Ao anunciar a atualização, em novembro de 2023, o Ministério da Saúde afirmou que “a adequação do protocolo às necessidades dos trabalhadores marca uma agenda prioritária para a atual gestão com a retomada do protagonismo na coordenação nacional da política de saúde do trabalhador e coloca os profissionais no centro do debate sobre saúde pública, considerando que a pauta não foi central nos últimos anos”. O anúncio ocorreu durante a realização do 11ª Encontro da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador.
Para a coordenadora-geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Luciene de Aguiar Dias, a atualização da LDRT estabelece de maneira mais eficaz a identificação entre as doenças e os riscos provenientes das atividades, ambientes e processos de trabalho, facilitando o diagnóstico e tratamento. “A atualização da LDRT reflete a integração de esforços do Ministério da Saúde em promover ambientes de trabalho mais seguros. Essa atualização também menciona substâncias químicas presentes nos ambientes de trabalho, reconhecendo aquelas que representam maior risco aos trabalhadores e trabalhadoras. A inclusão dessas substâncias na LDRT destaca a importância do biomonitoramento dos trabalhadores expostos, como os agentes de combate às endemias e trabalhadores e trabalhadoras rurais, mencionando doenças que podem decorrer da exposição àquelas substâncias químicas específicas. Assim, pode-se promover uma abordagem preventiva para identificar precocemente possíveis impactos à saúde. Ao mencionar doenças específicas importantes para o biomonitoramento, a LDRT contribui para a promoção de ambientes de trabalho mais saudáveis e para criar condições relacionadas ao trabalho mais seguro e sustentável”, ressalta Luciene.
Para o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Grupo Temático de Saúde do Trabalhador da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Heleno Correa Filho, a lista atualizou as relações entre o adoecimento por morbidades crônicas e doenças degenerativas com as exposições em ambientes de trabalho. “A literatura científica dos últimos trinta anos é farta em exemplos sobre essas relações, expondo o câncer ocupacional e as doenças mentais como relacionadas com exposições em ambientes de trabalho. As relações epidemiológicas do século XXI não podem ser pautadas pelo modelo de decisão causal que busca comprovar a relação entre reações bioquímicas do indivíduo, o adoecimento mental e a situação de assédio laboral em busca de produtividade, que gera o esgotamento do trabalhador. No Século XX, o modelo para a caracterização de agravo era baseado em contágio, contaminação e alterações bioquímicas. No Século XXI, acrescentam-se as relações epidemiológicas e ambientais para atestar maior e menor frequência de agravos, relacionando isto aos métodos de produção associados”, defende.
O Ministério da Saúde avalia que a nova Lista vai promover melhores práticas de diagnóstico e a elaboração de projetos terapêuticos e orientação para ações de Vigilância e Promoção da Saúde; auxiliar na formulação de políticas públicas mais eficazes no âmbito da Vigilância em Saúde do Trabalhador; acompanhar as mudanças nos processos produtivos no país, possibilitando a adaptação das políticas de saúde para atender as novas demandas e riscos emergentes; e impactar diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores:
Para a coordenadora-geral da Vigilância em Saúde do Trabalhador, a atualização da Lista também tem o significado de representar uma resposta do Ministério da Saúde às mudanças demográficas e epidemiológicas no Brasil, refletindo o envelhecimento da população e a transição para um cenário epidemiológico marcado por um aumento significativo de doenças crônicas não transmissíveis. “Essa expansão reflete não apenas a inclusão de doenças relacionadas ao trabalho, mas também outras como Covid-19, transtornos mentais pertinentes ao trabalho (inclusive burnout ou esgotamento, suicídio, etc), diversos tipos de neoplasias malignas, obesidade e distúrbios metabólicos, doenças das cordas vocais e da laringe, mas também evidencia uma abordagem mais abrangente. Essa mudança não apenas moderniza a lista, mas também se alinha aos avanços no mundo do trabalho, nos processos de produção e ao desenvolvimento científico. O reconhecimento formal de fatores de risco específicos, como jornadas em turno noturno e elementos psicossociais ligados à organização do trabalho. Reflete, ainda, uma compreensão mais completa dos riscos ocupacionais contemporâneos. Assim, a LDRT busca promover ambientes laborais mais seguros e adaptados às complexidades do cenário atual, visando a saúde integral dos trabalhadores”, explica Luciene.
De acordo com Heleno, a nova LDRT significa também o retorno à normalidade institucional que deve pautar as decisões do Ministério. “O Ministério da Saúde retomou o relacionamento democrático com o Conselho Nacional de Saúde (CNS), ao homologar decisões técnicas submetidas pelo imenso grupo de cientistas, professores e gestores ao CNS, que referendou a nova lista como adequada para as políticas de saúde dos trabalhadores”, comemora.
