásio mandaram R$ 100 mil de presente a Sombra, que usou o dinheiro para subornar carcereiros e permitir a entrada de três armas no Piranhão, onde cumpria pena.
Disposto a levar a cabo o artigo 14 do estatuto do PCC – que prometia a destruição do Piranhão –, o “presidente” comandou uma rebelião que quase acabou com a penitenciária e resultou na morte de nove rivais – executados a golpes de facão e estilete. Entre eles estavam Bicho Feio e Dafé, fundadores da facção descontentes com as extorsões impostas pela cúpula. Foi por isso que eles haviam criado o CRBC, que fazia oposição aberta ao PCC. No meio do tumulto, a juíza-corregedora Sueli Zeraik Armani foi chamada para negociar o fim do motim. Ao se aproximar, foi recebida com a cabeça de Bicho Feio arremessada como bola de futebol aos seus pés.
A insurreição acabou depois que o poder público garantiu a transferência de líderes do PCC a outros presídios. Agora no Carandiru, Sombra passaria dois meses como rei, aterrorizando desafetos e deixando claro quem mandava ali. Portando armas, ele e seus homens consumiam drogas livremente. A prostituição rolava solta, inclusive com garotas de programa menores de idade. Houve até uma festança para celebrar o aniversário de Sombra, com direito a banda de pagode, churrasco e bolo com as inscrições “PCC”.
Mas a farra durou pouco. O Piranhão foi reconstruído e Sombra voltou para o castigo. Cesinha e Geleião permaneciam no Paraná, enquanto Marcola transitava por presídios de outros estados. O jeito era atuar à distância, aproveitando a estrutura das centrais telefônicas para bolar uma vingança – aos olhos do PCC, o retorno de Sombra ao Piranhão era uma quebra na promessa feita pelo poder público.
Foi assim que, em fevereiro de 2001, São Paulo viveu sua primeira megarrebelião. Nada menos que 29 unidades prisionais entraram em ebulição. Em 24 horas, 14 detentos foram mortos e 19 agentes penitenciários ficaram feridos. O PCC virou notícia no mundo inteiro, ganhando o respeito e a simpatia de milhares de bandidos país afora. Era tanta gente querendo fazer parte da facção que foi preciso promover batizados coletivos e por telefone.
Cinco meses depois, Sombra morreria assassinado no pátio do Piranhão. Seu algoz foi outro preso, que justificou a execução de maneira prosaica: “não gostava do jeito dele”. A notícia abalou o sistema prisional. Marcola enviou coroas de flores devidamente assinadas pelo PCC. Cesinha e Geleião decretaram luto e bandeiras pretas penderam das janelas de diversos presídios. Tempos depois, no entanto, as suspeitas da morte recairiam – ainda que jamais tivessem sido confirmadas – sobre Cesinha e Geleião, àquela altura incomodados com o crescente poder de Sombra. No final de 2001, a dupla assumiu o comando e deu início a uma nova e sangrenta fase na história do Partido do Crime.
Juntos, Cesinha e Geleião passaram a ditar as ordens de cima para baixo, ao mesmo tempo em que forravam os próprios bolsos com os lucros do PCC. Inebriados com o poder, mandaram executar também Mizael, outro parceiro de longa data. Era mais um fundador do PCC que tombava por causa das desavenças internas.
Em rebeliões no Paraná, Cesinha e Geleião pressionaram o governo para serem transferidos de volta a São Paulo, onde estariam mais próximos das respectivas famílias e dos negócios. Tornaram-se nômades do sistema prisional e foram parar em um tradicional reduto do Comando Vermelho – o complexo de Bangu 1, no Rio de Janeiro. Em parceria com a facção comandada por Fernandinho Beira Mar, o PCC chegou a planejar um megaevento nacional, com ataques a prédios públicos e políticos – “do PFL e do PSDB”. O plano nunca saiu do papel, mas serviu de inspiração para o PCC adotar um novo procedimento: oferecer prêmios em dinheiro pela cabeça de determinados policiais.
Com seus dois generais, a facção tentou entrar na política. O plano mirava as eleições de 2002 e pretendia conquistar o voto de pelo menos um familiar de cada preso de São Paulo para eleger a deputado federal o advogado Anselmo Neves. Mas a polícia desbaratou o projeto e prendeu Neves, acusado de levar celulares aos presos – que ironia – e de repassar ordens para fora da cadeia..

terça-feira, 27 de março de 2018

De cada 10 pessoas, 7 têm auxílio-doença cortado após revisão do INSS

De cada 10 pessoas, 7 têm auxílio-doença cortado após revisão do INSS

Do UOL, em São Paulo 26/03/2018 - 17h11

Em 20 dias, o pente-fino do INSS cancelou 7 de cada dez benefícios de auxílio-doença que passaram por revisão. Os cortes também atingiram pessoas que recebem aposentadoria por invalidez, mas numa proporção menor.

