13 de agosto de 2024, 15h17

A desigualdade salarial entre carreiras, combinada com a limitação de mudança de carreira apenas por meio de concursos públicos, tem consequências negativas na motivação dos servidores públicos por meio de dois mecanismos:

  1. Em primeiro lugar, desloca-se o esforço que deveria estar centrado no desempenho no trabalho para a busca de aprovação em outro concurso público que ofereça uma remuneração melhor. Salários e benefícios melhores estimulam os servidores públicos a estudarem para passar em concursos para carreiras mais bem remunerada.
  2. A desigualdade remuneratória entre servidores que desempenham atividades semelhantes gera insatisfação e desmotivação. Quando os servidores percebem que estão recebendo salários menores em relação a outros que realizam funções similares, afeta-se a percepção de justiça no tratamento pela organização.

Como resultado, os servidores podem reduzir seus esforços e engajamento no trabalho, uma vez que sentem que não estão sendo tratados de forma justa. A desigualdade salarial entre carreiras, que possuem responsabilidades semelhantes no serviço público, sem justificativa clara de desempenho, pode prejudicar a motivação dos servidores e sua disposição de se dedicarem e servirem ao público de forma eficiente.

Apontamentos acima foram feitos pela doutora Izabela Corrêa e outros pesquisadores, em artigo publicado na Revista do Serviço Público[1] Ponderações que comprovam a existência de “cargo de passagem” e sua necessidade de enfrentamento do tema.

Cargo público

O cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. Apresenta denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos. [2] Em outras palavras, cargo é o lugar ou posição jurídica a ser ocupado pelo agente na estrutura administrativa. [3]

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Para Celso Antônio Bandeira de Mello, os cargos públicos “são as mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente (…)” [4]

Em síntese, cargo público é a competência a ser desempenhada por um agente público sob regime estatutário. O cargo é gênero que admite as seguintes espécies: cargo vitalício, cargo efetivo e cargo em comissão.

Remuneração

O sistema remuneratório dos servidores, e demais agentes públicos, é disciplinado pelo texto constitucional no artigo 37, X a XV [5] da CRFB. A remuneração compreende todos os valores pecuniários pagos aos servidores a título de contraprestação pelos serviços restados. Estão incluídos na remuneração os vencimentos bem como as vantagens de caráter permanente ou transitório pagos ao servidor. [6]

Assevera-se que a remuneração no serviço público deve ser adequada e justa. Uma carreira bem remunerada é um fator importante para garantir o engajamento e o desempenho dos membros.

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‘Cargo de passagem’

A “carreira de passagem”, ou “cargo de passagem” no serviço público, refere-se a situação em que os servidores enxergam determinado cargo como uma etapa temporária em suas trajetórias profissionais. Nesse caso, os servidores não têm intenção de permanecer no serviço público a longo prazo, mas sim utilizar a experiência do “cargo de passagem” como um trampolim para oportunidades futuras, seja no setor privado, seja no próprio setor público.

A “carreira de passagem” tende a ter um padrão remuneratório mais baixo quando comparada a carreiras melhores estruturadas e com remuneração de entrada superior. Izabela Corrêa e outros pesquisadores abordam a questão da prática de sair de uma carreira com menor remuneração para ingressar em outra com remuneração superior. Vejamos:

“O serviço público federal brasileiro é, ao mesmo tempo, caracterizado pela presença de múltiplas carreiras com, muitas vezes, responsabilidades comparáveis e larga disparidade salarial. Como consequência, servidores públicos com responsabilidades profissionais similares e que realizam atividades similares – mas que fazem parte de carreiras distintas – recebem salários diferenciados. Essa situação oferece incentivos para que servidores públicos tentem passar em concursos para carreiras que pagam melhor.” [7]

Por conseguinte, a situação é real e corriqueira no serviço público devendo ter atenção da sociedade quanto aos impactos na prestação do serviço e nas entregas que deve ser realizada para a sociedade.

Padrão remuneratório

O padrão remuneratório no serviço público se refere à estrutura salarial e de remuneração utilizada para determinar os salários dos servidores públicos. É um sistema que estabelece faixas salariais com diferentes níveis e progressões, de acordo com a hierarquia e o tempo de serviço.

