sexta-feira, 12 de julho de 2024

Juízes se autoconcedem novo benefício que parte de R$ 7,2 mil mensais ou folga a cada 4 dias trabalhados; critérios vão desde área de fronteira até acúmulo de processos

 



O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, por unanimidade, que, a partir de 1º de janeiro de 2025, juízes e juízas federais e estaduais terão direito a receber um novo benefício que irá render mais de R$ 7,2 mil mensais a vários deles. Para poder receber esses valores, os magistrados deverão atender a alguns critérios relacionados à lotação – esses critérios, porém, são bastante amplos, podendo alcançar a uma parcela importante da magistratura. Não há previsão do impacto financeiro da medida.


O benefício é chamado de “Política Pública de Estímulo à Lotação e à Permanência de Magistrados(as) em Comarcas de difícil provimento” no processo de número 0000927-53.2024.2.00.0000. O relator foi o conselheiro Guilherme Feliciano e, conforme a ementa, o objetivo é “instituir política de estímulo à lotação e à permanência de Magistrados(as) em Comarcas definidas como de difícil provimento”. Antes de ser aprovada pelo Conselho, a proposição foi referendada pelo Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição.

O novo benefício dará o direito a um dia de licença compensatória a cada quatro dias de lotação com residência na sede da Comarca, com possibilidade de conversão em indenização. Considerando que o subsídio de um juiz estadual em início de carreira é de R$ 28,9 mil, o adicional parte de cerca de R$ 7,2 mil.



Não é somente a lotação que determina o “direito”

A resolução prevê uma série de possibilidades para o recebimento do adicional, que podem ser compreendidas em três níveis:

  1. O pagamento é obrigatório a todos os magistrados e magistradas que atuarem em comarcas com as seguintes características: unidade em município com pouca estrutura urbana (com população inferior a 30 mil habitantes); unidade em zona de fronteira (situada a até 150 km em linha reta de qualquer fronteira internacional); unidade muito distante (situada a mais de 400 km de distância pela via rodoviária mais curta da sede do respectivo tribunal – no caso de tribunais com jurisdição sobre mais de um estado, que diste também mais de 400 km de quaisquer das capitais dos demais estados que integrem a respectiva jurisdição).

  2. O pagamento ficará a critério de cada tribunal nas comarcas caracterizadas como “unidade de atuação especial”. São elas as que possuírem “significativa rotatividade de Magistrados(as) Titulares ou Substitutos(as), ou competência de matéria de alta complexidade ou demandas de grande repercussão ou exponha o(a) Magistrado(a) a agravado risco de segurança”. Conforme o relatório, indicam-se para esse caso unidades “situadas em Capitais de Estados ou em cidades maiores com competências especializadas, com competências envolvendo crime organizado, corrupção, tráfico internacional, fiscalização do sistema prisional, desastres ambientais, violações de direitos humanos, conflitos agrários ou com povos tradicionais, dentre outras possibilidades”.

No caso do item 2, o total de unidades enquadradas não poderá ultrapassar 10% do total do respectivo tribunal. Para as demais, há o item 3:

  1. O Observatório de Causas de Grande Repercussão do CNJ-CNMP e a Corregedoria Nacional de Justiça poderão conferir a natureza de unidade de atuação especial a outras unidades judiciárias não contempladas pelo respectivo tribunal.

De acordo com o Censo 2022 do IBGE, cerca de 80% dos 5.570 municípios brasileiros têm menos de 30 mil habitantes e se enquadram, portanto, nos critérios do CNJ relacionados ao tamanho da população. No Rio Grande do Sul, 424 dos 497 municípios (ou seja, mais de 85%) têm população maior do que 30 mil habitantes. Além disso, uma parte importante do país – e mais ainda do RS – encontra-se na zona de fronteira.

Sobrecarga para magistrados? Saída para conselheiro é contratar trabalhadores sem concurso para comarcas

O relatório do conselheiro Guilherme Feliciano aponta, entre os argumentos, o fato de que em parte dessas unidades há “deficiências nos quadros de servidores”, o que conduz “a uma frequente sobrecarga de trabalho” – dos magistrados. No mesmo sentido, lamenta que nas comarcas menores não há “implementação do instituto da residência jurídica”. Essa modalidade de contratação vem desde 2022 se espalhando pelo país, voltada para pessoas “que estejam cursando especialização, mestrado, doutorado, pós-doutorado ou, ainda, que tenham concluído o curso de graduação há no máximo 5 (cinco) anos”, conforme resolução do CNJ. O salário é chamado de bolsa de auxílio e tem valor estipulado pelos respectivos órgãos. Trata-se de uma espécie de substituição de mão de obra, extremamente mais barata, inclusive com outra forma de ingresso.

Por outro lado, o relatório argumenta que outras comarcas, “embora possam ter estruturas urbanas mais robustas, apresentam volume ou tipo de trabalho que implica sobrecarga acima da média, com acentuado desgaste pessoal, familiar e profissional, provocando alta rotatividade nos quadros e gerando obstáculos ao seu provimento”. Dessa forma, defende, “a dificuldade de provimento pode decorrer, tanto da localização remota e da baixa estrutura da sede da comarca, como também de uma combinação de afastamento ou distância da sede e da quantidade e natureza das demandas em tramitação, de forma que cidades de médio porte e com grande volume de trabalho também podem ser enquadradas nessa categoria”.

Autoconcessões da magistratura viraram rotina

Nos últimos meses, o Sintrajufe/RS vem publicando uma série de matérias denunciando as autoconcessões da magistratura e seus efeitos que já começam a aparecer no orçamento do Judiciário. Entre outras autoconcessões, o pagamento de adicional por tempo de serviço (quinquênio) vem ocorrendo em diversos tribunais, mesmo com definição em contrário em tribunais superiores. Agora, o STF pode retomar a qualquer momento dois julgamentos relativos ao tema. Veja AQUI.

Outro exemplo é a chamada “licença compensatória”, que gera um dia de folga para cada três dias de exercício ou o equivalente em pecúnia para magistrados e magistradas, podendo ultrapassar R$ 11 mil mensais. No Rio Grande do Sul e em outros estados, pagamentos de direitos de servidores e servidoras já chegaram a ser suspensos por falta de orçamento gerada por essas autoconcessões.

O Sintrajufe/RS vem há muito tempo alertando que a criação de benefícios autoconcedidos pela magistratura consome os recursos de todo o Judiciário, na medida em que não há orçamento definido para esses pagamentos. E esse cenário gera riscos também para medidas como a nomeação de novos servidores e servidoras para vagas abertas. Ao mesmo tempo, esse “cobertor curto” faz aumentar a pressão para que “soluções criativas” sejam implementadas em detrimento da realização de concursos públicos e da valorização de servidores e servidoras. São exemplos desse processo as terceirizações e a contratação de “residentes jurídicos” por uma fração de um salário de um técnico ou analista concursado, numa evidente substituição de mão de obra.

Foto: Luis Silveira/Agência CNJ


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