terça-feira, 27 de setembro de 2016

Decreto regulamenta uso de algemas

Decreto regulamenta uso de algemas

27/09/2016 10h27
Pedro Peduzzi – Repórter da Agência Brasil
Decreto da Presidência da República publicado no Diário Oficial da Uniãode hoje (27) regulamenta o uso de algemas. Segundo as novas regras, o uso é permitido apenas em casos de resistência e de “fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física” tanto do algemado como daqueles que o cercam. Nesse caso, é necessário que a excepcionalidade seja justificada por escrito.
Ainda de acordo com o decreto, é vedado o emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto ou durante o deslocamento entre as unidades prisional e hospitalar. Também é vedado o uso das algemas durante o período em que a presa se encontra no hospital.
O decreto lembra que o uso de algemas deve observar diretrizes previstas na Constituição relativas à proteção e à dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante.
Informa também que o procedimento deve observar as chamadas Regras de Bangkok – diretrizes previstas pelas Nações Unidas, relativas ao tratamento a ser dado a mulheres presas e a medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras – e o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário de presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade
DECRETO Nº 8.858, DE 26 DE SETEMBRO DE 2016

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput , inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 199 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal,

DECRETA:

Art. 1º O emprego de algemas observará o disposto neste Decreto e terá como diretrizes:

I - o inciso III do caput do art. 1º e o inciso III do caput do art. 5º da Constituição, que dispõem sobre a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana e sobre a proibição de submissão ao tratamento desumano e degradante;

II - a Resolução n 2010/16, de 22 de julho de 2010, das Nações Unidas sobre o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok); e

III - o Pacto de San José da Costa Rica, que determina o tratamento humanitário dos presos e, em especial, das mulheres em condição de vulnerabilidade.

Art. 2º É permitido o emprego de algemas apenas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros, justificada a sua excepcionalidade por escrito.

Art. 3º É vedado emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário nacional durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que se encontrar hospitalizada.

Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 26 de setembro de 2016; 195º da Independência e 128º da República.