Os números são de perícias feitas entre 1º e 21 de março e foram divulgados nesta segunda-feira (26) pela Previdência Social. Veja o detalhamento abaixo.

Auxílio-doença + aposentadoria por invalidez

Total de perícias feitas: 103,2 mil Total de benefícios cortados: 44,4 mil (43% do total)

Auxílio-doença

Perícias feitas: 33,5 milBenefícios cortados: 24,9 mil (74%)

Aposentadoria por invalidez

Perícias feitas: 69,7 milBenefícios cortados: 19,5 mil (28%)

Esta é a segunda etapa do pente-fino de benefícios realizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desde 2016. A meta da nova etapa é revisar 1,2 milhão de benefícios neste ano, sendo 273.803 de auxílio-doença e 995.107 de aposentadorias por invalidez.

A expectativa do governo é economizar R$ 9,9 bilhões este ano, totalizando cerca de R$ 15,7 bilhões ao longo do programa de revisão de benefícios.

Leia também:

Aposentado e pensionista: veja datas de seu pagamentoHá risco de cancelarem seu benefício; saiba evitarDona de casa que nunca pagou INSS pode se aposentar?

Quem está sendo chamado para revisão?

segurados que recebem auxílio-doença há mais de dois anos;aposentados por invalidez com menos de 60 anos e que recebem o benefício há mais de dois anos; a exceção são aqueles com 55 anos ou mais e que recebem o benefício há mais de 15 anos.

Os trabalhadores estão sendo chamados aos poucos, por meio de carta. A dica é manter o endereço atualizado para não perder a convocação. Clique aqui e veja como.

Convocação

Na semana passada, o INSS convocou para perícia médica 94 mil pessoas que recebem auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Os nomes foram publicados no Diário Oficial da União da última sexta-feira (23).

O prazo para agendar a perícia termina em 13 de abril. Quem não fizer isso terá o pagamento suspenso. A partir da suspensão, o beneficiário tem até 60 dias para marcar o exame. Se não procurar o INSS neste prazo, o benefício será cancelado. Quem marcar a perícia e não comparecer também perde o benefício.

Como saber se fui convocado?

A lista dos beneficiários convocados pode ser consultada aqui.

Também é possível fazer a consulta pelo telefone 135. Ao ligar, tenha em mãos o número do CPF (ou do PIS/Pasep) do segurado, o número do benefício, documentos pessoais (como RG), além de papel e caneta para fazer anotações.

Como agendar a perícia?

O agendamento da perícia é obrigatório para todos os convocados e deve ser feito pelo telefone 135.

Ao ligar, tenha em mãos o número do CPF (ou do PIS/Pasep) do segurado, o número do benefício, documentos pessoais (como RG), além de papel e caneta para fazer anotações.

O que levar no dia da perícia?

No dia da perícia, deverá ser apresentada toda a documentação médica que justifique o recebimento do benefício, como atestados, laudos, receitas e exames.

Não tem como ir?

Se a pessoa estiver internada ou doente e não puder comparecer à perícia deverá pedir a alguém de sua confiança que informe ao INSS, em uma de suas agências, sobre o impedimento.

Esse representante deve levar o documento de identidade do segurado e um documento que comprove que não tem como comparecer --um atestado médico, por exemplo. Com isso, ele poderá solicitar ao beneficiário uma perícia hospitalar ou domiciliar.

