quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Ministro do STF defende legalização de drogas para reduzir número de presos

Ministro do STF defende legalização de drogas para reduzir número de presos

Luís Roberto Barroso afirmou que medida pode aliviar crise no sistema penitenciário

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Luís Roberto Barroso durante sessão do STF - Jorge William / Agência O Globo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu ontem a legalização da maconha como forma de aliviar a crise no sistema penitenciário. Segundo ele, a medida desmontaria o tráfico de drogas e, com isso, o número de presos diminuiria. Barroso afirmou que, se a experiência desse certo com a maconha, seria o caso de legalizar também a cocaína.
— A gente deve legalizar a maconha. Produção, distribuição e consumo. Tratar como se trata o cigarro, uma atividade comercial. Ou seja: paga imposto, tem regulação, não pode fazer publicidade, tem contrapropaganda, tem controle. Isso quebra o poder do tráfico. Porque o que dá poder ao tráfico é a ilegalidade. E, se der certo com a maconha, aí eu acho que deve passar para a cocaína e quebrar o tráfico mesmo — disse.
Barroso ressaltou que a posição não é ideológica a favor das drogas, mas pelo combate ao tráfico:
— Não acho que droga seja bom. Não sou a favor de droga. Eu sou contra a criminalização como ela é feita no Brasil, porque as consequências são piores do que os benefícios. Eu educo meus filhos numa cultura de não consumir droga. Mas acho que a melhor forma de combater a droga é legalizando.
Em 2015, o plenário do STF começou a julgar ação que chegou ao tribunal por recurso da Defensoria Pública em processo que envolvia o caso de um presidiário flagrado na prisão com três gramas de maconha em julho de 2009. Ele foi condenado a prestar serviço comunitário por dois meses. A Defensoria Pública contestou a constitucionalidade da Lei de Drogas. Em sessão em setembro de 2015, três dos 11 ministros do STF votaram pela liberação do porte de maconha para uso pessoal. O julgamento começara no mês anterior, quando o relator, ministro Gilmar Mendes, defendeu a descriminalização do porte para uso de todo tipo de droga. Edson Fachin e Luís Roberto Barroso também votaram pela descriminalização, mas só para o porte de maconha. Os três declararam inconstitucional o artigo 28 da Lei de Drogas, que considera criminoso quem adquire, guarda, transporta ou leva consigo drogas para consumo pessoal.
O julgamento, porém, foi interrompido por pedido de vista de Teori Zavascki. Com a morte do ministro, o sucessor dele, ainda não escolhido pelo presidente Michel Temer, herdará o processo. A expectativa é de que o caso demore a ser devolvido ao plenário, porque o novato ainda teria que estudá-lo caso antes de elaborar o voto. A decisão do STF quanto à questão será aplicada em processos semelhantes. Existem hoje ao menos 315 ações desse tipo paralisadas em todo o país aguardando posição do Supremo. Barroso, no entanto, explicou que não cabe ao Judiciário decidir sobre a legalização ou não das drogas. Essa seria uma tarefa para o Congresso Nacional — que, segundo ele, precisa abandonar os preconceitos antes de analisar o tema:
— Isso depende de legislação. É preciso superar preconceitos e lidar com o fato de que a guerra às drogas fracassou e agora temos dois problemas: a droga e as penitenciárias entupidas de gente que entra não sendo perigosa e sai perigosa. Eu sei que há muito preconceito, mas a questão vai ser ou fazer logo, ou fazer ali na frente, porque não tem alternativa — opinou o ministro.
MUDANÇA DE POSIÇÃO É ELOGIADA
Delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro e secretário-geral da LEAP Brasil (Agentes da Lei Contra a Proibição), Orlando Zaccone recebeu com surpresa e otimismo as declarações de Barroso, já que anteriormente o ministro havia apenas declarado apoio à descriminalização da maconha:
— É um sinal muito bom o avanço da posição do ministro quanto a este assunto. A legalização é a única forma racional para enfrentar o problema das drogas hoje. Precisamos regular este mercado.
Pegando emprestada expressão muito usada pelos partidários do proibicionismo, o delegado acredita que a legalização da maconha por ser “a porta de entrada” para a de outras substâncias que foram alvo do que chamou de “processo de demonização” enquanto o consumo de álcool e tabaco, por exemplo, é permitido e chegou a ser até estimulado.
— Defendemos a legalização como caminho para enfrentar a violência, que é resultante da proibição, e não do consumo — diz. — O proibicionismo produz uma violência que as drogas por si só não são capazes de produzir. Ele gera violência entre grupos que disputam o mercado proibido e destes grupos com a polícia em enfrentamentos que acabam atingindo pessoas, crianças, que nunca tiveram contato com este mundo. Mas não adianta legalizar só a maconha se o mercado da cocaína vai continuar violento, assim como do crack etc.
A diretora-executiva do Instituto Igarapé, Ilona Szabó, também destacou a mudança de posição do ministro. Segundo ela, é positivo que a mais alta corte brasileira esteja atenta aos estudos e práticas internacionais de países que estão indo na direção oposta à guerra às drogas.
— No recurso que está suspenso, o ministro deu um voto a favor só da descriminalização do consumo da maconha, então claramente ele mudou de posição, o que indica que mudaria seu próprio voto quando o processo voltar a andar — disse. — Ter um juiz da Suprema Corte que consegue mudar de opinião é um excelente sinal de que as posições ideológicas são passíveis de serem abandonadas em favor de posições técnicas. Um dos caminhos de alternativa a guerra às drogas é experimentar com modelos de regulação. Para o Brasil, descriminalizar já é tarde, isso tem que ser para ontem.
Nem todos, porém, acham que a legalização é a solução. Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) afirma ser “uma lorota” dizer que a legalização vai acabar com o tráfico:
— Quem trafica vai continuar traficando. Trata-se de ir na contramão do que se pode fazer sobre a saúde pública brasileira. A maconha é uma das grandes causadoras de transtornos mentais. Provoca um quadro psiquiátrico irreversível. A legalização só vai aumentar o acesso de milhões de adolescentes à maconha, sendo que estes jovens ainda estão com o cérebro em formação. Não se pode trocar a diminuição de presidiários por um aumento de doentes mentais.

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