MICHEL TEMER

Alexandre de Moraes

MP vai recorrer de anulação dos julgamentos do Massacre do Carandiru


MP vai recorrer de anulação dos julgamentos do Massacre do Carandiru

O Ministério Público disse hoje (27) que vai recorrer da decisão do Tribunal de Justiça que anulou os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru. Hoje, os três desembargadores da 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri responsáveis pelo recurso da defesa dos réus anularam os julgamentos anteriores entendendo que não há elementos para mostrar quais foram os crimes cometidos por cada um dos agentes e pediram novos julgamentos.
O presidente da 4ª Câmara, desembargador Ivan Sartori, chegou a pedir a absolvição dos réus em vez de um novo julgamento, porém, a posição não foi aceita pelos demais quatro membros do colegiado presentes na sessão. “Vamos recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e talvez também ao Supremo [Tribunal Federal] e vamos tentar reverter o resultado desse julgamento”, disse a procuradora de Justiça criminal, Sandra Jardim.
A procuradora disse ter visto a decisão do TJ com “certa preocupação”, principalmente pelo pedido de Sartori. “Haviam três réus no processo que o Ministério Público havia pedido a absolvição. O relator do processo [Sartori] entendeu que, como o próprio Ministério Público pediu a absolvição desses três réus e como ele não viu uma situação diferente entre estes réus e o restante – os 74 policiais que foram condenados [os 73 policiais mais o coronel Ubiratan Guimarães, que foi julgado à parte] – ele estendeu aquela decisão de absolver para todo mundo. E não havia recurso, nem na defesa e nem da acusação, que permitisse a ele estender essa decisão”, disse a procuradora.
São Paulo - A 4 Câmara Criminal do Tribunal do Júri de São Paulo decide anular os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru (Rovena Rosa/Agência Brasil)
A 4ª Câmara Criminal do Tribunal do Júri de São Paulo decide anular os quatro julgamentos que condenaram 73 policiais militares pelo Massacre do Carandiru Rovena Rosa/Agência Brasil
Desesperançosa
Segundo Sartori, o recurso da defesa, julgado hoje pelo Tribunal de Justiça, pedia que os julgamentos fossem feitos novamente questionando que as condenações contrariaram as evidências de que os policiais haviam agido em legítima defesa e no estrito cumprimento do dever legal.
“Ele, relator, propôs algo além do que a própria defesa pedia”, disse Sandra. “Vejo isso de forma desesperançosa. Essa decisão, por se tratar de uma decisão inusitada, questiona todos nossos conceitos jurídicos e questiona a própria soberania do Tribunal de Júri. É uma decisão que causa um precedente muito importante. No momento em que a gente vê que, passado tanto tempo, ainda temos tantos casos de violência policial, essa decisão, de algum modo, contribui para a impunidade destes casos”.
Condepe
Por meio de nota, o advogado e conselheiro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ariel de Castro Alves, disse ter considerado a decisão do Tribunal de Justiça “constrangedora e vergonhosa ao país”.
“Constitui-se numa verdadeira afronta à luta pela efetivação dos Direitos Humanos no Brasil. A decisão abre ainda mais precedentes para a ampliação dos já altos índices de violência e letalidade nas ações policiais em São Paulo e no Brasil, sob o falso argumento de ‘legitima defesa’. O Tribunal de Justiça de São Paulo está chancelando o recrudescimento da violência policial e a impunidade decorrente desses crimes”, disse.
O julgamento
O Massacre do Carandiru ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 detentos foram mortos durante uma operação policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do Carandiru, na zona norte da capital paulista. Por ser um processo que envolvia uma grande quantidade de vítimas e uma grande quantidade de réus, o julgamento foi desmembrado em quatro partes.
Na primeira etapa do julgamento, ocorrida em abril de 2013, 23 policiais foram condenados a 156 anos de reclusão cada um pela morte de 13 detentos. Na segunda etapa, ocorrida em agosto desse mesmo ano, 25 policiais foram condenados a 624 anos de reclusão cada um pela morte de 52 detentos que ocupavam o terceiro pavimento do Pavilhão 9.
No dia 19 de março de 2014, os sete jurados que compõem o Conselho de Sentença decidiram condenar dez policiais militares pela morte de oito detentos do quinto pavimento: nove destes policiais foram condenados a 96 anos de prisão cada um, enquanto o outro foi condenado a 104 anos, por já ter uma condenação anterior. Na quarta etapa, em abril de 2014, 15 policiais militares foram condenados pela morte de quatro detentos no quarto pavimento (terceiro andar) do Pavilhão 9.
Antes desses julgamentos, o coronel Ubiratan Guimarães, que comandou a operação no Carandiru, foi condenado a 632 anos de prisão pela morte de 102 dos 111 prisioneiros do complexo penitenciário. A defesa do coronel recorreu da sentença e ela foi revertida, sendo anulada pelo Tribunal de Justiça em 2006.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