De acordo com ele, ao assumir que vários agravos e doenças têm relação com o trabalho, a LDRT contribui para a adequação das atividades laborais e para a para a ação preventiva dos profissionais que atuam na saúde do trabalho. “A atualização apoia as ações de Vigilância em Saúde, com a análise dos riscos encontrados nos ambientes de trabalho e na avaliação das relações entre os agravos e doenças com as exposições múltiplas. Os técnicos passam a confiar na atualização como forma de trabalho preventivo e de controle de danos”, aponta o pesquisador.
Ao citar a Vigilância em Saúde, Heleno reflete o trabalho capaz de dimensionar o impacto das doenças relacionadas ao trabalho sobre a sociedade: o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu cerca de 3,4 milhões de casos de doenças ocupacionais entre 2007 e 2023, de acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. Os novos agravos que passam a constar da LDRT impactarão no crescimento destes números, e demandarão a atualização dos profissionais da área.
“Toda normativa técnica subentende capacitação e atualização continuada para profissionais de saúde, especialmente na área de Saúde do Trabalhador. As práticas da Medicina do Trabalho (MT) em geral são baseadas em um paradigma diferente da Saúde do Trabalhador pois no Brasil, a MT é financiada por recursos patronais, e está sempre em conflito com o interesse da população trabalhadora, pois quem paga a banda escolhe a música. Os médicos e a maioria dos profissionais que atuam em Saúde do Trabalhador sabem disso e se esforçam por aplicar novos conhecimentos, buscar evidências e praticar a prevenção acima da negação das determinações sociais do trabalho. Não que o diagnóstico seja um problema. O problema maior é a atribuição da relação causal entre os diagnósticos e as exposições de riscos encontradas nos ambientes de trabalho”, afirma Heleno.
O Ministério da Saúde prepara essa atualização dos profissionais da ponta tanto do setor público, quanto da iniciativa privada. “Um Plano de Implementação da LDRT no SUS está sendo elaborado e será conduzido pela Coordenação Geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, em parceria com a academia, gestores e o controle social. O plano prevê o desenvolvimento de cursos autoinstrucionais para diferentes públicos, incluindo profissionais de saúde dos serviços públicos e privados”, afirma Luciene, complementando que o projeto prevê uma etapa de matriciamento na Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (RENAST), com ênfase aos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), para monitorar a implementação da LDRT.
Ainda segundo o MS, a expectativa é que a nova listagem impacte positivamente na revisão e atualização dos padrões de uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e nas práticas de ergonomia. “As mudanças refletem a evolução na compreensão sobre os riscos relacionados ao trabalho, adaptando-se às demandas emergentes e proporcionando diretrizes mais alinhadas com a realidade das atividades, ambientes e processos de trabalho. Além disso, e talvez mais importante, é observar que os riscos abordados na lista se referem a riscos amplos e que, para promover ambientes de trabalho saudáveis, essa atualização também deve influenciar principalmente na promoção de medidas e equipamentos de proteção coletiva, contribuindo para mitigar os riscos à saúde dos trabalhadores”, defende Luciene.
Para o coordenador o GT da Abrasco, outros impactos indiretos da nova LDRT serão refletidos na Previdência Social e na Justiça do Trabalho. “As perícias médicas são um campo de conflito de interesses muito forte. Ao incluir um novo grupo de riscos e agravos, obrigando a observar seu aparecimento e presença nos ambientes de trabalho, esse conflito pode ser melhor examinado por peritos, juízes, técnicos, sindicalistas, enfim, por todos os envolvidos. Algumas relações causais entre adoecimento e trabalho ficarão menos atreladas ao sabor subjetivo das demandas individuais. Poderão ser mais bem controladas, saindo da arena de conflitos legais, judiciais e mesmo decisões arbitrárias sem fundamento científico e jurídico que costumam acontecer nesse campo de luta entre capital e trabalho. Quem controla os serviços de saúde controla o apagamento da relação entre doença, acidentes e modos de trabalho perigoso e arriscado”, ressalta.
Heleno, entretanto, acredita que esse impacto será alvo de disputas. “O impacto da nova Lista sobre as decisões da Justiça deve ser lento, agônico e com enorme luta entre a formação conservadora dos atores envolvidos. A nova Lista é um instrumento técnico que só se realiza como consulta efetiva depois de capacitados os técnicos, reconvertidos os peritos e que os juízes sejam colocados diante de novas evidências que os conduzam a administrar a Justiça com base em evidências em lugar de velhos preconceitos”, conclui.
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