O padrão remuneratório define os valores básicos dos salários iniciais e os critérios para a progressão salarial ao longo do tempo. A progressão salarial pode ocorrer por meio de promoções, que envolvem a mudança para uma classe superior, ou por meio de progressões dentro da mesma classe, que são baseadas no tempo de serviço ou em outros critérios pré-determinados.

Ressalta-se que o padrão remuneratório varia entre diferentes órgãos, instituições e esferas de governo. Cada entidade possui sua própria estrutura salarial e regras específicas de remuneração.

O objetivo do padrão remuneratório é estabelecer critérios transparentes e equitativos para a remuneração dos servidores, levando em consideração fatores como a qualificação, a experiência e o desempenho, além de garantir a valorização e a motivação dos servidores.

Equilíbrio ou desequilíbrio no padrão remuneratório?

A redação original da Constituição (artigo 39, §1º) expressamente assegurava isonomia de vencimentos aos servidores dos diferentes poderes que exercessem atribuições idênticas ou assemelhadas.

Além dessa isonomia, o texto original da Constituição previa paridade nos reajustes dos servidores civis em face dos militares. Essas duas regras,  isonomia entre os servidores dos diferentes poderes e de paridade de reajuste entre civis e militares, foram suprimidas do texto constitucional pela EC nº 19/98. [8]

É fato histórico que os servidores do Judiciário e do Legislativo recebem remuneração superior àquelas em média pagas aos servidores comuns do Executivo. Para constatar essa diferença, basta que se levantem as médias salariais praticadas nos diferentes poderes.

No âmbito do Executivo, a realidade demonstra que somente carreiras específicas logram obter remuneração adequada. [9]

Pois bem, demonstrado está que há diferença salarial entre os servidores dos três Poderes resultando em sentimento de injustiça e insatisfação.

Abaixo algumas razões pelas quais a políticas remuneratório pode vir a impactar positivamente no desempenho dos servidores:

  • Uma remuneração justa e alinhada com as responsabilidades e o desempenho do servidor público é uma forma de reconhecimento pelo trabalho realizado. Políticas de remuneração que incentivam o desempenho, como a possibilidade de progressão salarial por mérito ou resultados alcançados, podem estimular os servidores públicos a se esforçarem mais e a buscar melhores resultados em suas atividades.
  • Uma política remuneratória compatível com o cargo e suas atribuições ajudam na retenção de talentos. Se os salários oferecidos são atrativos, os servidores têm menos propensão a buscar oportunidades em outros setores, o que contribui para a continuidade dos serviços públicos.
  • Já a remuneração adequada permite que os servidores públicos atendam suas necessidades materiais tenham uma melhor qualidade de vida. Há nítida influencia  na satisfação e no bem-estar dos funcionários, refletindo em um ambiente de trabalho mais positivo e motivador.

Da barganha dos sindicatos e do ‘sinal’ dado pelas carreiras com maior poder de pressão

O estudo elaborado por Izabela Corrêa aponta que um dos principais determinantes na definição remuneratória dos servidores públicos federais é o poder de barganha dos sindicatos das carreiras e o “sinal” dado pelas carreiras com maior poder de pressão política, que acaba por criar uma referência paras as demandas salariais dos demais grupos [10]. Assevera a pesquisa que a referência ou sinalização remuneratória, por questões legais da definição do teto, em geral se dá pelo Judiciário, que é seguido pelos servidores do Legislativo e do Executivo.

Há diferença entre as carreiras do Poder Executivo e, também, discrepâncias entre carreiras que desempenham atividades semelhantes nos três Poderes. Dados coletados pela pesquisa acima referida apontam que, em 2017, enquanto um analista administrativo de nível superior do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo recebia uma remuneração inicial de R$ 5.739,09, os cargos equivalentes nos Poderes Judiciário e Legislativo tinham remunerações iniciais, respectivamente, de R$ 11.006,82 e R$ 22.580,85.  [11]

Resta evidente que há nítidas discrepância salarial entre as carreiras no serviço público, inclusive entre as carreiras que desempenham atividades semelhantes. Isso faz com que o servidor público que ingresse numa carreira com menor padrão remuneratório procure sem aprovado em outro concurso com maior remuneração. Assim, o servidor “passa” pela cargo de menor remuneração e, até que o mesmo seja preenchido, a força de trabalho do setor/órgão/Ministério/autarquia restará reduzida.

Como o padrão remuneratório pode levar à redução de ‘cargos de passagem’ no serviço público?