MP apura irregularidades em mudança de unidade da Fundação Casa

MP apura irregularidades em mudança de unidade da Fundação Casa

A Promotoria de Justiça instaurou, na quarta-feira, um inquérito civil para apurar eventuais irregularidades na mudança da unidade de semiliberdade da Fundação Casa (antiga Febem). A unidade está prestes a transferir sua sede, atualmente localizada na Rua Santa Cruz, região da zona Oeste da cidade, para a Rua Paulo César Campos Lovo, no bairro Saúde, situação que vem contrariando os futuros vizinhos.
Imóvel, localizado na Paulo César Campos Lovo, no bairro Saúde, pode ser o novo endereço dos menores da Fundação Casa (Foto: Diego Ortiz)
Imóvel, localizado na Paulo César Campos Lovo, no bairro Saúde, pode ser o novo endereço dos menores (Foto: Diego Ortiz)
Com objetivo de barrar a mudança, uma representação e um abaixo-assinado, que colheu cerca de 600 assinaturas de moradores do Saúde, já foram protocolados no Ministério Público (MP) local e na Prefeitura. De acordo com a reportagem publicada por O POPULAR, na edição do dia 17, a transferência do imóvel está prevista para ocorrer até outubro. Localizado próximo à Praça José Schincariol, a Praça do Fórum, o prédio já foi utilizado como gabinete do prefeito Gustavo Stupp e estava desabitado. A unidade funciona desde 2008 na Santa Cruz, onde também era motivo de reclamações.
Segundo o promotor de Justiça Gabriel Guerreiro, conforme aponta a representação, o alvará expedido pelo Poder Executivo, que autoriza o funcionamento da unidade de acolhimento no novo endereço, deixou de atender às exigências dispostas na Lei Complementar Municipal 210/07, ferindo o Plano de Zoneamento e o Plano Diretor de Mogi Mirim. O documento também reforça que a transferência da sede colocará em risco a segurança dos moradores daquela área e das proximidades.
A unidade da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), instituição vinculada à Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, atende hoje 22 internos. São adolescentes, entre 14 e 16 anos, que cometeram atos infracionais leves, como furtos, tráficos e roubos.
Argumentos
Na representação, os moradores informam ao MP que a Prefeitura já expediu o alvará, com mudança prevista para o dia 30 de setembro, próxima sexta-feira. Contudo, a transferência não poderia ser concretizada porque a certidão de uso e ocupação do solo já está com validade encerrada, desde julho deste ano, não podendo servir de amparo à nova locação.
Além disso, eles argumentam que a Prefeitura não realizou o prévio estudo de impacto de vizinhança, nem tampouco audiência pública com a população envolvida. Além disso, na certidão consta que o imóvel situa-se em zona predominantemente residencial e, por esse motivo, não se poderia aceitar a instalação da unidade da Fundação Casa em razão do fluxo de pessoas, na maioria menores infratores, que colocaria em risco a segurança e a tranquilidade do bairro.
Ao expedir tal certidão, a Administração Municipal “não avaliou o risco de instalação da instituição tendo em suas proximidades moradores da terceira idade, na sua grande maioria. Trata-se de um bairro pequeno, onde residem apenas famílias instaladas há muitos anos, proprietárias de seus imóveis, convivendo em perfeita harmonia”, justificam os moradores, em trecho da representação.
O temor da população local também está atrelado à preocupação de a Praça do Fórum, frequentada para lazer e prática de esportes por adultos e crianças, se tornar reduto dos menores infratores para uso de entorpecentes. Os moradores ainda questionam o valor firmado para a presente locação do imóvel, de R$ 4,2 mil.
De acordo com os requerentes, o aluguel do prédio em questão, diante de pesquisa feita junto a uma imobiliária da cidade, estava disponível por R$ 3 mil. Com as negociações, o preço poderia cair até para R$ 1,9 mil. “Assim, o valor a ser pago na locação é muito superior à pretensão dos locadores como também de outros imóveis disponíveis na cidade, deixando dúvidas quanto a sua legalidade”, destaca o documento.
Pedidos
Os moradores pedem que a Promotoria de Justiça investigue a legalidade da locação, bem como, da mudança de sede da unidade, a cassação da licença, caso seja eventualmente concedida pela Prefeitura e, por fim, a proibição e a interdição das atividades da Fundação Casa no bairro Saúde.
Mudança
Em nota, enviada na semana passada, a Fundação Casa informou que a mudança de local da unidade de semiliberdade foi motivada pelo término do contrato do atual imóvel. A informação foi desmentida pela proprietária onde a casa funciona, Dirce Simoso Malvezzi, a Tia Dirce, e pela própria diretora da Fundação Casa, Érika Cristiane Diniz de Oliveira.
Diretora critica preconceito e defende o direito dos menores (Foto: Diego Ortiz)
Diretora critica preconceito e defende o direito dos menores (Foto: Diego Ortiz)
Tia Dirce e Érika informaram que o contrato terminaria em abril de 2017, mas a Fundação decidiu buscar um novo local. Tia Dirce disse ter sido informada que até o dia 30, a Fundação irá deixar a casa e ainda não tinha informações sobre a rescisão do atual contrato. Já Erika coloca que a mudança será até outubro.
A diretora explicou que a casa sairá da Santa Cruz de qualquer forma, mas admitiu que possa até ir para outro local caso haja algum entrave na transferência planejada. Em entrevista à reportagem, Erika criticou o preconceito e lembrou que os adolescentes têm o direito de circular na sociedade. A diretora será notificada a respeito do inquérito e deverá prestar informações ao MP, no prazo de três dias, a respeito da mudança

