Brasil abre mão de candidato em comissão da OEA em momento crucial para política externa

Comissão pode atuar para distensionar relação entre Brasil e EUA em relação, por exemplo, ao tarifaço imposto por Trump. Escolha para preenchimento da vaga será feita nesta sexta-feira (11).

Por Vinícius Cassela, g1 — Brasília

 


Presidente Lula e Fábio de Sá e Silva em encontro que definiu a candiatura na OEA, em março de 2025 — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal
Presidente Lula e Fábio de Sá e Silva em encontro que definiu a candiatura na OEA, em março de 2025 — Foto: Reprodução/Acervo Pessoal

Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) abriu mão de uma das vagas como membro da Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) que o país estava concorrendo.

A decisão do Itamaraty vem em um momento delicado para a política externa brasileira, que enfrenta um grande embate com o governo dos Estados Unidos, após a imposição de uma tarifa de importação de 50% aos produtos brasileiros.

"Me parece que o Brasil quis fazer um gesto generoso em relação ao México, um gesto que não era necessário, porque o Brasil vinha vencendo as eleições, mas que busca não tensionar as relações entre os países", apontou o candidato brasileiro, Fábio de Sá e Silva, professor e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Entre as funções da comissão está a de monitorar a situação dos direitos humanos nos países membros, justamente um dos argumentos apontados pelo presidente Donald Trump que o Brasil estaria descumprindo.

"Nós estamos vivendo um momento da história em que decisões políticas estão sendo justificadas com direitos humanos como pretexto e eu acho que a presença do Brasil neste espaço seria importante", avalia o candidato.

Ele prossegue: "Por um impedimento, eu não atuaria diretamente em nenhum caso do Brasil, mas eu poderia participar da discussão e trazer uma perspectiva brasileira no sentido de que a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas ela tem limites, como o discurso de ódio ou discursos antidemocráticos, que a nossa legislação não protege".

A candidatura de Silva à vaga foi anunciada com pompa pelo governo brasileiro, em março deste ano, dias após ele ter sido recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio do Planalto.

À época, a escolha ainda contou com o apoio do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, do advogado-geral da União, Jorge Messias, e do presidente da comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

O porquê do movimento ainda não está claro, uma vez que o Itamaraty não justificou os motivos que o levaram a deixar de apoiar o candidato brasileiro.

Segundo Fábio, a decisão do órgão só lhe foi comunicada na quinta-feira (10), um dia antes da disputa.

"Eu recebi a informação hoje [quinta] à tarde, por volta de 17h, aqui em Washington [onde fica a sede da OEA], enquanto fazia campanha e buscava votos. Um representante do Itamaraty em Brasília me ligou afirmando que o Brasil iria pedir o encaminhamento dos votos para o candidato mexicano", disse.

g1 solicitou um posicionamento ao ministério, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

A eleição

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA realizará a eleição para três das sete vagas de comissários nesta sexta-feira (11), em Antígua e Barbuda, na região do Caribe.

Além do Brasil, a Colômbia, México, Honduras, Estados Unidos, Peru e Bahamas também apresentaram candidatos as vagas.

Nas rodadas anteriores de votação, que aconteceram dia 27 de junho, o então candidato brasileiro chegou a receber 16 dos 18 votos necessários para ser escolhido, a frente do candidato mexicano José Luis Caballero Ochoa, que atualmente é membro da comissão e tenta a reeleição.

Duas das três vagas já foram definidas pelos candidatos já terem conquistado a maioria absoluta dos votos.

Em substituição aos representantes de Barbados e Colômbia, os membros da OEA escolherem a candidata americana, Rosa María Payá, e a de Bahamas, Marion Bethel.

A votação é feita pela assembleia da OEA que contém 35 países, mas apenas 32 votantes ativos. A Nicarágua e Venezuela estão suspensas de participarem da organização e Cuba que foi excluída em 1962 e atualmente passa por um processo de diálogo para retornar como membro ativo.

A organização

A Organização dos Estados Americanos (OEA), foi fundada em 1948, em Bogotá, na Colômbia, com o objetivo de promover “uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência”, como aponta o artigo 1º da carta de criação.

Mas, segundo o site da organização, ela é o organismo regional mais antigo do mundo, já que sua estrutura inicial foi formada em 1890, com a criação da União Internacional das Repúblicas Americanas, órgão que deu origem ao formato atual.

Já a Comissão de Direitos Humanos, criada em 1959, atua na defesa das liberdades civis nas Américas, que recebe denúncias, investiga violações.

Atualmente, é composta por representantes do Suriname, Barbados, Colômbia, Guatemala, Guiana e Argentina e México.

O Brasil está há quatro anos sem um representante, a última foi a professora Flávia Piovesan, que saiu em 2021.

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