segunda-feira, 26 de março de 2018

Juízes pedem R$ 7 mil mensal para pagarem estudo dos filhos


258
469
Luiz Flávio Gomes, Professor de Direito do Ensino Superior
Pub
12,2K visualizações
A presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro enviou para a Assembleia Legislativa um projeto para conceder auxílio-educação para os filhos de juízes e servidores do Tribunal. Para os magistrados, o auxílio mensal seria de até R$7.250,00 e para os servidores de até R$3.000,00. Segundo Adriana Cruz (O Dia), a proposta ainda prevê R$ 20 mil por ano aos juízes para investirem em estudo. Os servidores receberiam mais R$ 500. O auxílio-educação postulado pode chegar a R$9 mil, se passarem os novos vencimentos dos ministros do Supremo (para R$ 35 mil). A Associação dos Juízes ainda quer mais R$ 1.100 como auxílio-transporte.
Antes das eleições todas essas propostas (nitidamente indecorosas) não serão votadas (porque os deputados estaduais estão em campanha). “A Justiça parece que não entendeu o recado das ruas, no ano passado, com as manifestações que caracterizaram falta de representatividade. Nenhum professor do estado ganha o que os magistrados querem de auxílio-educação”, criticou o deputado estadual Marcelo Freixo, do Psol. No ano passado os deputados já aprovaram o auxílio-moradia para magistrados e membros do Ministério Público sem questionamentos. Atualmente, os valores giram em torno de R$ 5 mil, segundo desembargadores ouvidos pelo jornal O Dia.
É uma incongruência manifesta os tribunais afirmarem que não há verbas para contratar novos juízes ou para melhorar o serviço público da Justiça (reconhecidamente moroso) e, ao mesmo tempo, pedirem mais benefícios mensais que driblam o teto salarial dos desembargadores. A proposta auxílio-educação é indecorosa em todos os seus aspectos, mas existe no seu seio outra aberração inominável, que faria corar qualquer aristocrata racista: o valor distinto para magistrados e servidores significa o quê? Que o filho do magistrado tem que estudar em um lugar melhor do que o do servidor, fazendo preponderar a histórica desigualdade de classes? No tempo do Brasil colonial e imperial o sonho de todo fidalgo era colocar o filho na “folha do Estado”. Esse sonho cultural não acabou; a diferença é que agora já se pretende que o filho vá para a “folha do Estado” desde o jardim da infância.
Depois de alguns anos de vida e de muitos estudos, nada mais natural que os humanos conquistarem incontáveis e díspares ideias e visões do mundo (Weltanschauung). Para transformá-las em algo valioso e útil na vida terrena, antes de tudo devemos combiná-las e submetê-las à moral e às virtudes. A primeira categoria a se dissipar, diante desse acurado exame, é a da vulgaridade (todo esforço do mundo para contê-la será pouco diante dos nefastos efeitos que ela produz ao longo das nossas transitórias existências). Sobretudo quando governamos interesses coletivos, não há como deixar de cultivar a moral e as virtudes, não somente porque dos dirigentes sempre se espera exemplaridade, senão também porque são elas que conferem ao espírito o senso do justo em sua mais profunda extensão e ao caráter a devida elevação assim como a necessária firmeza.
Todos os humanos que assumem o destino das coisas públicas, incluindo os juízes, evidentemente (sobremaneira quando assumem cargos administrativos de governança), deveriam ser obrigados a se submeterem a um curso intensivo, se não de geometria (como postulava o espírito exigente de Platão), ao menos de moderação, tal como pugnava Aristóteles, para afiar a personalidade do administrador e distanciá-lo dos vícios mais deploráveis que podem rondar o exercício do poder, nutrindo sua alma e seu espírito de um conteúdo substancialmente sólido (apesar da sociedade líquida que vivemos, como diz Bauman), de forma a evitar-lhe ao menos os deslizes mais canhestros ou as tentações mais extravagantes, tal como sugeria Stuart Mill).
Por força do princípio da moderação de Aristóteles, para cada virtude existem ao menos dois vícios. Se queremos promover o bem, se queremos ser exemplares para nossos filhos e concidadãos (“Age de tal forma que a máxima do teu querer possa valer em todo o tempo também como princípio de uma legislação geral” – Kant), o primeiro que temos que fazer consiste sempre em evitar o cálice dos excessos, dos vícios e das extravagâncias. A lição aristotélica nos ensina que a coragem desdenha a covardia e a temeridade; a justiça se afasta tanto da fraqueza como do rigor; a temperança é inimiga da devassidão bem como da austeridade; a religião ergue-se entre a impiedade e a superstição; a liberdade se ancora entre a escravidão e a licença e assim vai.
Cai em desgraça infernal (tal como a narrada por Dante) quem, fazendo uso da liberdade, sucumbe à vulgaridade e se concede a soberba licença para promover o escatológico, o estrambólico, o desregrado, o nauseabundo, o asqueroso, o repelente, o repugnante, o bestial, o inconveniente, o abjeto, o sórdido, o torpe, o nefando, o execrável, o obnóxio, o vil, o desprezível, o ignóbil ou o esquálido. Não faltam no mundo, no entanto, pretextos e motivos para se negar a aplicação das doutrinas mais nobres e elevadas, de quantas o humano civilizado já produziu. Mas todas as propostas frívolas e levianas devem ser refutadas de plano, ou seja, devem ser abandonadas à sua própria nulidade, mesmo correndo o risco de o desprezo ser interpretado como uma hostilidade pessoal. Toda proposta que viola a regra da moderação (de Aristóteles) em nada edifica quem aspira deixar um nome respeitado e glorioso. Tendo em vista o que já ganham os juízes, a razoabilidade assim como a imperiosidade da moderação aristotélica, somos pelo NÃO ao citado auxílio-educação