Ministro da Justiça coloca a Lava Jato no palanque eleitoral

Ministro da Justiça coloca a Lava Jato no palanque eleitoral

Alexandre de Moraes antecipa operação durante ato de campanha para o PSDB e desperta a ira de Temer
por Redação — publicado 26/09/2016 14h18, última modificação26/09/2016 15h32
José Cruz/ Agência Brasil
Alexandre de Moraes
Operação Lava Jato chegou aos palanques na última semana das eleições municipais. Na noite de domingo 25, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, usou informações sigilosas a respeito do andamento das investigações para fazer campanha para seu partido, o PSDB, no interior de São Paulo.
“Teve a semana passada e esta semana vai ter mais, podem ficar tranquilos. Quando vocês virem esta semana, vão se lembrar de mim”, afirmou o ministro em conversa com integrantes do "Movimento Brasil Limpo", um dos que liderou as manifestações a favor do impeachment de Dilma Rousseff em 2015 e 2016. 
Não demorou para a "profecia" de Moraes virar verdade. Nesta segunda-feira 26, a força-tarefa da Lava Jato realizou a 35ª fase da operação, que teve como alvo o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci, acusado de receber propina da Odebrecht em troca de favores à empreiteira. 
Chama a atenção o fato de Moraes ter dito a frase em Ribeirão Preto, município paulista que é a base eleitoral de Palocci, ex-prefeito e ex-deputado federal. O ministro da Justiça estava na cidade para fazer campanha para o atual deputado federal Duarte Nogueira (PSDB), segundo colocados nas pesquisas.
A conversa foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo e seu conteúdo foi confirmado pelo Ministério da Justiça. A assessoria do ministro atribuiu a frase a uma "força de expressão" usada por Moraes. Em nota, a pasta elaborou a explicação: Moraes estava dizendo apenas que há ações da Lava Jato "em quase todas as semanas" e que "certamente continuariam nesta semana, na próxima e enquanto houver necessidade", diz o texto.
A explicação, entretanto, não convenceu. Parece evidente que Moraes rompeu o sigilo das investigações para fazer campanha política, causando constrangimento ao Palácio do Planalto e à Polícia Federal, por sugerir que o Executivo tem poder de influência sobre o andamento das ações da PF.
Nesta segunda, na abertura da entrevista coletiva sobre a operação, o delegado da Polícia Federal Igor Romário de Paula leu nota oficial na qual nega que a instituição tenha passado informações a Alexandre de Moraes. Ele informou, entretanto, que o ministro da Justiça é alertado sobre a possibilidade de ser acionado em caso de operações significativas.
"Como foi amplamente demonstrado em operações anteriores, o Ministério da Justiça não é avisado com antecedência sobre operações especiais", afirmou de Paula. "No entanto, é sugerido ao seu titular que não se ausente de Brasília nos casos que possam demandar sua atuação", disse.
De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, o Planalto avalia que Moraes usou uma informação privilegiada durante evento público ou, ainda que não soubesse da operação, usou a Lava Jato politicamente na campanha eleitoral. Michel Temer estaria, segundo o jornal, irritado com Moraes e aguardando explicações do ministro. Temer teme as críticas de que seu governo usa politicamente a Lava Jato.
Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, afirmou que Moraes "é um incapaz ou é irresponsável”. "Incapaz porque estaria a brincar com coisa séria. Um ministro não pode se manifestar de empolgação em campanha, entregando ao público assuntos sigilosos de sua pasta”, afirmou Aragão aoEstadão. “Ou irresponsável, porque, no momento em que vivemos, autoridades públicas não devem provocar clamores. Devem, isto sim, acalmar a população”, afirmou.
Para Aragão, a declaração de Moraes “dá margem à suspeita de que ele, governo, e a Lava Jato, estão agindo de comum acordo com finalidade política”. “Fico só imaginando se, quando ministro, eu desse uma declaração desse teor, o que aconteceria. O mundo vinha abaixo”, disse. 
No Senado, as declarações de Moraes provocaram indignação e acusações de "uso político" da Polícia FederalVanessa Grazziotin (PCdoB) quer que o ministro da Justiça esclareça à Comissão de Constituição e Justiça para explicar a declaração que antecipou ação contra Palocci.

