segunda-feira, 24 de abril de 2017

Reforma trabalhista permite que empregador reduza salário de funcionário

Reforma trabalhista permite que empregador reduza salário de funcionário

Pela proposta em votação nesta semana, empresa poderá demitir funcionários e recontratá-los, por remuneração inferior, por terceirização ou acordo fechado individualmente. Para juristas e sindicatos, projeto acaba com a Justiça trabalhista e retira direitos constitucionais
POR LEONEL ROCHA· PUBLICADO EM 24/04/2017 09:30
 
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Lúcio Bernardo Jr./Ag. Câmara
Rogério Marinho diz que intenção não é retirar direitos, mas modernizar legislação. Juristas e entidades discordam frontalmente

O projeto de reforma trabalhista que a Câmara programou para votar nesta semana anula, na prática, direitos constitucionais que protegem o trabalhador desde a década de 1940 e também previstos pela Constituição promulgada em 1988. O principal deles é a irredutibilidade dos salários para quem continua exercendo as mesmas funções em determinada empresa. A conclusão consta de estudos feitos por várias entidades sindicais, juristas especializados no assunto e até pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Se o texto apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) virar lei, as empresas poderão reduzir os salários de todos os empregados para continuarem exercendo as mesmas funções. Para isso, basta demiti-los e recontratá-los em regime de terceirização ou por acordo fechado individualmente com cada funcionário. Pela proposta do parlamentar, nem mesmo a Justiça poderá interferir no assunto.
Segundo estudos feitos pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Marinho foi além do que o Palácio do Planalto desejava. Ele acrescentou mecanismos que eximem as empresas do recolhimento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e até da contribuição para a Previdência. Isso será possível com possibilidade de contratação temporária e a troca da carteira assinada pela terceirização dos mesmos trabalhadores que continuam prestando serviços à mesma companhia.
Empobrecimento
“As consequências serão o empobrecimento do trabalhador a médio prazo, a redução da massa salarial geral do país e até o corte na arrecadação previdenciária e de tributos”, alerta o advogado José Eymard Louguercio, especialista no tema. O advogado lembra que Marinho acatou muitas das 850 emendas apresentadas pelos colegas ao texto enviado pelo governo ao Congresso. A proposta altera mais de 200 dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de toda a legislação trabalhista vigente.
Rogério Marinho nega que o projeto retire direitos dos trabalhadores e afirma que vai modernizar a legislação e permitir a geração de empregos, ao dar segurança jurídica aos empresários e colocar na formalidade trabalhadores sem carteira assinada.
A Ordem dos Advogados do Brasil alerta que, a médio prazo, as mudanças não vão interessar sequer aos empregadores, já que a redução salarial vai ter como consequência a queda no consumo. “O projeto agride a Constituição e todo o sistema normativo, representa um retrocesso civilizatório com o desrespeito aos direitos adquiridos”, diz o presidente da Ordem, Claudio Lamachia.
Justiça e sindicatos
O relatório de Rogério Marinho, na prática, acaba com a Justiça trabalhista, porque impede reclamações nos tribunais regionais e no Tribunal Superior do Trabalho (TST) depois que os acordos coletivos ou individuais forem fechados entre empresas e empregados. Pelo relatório, o Judiciário perde a autoridade para anular os acordos individuais, os acordos e as convenções coletivas contrárias à legislação. Com o texto de Marinho, as delegacias do Trabalho, os tribunais regionais e, em último caso, o TST teriam suas funções praticamente eliminadas.
Outro desmonte previsto no projeto do relator diz respeito à estrutura sindical. Ele propõe a criação da representação dos trabalhadores por empresa e retira das entidades sindicais a autoridade de fazer reclamações coletivas à Justiça. Com a terceirização até das atividades-fim, a proposta de Marinho acaba, na prática, com benefícios como o 13º salário, reduz significativamente as multas aplicadas às empresas que descumprirem a lei, regulamenta o teletrabalho por tarefa, e não por jornada, e dificulta o acesso dos trabalhadores às reclamações judiciais.
O deputado Rogério Marinho, integrante da bancada evangélica e principal defensor do polêmico projeto de Escola sem Partido – propõe o parcelamento das férias em até três períodos e acaba com o princípio de grupo econômico para limitar possíveis reclamações dos trabalhadores exclusivamente à empresa que celebra o contrato direto com os funcionários, eximindo a holding e outras coligadas da responsabilização pelas possíveis ilegalidades cometidas pelo “patrão” direto.
Abaixo do mínimo
Para a Frente Associação da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), que representa mais de 40 mil juízes, promotores e procuradores, inclusive do Trabalho, trata-se do maior projeto de retirada de direitos trabalhistas já discutido no Congresso Nacional desde a criação da CLT. Em nota assinada pelos presidentes de nove entidades, a frente aponta o risco de o trabalhador passar a receber até mesmo abaixo do salário mínimo.
“São criadas/ampliadas novas formas de contratos de trabalho precários, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário mínimo mensal, o que concorreria para o aumento dos já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho”, destaca a frente em um dos trechos da nota em que pedem aos parlamentares que rejeitem a proposta.
Segundo a Frentas, o substitutivo parte da ideia de que o trabalhador age de “forma ilícita e censurável” na relação processual, colocando a empresa como “ente sacrificado” por essas ações. Em pelo menos duas ocasiões o relatório nega aos trabalhadores a gratuidade processual: quando faltar à primeira audiência e quando as perícias tiverem resultado negativo, retirando dos juízes a possibilidade de exame caso a caso. “São hipóteses que mais parecem ameaças veladas para instrumentalizar passivos sancionatórios que a grande parte dos trabalhadores não teria como pagar, o que resultaria no desestímulo ao acesso à jurisdição e na elitização de uma Justiça reconhecidamente popular”, reclamam as entidades.
O projeto deverá ser votado entre quarta e quinta-feira em plenário e tem o apoio da maioria governista na Câmara. Depois dessa fase, a proposta irá ao Senado, onde o governo também tem maioria. Para virar lei, a reforma trabalhista só precisa ser aprovada por maioria simples dos presentes nas sessões de cada Casa legislativa.
Principais modificações na legislação trabalhista previstas no relatório de Rogério Marinho:
1 - Redução do salário para quem exerce as mesmas funções na mesma empresa com a demissão coletiva e a recontratação via terceirização
2- Prevalência do acordo coletivo ou individual sobre a legislação trabalhista. Isto possibilita que a empresa contrate o empregado com menos direitos do que prevê a convenção coletiva da categoria ou da lei.
3- Terceirização até das atividades fim de qualquer setor
4- Parcelamento das férias em até três períodos à escolha da empresa
5- Fim do conceito de grupo econômico que isenta a holding de responsabilidade pelas ilegalidades de uma das suas associadas
6- Regulamenta o teletrabalho por tarefa e não por jornada
7- Deixa de contabilizar como hora trabalhada o período de deslocamento dos trabalhadores para as empresas, mesmo que o local do trabalho não seja atendido por transporte público e fique a cargo da empresa
8 - Afasta da Justiça do trabalho a atribuição de anular acordos coletivos e até individuais de trabalho
9 – Permite jornada de trabalho de até 12 horas seguidas, por 36 de descanso, para várias categorias hoje regidas por outras normas
10 – Acaba com o princípio de equiparação salarial para as mesmas funções na mesma empresa

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