Após quatro anos pagando servidores atrasados, estados em situação fiscal delicada esperavam regularizar a folha de pagamentos neste ano, mas a crise decorrente da pandemia da covid-19 deve impedir que os trabalhadores voltem a receber em dia.
Secretários da Fazenda de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro já afirmam que nem mesmo a ajuda do governo federal será suficiente para que consigam cumprir com a folha de pagamentos e, após a fase mais crítica da pandemia, a tendência é que a situação fiscal desses estados se deteriore ainda mais.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, há 50 meses os pagamentos não são feitos até o último dia do mês, como determina a lei, além de serem escalonados - primeiro recebem aqueles com rendimentos menores.
Os servidores chegaram a esperar 45 dias para que o dinheiro caísse em suas contas, mas, no começo deste ano, esse prazo havia diminuído para 13 dias. Em abril, porém, voltou a ser de 30 dias e, para este mês, não há nem previsão.
"Não há como garantir data específica. Não vamos pagar em dia", afirma o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.
Com a redução das atividades econômicas em março, a queda na arrecadação de ICMS no Estado foi de 14% no mês passado. Em abril, porém, a paralisação no comércio foi maior, o que deve levar a um recuo de 30% na arrecadação deste mês.
O governo gaúcho deverá receber R$ 2,2 bilhões, em quatro meses, do governo federal - montante que faz parte do programa federal para enfrentamento ao coronavírus. Desse total, R$ 1,95 bilhão, ou R$ 487 milhões mensais, podem ser gastos em áreas que não sejam relacionadas à saúde.
O problema é que apenas a folha de pagamentos do Estado consome R$ 1,4 bilhão, o equivalente a 47% da arrecadação com ICMS em tempos normais.
"Se o ICMS cair 22,5% durante a pandemia, a ajuda do governo federal dá conta, mas a projeção é que essa queda seja de 30%", diz Cardoso.
"Estamos há 50 dias clamando por ajuda financeira. Depois desse tempo, vemos de forma positiva a ajuda, mas o que vamos receber não cobre a queda da arrecadação. De qualquer modo o importante é que os recursos venham logo", acrescenta.
Rio
Diferentemente do Rio Grande do Sul, o Rio de Janeiro já havia conseguido regularizar os pagamentos.
Após atrasos constantes em 2016 e 2017, o estado conseguiu voltar a pagar os servidores em dia ao aderir ao regime de recuperação fiscal do governo federal.
Também contou a favor a recuperação do setor de petróleo, que garante uma receita extra ao governo fluminense devido ao pagamento de royalties.
No ano passado, o Rio de Janeiro comemorou o fato de ter quitado o 13º dos servidores ainda em novembro e, em algumas ocasiões, o pagamento de toda a folha até o quinto dia útil do mês - a lei permite que seja até o dia 10.
"Começamos 2020 pagando salário adiantado. Agora, todo o planejamento financeiro foi por água abaixo. O orçamento virou peça de ficção", diz o secretário de Fazenda, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho.
O secretário projeta uma queda de 30% na receita deste mês e de 23% durante todo o ano.
Por outro lado, o estado deverá receber R$ 2 bilhões do governo federal, que poderão ser usados para pagamento de funcionários e fornecedores.
"Pelos nossos cálculos mesmo com a ajuda federal, faltarão R$ 8,1 bilhões (12% da receita que era esperada) para fecharmos as contas de 2020. Teremos de começar a fazer escolha do que vamos pagar. Os servidores serão prioridade. Em seguida, os fornecedores", afirma Carvalho.
Segundo ele, o salário dos funcionários públicos estará ameaçado a partir de setembro. "Temos até lá para achar uma solução", acrescenta ele, que espera um outro auxílio federal para poder pagar as contas.
Enquanto isso, o estado tenta cortar gastos e postergar despesas. Os servidores, que vinham recebendo 50% do décimo terceiro no mês de aniversário, já viram a medida ser suspensa. Um indicativo de que, como ocorreu em 2016 e 2017, voltarão a ter de esperar meses para receber o salário extra.
Minas Gerais não conseguiu quitar nem 13º de 2019
Um dos Estados mais atrasados no processo de colocar as contas públicas em ordem, Minas Gerais sofreu revés duplo com a crise da pandemia.
Além da queda na arrecadação, o leilão de recebíveis de nióbio, que estava previsto para acontecer no início deste ano, teve de ser adiado por causa da situação desfavorável no mercado financeiro.
Com esse leilão, o governo pretendia adiantar o recebimento de royalties do nióbio dos próximos 12 anos para, com os recursos, terminar de pagar o 13º dos servidores de 2019 e deixar a folha de pagamento em dia.
"A operação [o leilão] está pronta, mas hoje não há capacidade para colocá-la no mercado", afirma o secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa.
Para regularizar o pagamento de salários, o governo de Minas também contava com um aumento de 9% na arrecadação neste ano. Em abril, porém, houve queda de 20% e a estimativa para maio é de recuo de 40%.
Apesar dessa redução brusca na receita, o governo conseguiu quitar os salários dos servidores - com atraso - no mês passado. Isso foi possível porque recebeu R$ 781 milhões de um precatório da Justiça do Paraná que não estava previsto.
Sem recursos extras, o pagamento em maio, no entanto, está ameaçado. "Até o dia 15, vamos pagar o referente a abril só para o pessoal da segurança e da saúde. O restante não tem previsão, mesmo com a ajuda da União", afirma Barbosa.
A folha líquida de pagamento de Minas chega a R$ 2,8 bilhões. O estado receberá R$ 3,4 bilhões do governo federal, montante que faz parte do plano federativo de enfrentamento ao coronavírus. Desse total, poderá destinar R$ 3 bilhões, ou R$ 750 milhões por mês, a áreas não relacionadas à saúde.
O professor aposentado Albaney Pereira é um dos servidores que ainda não receberam nem o 13º de 2019. Do total dos funcionários do estado, 18% estão nessa situação.
No mês passado, com o atraso na aposentadoria, Pereira quitou suas contas com a antecipação da primeira parcela do 13º de 2020 feita pelo INSS - ele tem uma segunda aposentadoria por também ter trabalhado em escola particular. Agora, Pereira está apreensivo com o próximo pagamento.
Também professora, Adelúzia de Magalhães Barbalho conta que já avisou o síndico do prédio em que mora que só poderá pagar o condomínio neste mês se receber do governo.
Corte de gastos
Dada a retração nas receitas, Minas trabalha no contingenciamento de despesas. Parte dessa conta será, novamente paga pelos funcionários públicos. B
arbosa afirma que não há uma previsão para pagar o terço constitucionais de férias. Além disso, 50% dos gastos discricionários de todas as secretarias, com exceção da de Saúde, devem ser cortados.
Apesar de estar sendo poupada agora, a Secretaria de Saúde de Minas enfrenta problemas nas contas.
Um dos programas que destina recursos a hospitais filantrópicos recebeu, entre janeiro e março, apenas 75% do valor previsto. Diante da pandemia, o valor foi repassado integralmente em abril.
A Secretaria de Saúde afirmou que a situação fiscal de Estado era gravíssima antes mesmo da pandemia do coronavírus.
"2019 foi um ano de saneamento de dívidas herdaras da gestão anterior, inclusive com a regularização do pagamento de fornecedores da Secretaria, valores que chegavam a mais de R$ 400 milhões", informou nota do órgão.
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