Fundação Casa sob suspeita

Fundação Casa sob suspeita

Diante de indícios de má gestão, Ministério Público abre inquérito para investigar contas de instituição responsável por menores infratores no estado de São Paulo
por Renan Truffi — publicado 26/09/2014 03h40
Fabio Braga/Folhapress
Fundação Casa
O problema não é o alto valor para a recuperação desses jovens, mas o resultado tão parecido com o sistema prisional comum, dizem promotores
Com orçamento de aproximadamente 1,2 bilhão de reais, a Fundação Casa gasta atualmente cinco vezes mais com cada menor infrator do que o Brasil desembolsa com detentos federais. Na comparação com o custo dos presos do estado de São Paulo, a diferença é maior ainda. Os adolescentes envolvidos em atos infracionais representam um gasto quase oito vezes maior do que o presidiário comum. Quem olha esse montante tem a impressão de que São Paulo tem um sistema de recuperação de adolescentes de primeiro mundo. Mas é exatamente a discrepância entre o valor saído dos cofres estaduais e a situação precária nas unidades correcionais que chama a atenção do Ministério Público.
De acordo com os dados colhidos pelo MP, a instituição responsável pela ressocialização de menores consome todo mês aproximadamente 10 mil reais por menor infrator. Como a população de adolescentes envolvidos em atos infracionais é, em média, de 10 mil menores, isso representa um investimento muito superior ao realizado na recuperação de presos comuns. O governo federal gasta hoje em torno de 2 mil reais, a cada mês por detento. O próprio estado de São Paulo despende menos: 1,3 mil  reais per capita. Apesar dos gastos elevados, a Fundação Casa tem um alfabeto inteiro de problemas. O Ministério Público listou de A a Z os principais problemas nas unidades do sistema: índice de reincidência de 54%, frequentes rebeliões e tumultos que resultam em morte, insalubridade nas condições de moradia, reclamações de maus-tratos e até déficit de profissionais em relação ao número de adolescentes no sistema, entre outros apontamentos.
Diante do cenário, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da capital resolveu instaurar um inquérito civil parar investigar as contas, as licitações e os contratos da instituição.CartaCapital teve acesso ao documento com exclusividade. Segundo os promotores, o problema não é o alto valor disponibilizado para a recuperação desses jovens, mas o resultado tão parecido com o sistema prisional comum. “Não estamos questionando a necessidade de se ter um investimento elevado. Ao contrário, é importante. O que a gente observa é o investimento muito elevado para uma contrapartida tão insatisfatória”, explica o promotor Tiago de Toledo Rodrigues. “Precisamos apurar se esse serviço, claramente deficitário e deficiente, é fruto de má-gestão, improbidade ou até crime.”
O inquérito é resultado de uma ação coordenada pelo procurador-geral de Justiça estadual, Márcio Fernando Elias Rosa. Ele separou os promotores em grupos e dividiu a atuação de cada um por temas considerados prioritários na Fundação Casa. Além da investigação nas contas, os promotores entraram em agosto com uma ação civil pública contra o governo Geraldo Alckmin, do PSDB, e a Fundação por superlotação em 91,37% das unidades que compõem o sistema, como mostrou CartaCapital na edição 812. No caso do inquérito estarão envolvidos na análise dos contratos e licitações da instituição os promotores: Tiago de Toledo Rodrigues, Pedro Eduardo de Camargo Elias, Fábio José Bueno, Daniela Hashimoto, Santiago Miguel Nakano Perez, Ricardo Brainer Zampieri, Daniela Romanelli da Silva, Fernanda Chuster Pereira, Fernando Henrique de Freitas Simões, Elisa De Divitiis Camuzzo e Julisa Nascimento de Paula.
“Investigação a gente começa, mas não sabe como termina. Agora o ponto de partida é esse. Temos um orçamento bilionário de um lado e de outro uma estrutura caindo aos pedaços, insuficiente ao serviço a que se presta, reclamação de toda ordem e adolescentes mal recuperados. Eles acabam reincidindo logo depois. Então isso já é uma suspeita, um ponto de início para uma investigação”, argumenta o promotor Fábio José Bueno.
Os indícios de que as contas não vão bem estão no Tribunal de Contas do Estado. O órgão encontrou recentemente irregularidades tanto em uma licitação como em uma prestação de contas feita pela presidente da Fundação Casa, Berenice Maria Giannella. No primeiro caso, a Fundação Casa abriu processo para contratar uma empresa para fazer a segurança patrimonial de quatro unidades localizadas no interior de São Paulo: Franca, Ribeirão Preto, São Carlos e Sertãozinho. O pregão eletrônico foi fechado no valor de 5,3 milhões de reais. Passados 23 dias, o contrato foi assinado no valor de 5,9 milhões de reais, 600 mil a mais.
No outro caso, o problema foi em um convênio firmado entre a Fundação Casa e uma organização social chamada Fraternidade Santo Agostinho, para prestação de serviço dentro das unidades no valor de 1,5 milhão de reais, em 2010. No fim do convênio, tanto a Fundação Casa quanto a entidade têm de prestar contas do que foi usado, porque a instituição não tem finalidade lucrativa. Mas não foi o que aconteceu. “Toda remuneração obtida em convênio precisa ser informada ao TCE. Se tiver saldo ao final do acordo, esse valor precisa ficar depositado e ser usado na próxima prestação de serviço. O que aconteceu? Não ficou esclarecido se houve saldo ou não”, diz o promotor Santiago Miguel Nakano.
O caso foi julgado pelo TCE neste ano e, como resultado, o órgão aplicou uma sanção de 200 unidades fiscais na presidente da Fundação Casa, o que resulta em multa de aproximadamente 4 mil reais. Em ambos os processos a instituição ainda pode recorrer. O fato é que o MP tem agora ao menos 180 dias para descobrir por que tanto dinheiro não tem correspondido necessariamente a uma situação melhor para o tratamento dos menores de idade.
Berenice Giannella, presidente da Fundação Casa, se diz tranquila: “ Podem investigar, não tenho nada para esconder. Gasto de 70% a 80% com pessoal. Os promotores citam maldosamente os processos no TCE. Ainda podemos recorrer”.
Reportagem publicada originalmente na edição 819 de CartaCapital, com o título “Crime de desperdício”