Manter um padrão remuneratório adequado é fundamental para a retenção de talentos. Afinal, uma remuneração justa e equitativa é um dos principais fatores que influenciam a decisão de um profissional em permanecer no serviço público.

Quando o padrão remuneratório é adequado, os servidores públicos são mais propensos a se sentirem valorizados e motivados em seus cargos. Isso aumenta a satisfação no trabalho e a sensação de reconhecimento pelo seu desempenho e contribuição para a sociedade.

Além disso, a remuneração adequada desempenha um papel importante na atração de talentos qualificados para o serviço público. Profissionais capacitados e experientes são essenciais para a eficiência e eficácia dos serviços públicos, e uma remuneração adequada e justa é um incentivo para que esses profissionais optem por uma carreira no setor público.

A retenção de talentos no serviço público é crucial para garantir a continuidade e a qualidade dos serviços prestados à população. Servidores bem remunerados, e valorizados, tendem a permanecer em seus cargos por mais tempo, reduzindo a rotatividade de pessoal e mantendo a expertise e o conhecimento institucional.

Além disso, a retenção de talentos também contribui para a estabilidade e a efetividade das políticas públicas uma vez que os servidores públicos podem desenvolver expertise em suas áreas de atuação ao longo do tempo, promovendo a melhoria contínua dos serviços prestados.

Portanto, é crucial que o padrão remuneratório no serviço público seja adequado e alinhado com as exigências das funções desempenhadas. Isso contribuirá para a retenção de talentos, a valorização dos servidores públicos e a qualidade dos serviços prestados à sociedade.

Conclusão

Este artigo buscou trazer à baila o que se observa no serviço público há décadas: saída de servidores públicos para ingresso em outras carreiras com maior remuneração. O termo “carreira de passagem”, ou “cargo de passagem”, é um termo jocoso para se referir a um assunto que é tão sério e relevante no atual estágio de nossa sociedade democrática.

Como  fica o serviço com a saída do servidor aprovado em concurso com melhor remuneração? Os colegas conseguirão absorver a demanda? Haverá prejuízo à sociedade? Certo que os colegas tentarão absorver o serviço. E, também, é claro que implicará em algum prejuízo à sociedade.

Posto essas questões, fica a reflexão sobre a necessária justiça remuneratória a ser empregada no serviço público, seja federal, estadual ou municipal. E, é claro, a urgência de correção da disparidade remuneratória entre os Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário para que se ponha um fim à “carreira de passagem” no serviço público.

 


[1] CORRÊA, Izabela et. al. Distorções de incentivo ao desempenho e redução de motivação no serviço público federal no Brasil. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília 71 (3) 297-329 jul/set 2020. Pág. 487.

[2] Art. 3o Cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. Parágrafo único.  Os cargos públicos, acessíveis a todos os brasileiros, são criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.

[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum. 2010. p. 903.

[4] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Op. cit. p. 254.

[5] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. – 5ª edição revista e atualizada. – Belo Horizonte : Fórum, 2016. Pág.797.

[6] Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Vencimento (no singular) corresponde ao padrão do cargo público fixado em lei, e os vencimentos são representados pelo padrão do cargo (vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema remuneratório do servidor público. Vantagens pecuniárias são as parcelas acrescidas ao vencimento do servidor em razão de situações previstas em lei. As vantagens pecuniárias compreendem os adicionais e as gratificações; Vantagens pessoais correspondem às vantagens pecuniárias que integram a remuneração do servidor em caráter permanente. O Subsídio corresponde ao sistema de remuneração em que o agente é remunerado por meio de parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

[7] CORRÊA, Izabela et. al. Distorções de incentivo ao desempenho e redução de motivação no serviço público federal no Brasil. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília 71 (3) 297-329 jul/set 2020. Pág. 480.

[8]Idem. Pág. 805.

[9] Idem ibdem. Pág 806.

[10] CORRÊA, Izabela et. al. Distorções de incentivo ao desempenho e redução de motivação no serviço público federal no Brasil. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília 71 (3) 297-329 jul/set 2020. Pág. 483.

[11] CORRÊA, Izabela et. al. Distorções de incentivo ao desempenho e redução de motivação no serviço público federal no Brasil. Revista do Serviço Público (RSP), Brasília 71 (3) 297-329 jul/set 2020. Pág. 484.

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