Governo poderá privatizar o sistema carcerário

Entre 2000 e 2014, a população prisional no Brasil cresceu, em média, 7% ao ano, totalizando 161%, percentual 10 vezes maior que o crescimento da população, de apenas 16% no período, ou 1,1% ao ano, na média. A taxa de aprisionamento, por sua vez, aumentou 119%: de 137 presos para cada 100 mil habitantes, em 2000, para 299,7 por 100 mil em 2014. Entre 2008 e 2013, os Estados Unidos reduziram a taxa de pessoas presas de 755 para 698 presos para cada 100 mil habitantes, uma queda de 8%. A redução na China foi de 9% e na Rússia, de 24%. No Brasil houve acréscimo de 33%.
O país, portanto, segue na contramão não apenas em relação a nações de renda elevada — e aí poderíamos falar da Suécia, oásis de segurança pública, onde prisões estão sendo fechadas — como também em relação ao Brics.
O número elevado de presos e o mau funcionamento do sistema carcerário, onde as condições são insalubres ao extremo e há rebeliões a toda hora, são um sinal claro e antigo de que algo precisa ser feito urgentemente. No Senado, debate-se no momento se a saída é a privatização de unidades penais, uma vez que o Estado carece de organização e não tem recursos suficientes para construí-las e administrá-las. A ideia, materializada no Projeto de Lei do Senado 513/2011, de autoria do senador Vicentinho Alves, no entanto, é fortemente combatida por grupos de direitos humanos, agentes penitenciários e mesmo por juristas, que questionam a transferência do poder de punir a particulares que visam ao lucro.
O quadro levantado na reportagem de capa exige soluções coordenadas, caso também do segundo tema da revista, o licenciamento ambiental. Em Discussão! procurou reunir o máximo de dados e opiniões sobre a Proposta de Emenda à Constituição 65/2012, apresentada pelo senador Acir Gurgacz e que tem causado polêmica por, na opinião de alguns, expor ainda mais o meio ambiente à degradação por projetos como hidrelétricas. A PEC, de todo modo, agitou o debate sobre o assunto, provocando o surgimento de outras propostas e a consolidação de certos princípios que parecem abrir a possibilidade de entendimento entre atores tão diversos quanto ambientalistas, governantes e empresários