A nova presidente falou dos principais desafios que vai enfrentar e como pretende promover a reintegração social dos jovens, após cumprirem suas medidas socioeducativas. “O principal foco é promover a autonomia deles por meio da inserção no mercado de trabalho, buscando contribuir para que eles realizem os seus projetos de vida, elaborados durante o cumprimento da medida, e, assim, evitemos a reincidência”, declarou.
Confira a entrevista de Paulo Melo com Claudia, na íntegra:
1. Quais são os principais desafios que você vai enfrentar à frente da Fundação CASA?
Cláudia Carletto – A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) é um órgão do Governo do estado de São Paulo com uma história centenária de atendimento a uma parcela vulnerável da população jovem paulista. Hoje atende apenas a adolescentes que cometeram ato infracional, mas já atendeu também crianças em situação de abandono em todo o estado. No século XXI, a instituição passou por diversas transformações, saindo do modelo Febem, da antiga Fundação para o Bem-Estar do Menor, para a proposta que institucionalmente respeita os direitos humanos dos jovens atendidos, além de seguir as diretrizes que constam na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que a Fundação CASA hoje. Na última década, a Instituição enfrenta uma queda no número de adolescentes atendidos, em 2019 atendemos mais de 9 mil adolescentes e hoje são atendidos 4.500, o que demanda equilibrar a prestação do serviço público com qualidade e com a eficiência do orçamento público.
2. Você acha que a Fundação está cumprindo sua missão de ressocialização de jovens em conflito com a lei? Por quê?
Cláudia Carletto – A missão da Fundação CASA é executar, direta ou indiretamente, as medidas socioeducativas com eficiência, eficácia e efetividade, garantindo os direitos previstos em lei e contribuindo para o retorno do adolescente ao convívio social e como protagonista de sua história. Só que é necessário pensar que a Fundação CASA é parte de um sistema socioeducativo, que envolve ainda o Poder Judiciário, o Legislativo, a família, o Estado e a sociedade, cada um com um papel a cumprir. Ou seja, não agimos sozinhos e não alcançamos o resultado sozinhos. A Constituição Federal diz que a garantia e a promoção dos direitos dos adolescentes é dever, por ordem, da família, da sociedade e do Estado. No que cabe à instituição, temos servidores dedicados ao atendimento dos adolescentes, que oferecem ferramentas para eles retornem com dignidade e direcionamento à sociedade, procurando evitar que se envolvam novamente com a criminalidade. Mas nós, como sociedade, também precisamos oferecer as ferramentas que eles precisam depois de cumprirem a medida socioeducativa.
3. Como presidente da Fundação CASA como pretende lidar com a questão da superlotação e garantir condições adequadas aos jovens sob sua custódia?
Cláudia Carletto – A superlotação dos centros de atendimento ocorreu no passado e não é, nem de longe, a realidade que enfrentamos hoje. Desde 2019, a Fundação CASA vê o número de adolescentes atendidos cair, o que nos levou, inclusive, a suspender o atendimento de 49 centros socioeducativos no estado. Hoje a estrutura conta com 98 centros de atendimento localizados em 41 municípios do estado de São Paulo, que oferecem 5.868 vagas. Na quarta-feira [08/05 quando foi entrevistada], a Fundação CASA contava com 4.561 adolescentes de ambos os sexos em atendimento, o que significa uma taxa de ocupação de 78%. No ano de 2019, por exemplo, tínhamos mais de 9 mil jovens atendidos. É uma queda brutal que nos levou a tomar medidas de rearranjo organizacional ao longo dos últimos anos.
4. Como você vê o papel da educação dentro do programa de ressocialização da Fundação CASA e quais iniciativas você pretende implementar nessa área?
Cláudia Carletto – A educação é fundamental, o eixo estruturante do serviço que prestamos. Aqui é importante entender que a educação na medida socioeducativa não é só a escola, com as aulas que temos com os professores da rede pública estadual dentro dos centros de internação e internação provisória, numa parceria muito importante com a Secretaria de Estado da Educação. Ela também abrange a educação profissional, o acesso à arte e à cultura e a prática de esporte e lazer. Pretendo manter a linha técnica estrutural da educação na instituição, mas buscando aprimorar a gestão e mecanismos administrativos, pois temos diversos parceiros que trabalham conosco, além de ações realizadas por instituições que prestam serviços que corroboram na formação dos nossos jovens.
5. Como pretende promover a reintegração social dos jovens após cumprirem suas medidas socioeducativas?
Cláudia Carletto – Vamos acentuar o trabalho com os municípios para implementar o Programa Novos Tempos, uma iniciativa importantíssima que já existe na Fundação CASA para oferecer oportunidades aos adolescentes quando terminam de cumprir a medida socioeducativa, seja de internação, internação sanção ou semiliberdade. O principal foco é promover a autonomia deles por meio da inserção no mercado de trabalho, buscando contribuir para que eles realizem os seus projetos de vida, elaborados durante o cumprimento da medida, e, assim, evitemos a reincidência. O Programa é realizado em parceria com as prefeituras. Participam os jovens que aderirem a ele voluntariamente durante o cumprimento da medida socioeducativa e que forem desinternados pelo Poder Judiciário com extinção da medida. A iniciativa não envolve os adolescentes que saírem para liberdade assistida porque esses ainda estarão cumprindo medida socioeducativa que é executada pela prefeitura na cidade de origem do jovem.
6. Quais são as parcerias estratégicas da Fundação CASA com outras instituições governamentais e não governamentais para fortalecer seu trabalho?
Cláudia Carletto – A Fundação CASA já tem diversas parcerias governamentais e não governamentais que fortalecem o nosso trabalho. Dentro do Governo do Estado, contamos com a Secretaria de Estado da Educação, que tem um projeto específico para professores ministrarem aulas dentro dos nossos centros de atendimento, além da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, que oferece aos adolescentes oficinas musicais com os polos do Guri. Com o chamado terceiro setor, temos laços com o Senac São Paulo e a Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT) na execução de cursos de educação profissional básica, com turmas de duração trimestral. Também contamos com parceiros que fazem ações relacionadas com temas de direitos humanos, como o Instituto Mundo Aflora e o Instituto Papel de Menino, fora os diferentes parceiros locais que a gestão de cada centros de atendimento consegue angariar.
7. Sobre a questão de saúde mental, como pretende abordar essa questão com os jovens em custódia da Fundação CASA? Atualmente, você acha que oferece apoio psicossocial adequado?
Cláudia Carletto – A saúde mental dos adolescentes atendidos, assim como dos servidores, é uma preocupação para nós. Em relação aos jovens, temos psicólogos que realizam atendimentos periódicos e, quando necessário, são encaminhados para acompanhamento psiquiátrico na rede pública nos Centros de Atenção Psicossocial, os chamados CAPS. Para eles ainda temos internamente o Programa de Psicoterapia, que se baseia nas técnicas da psicoterapia breve em sessões presenciais ou on-line. Os profissionais da psicologia na Fundação possuem cadernos orientadores de como realizar o seu trabalho e, em casos mais complexos, temos uma cartilha de prevenção e um orientador de saúde mental. Já os servidores podem ter tratamento psiquiátrico e psicológico por meio do plano de saúde oferecido, além de acompanhamento por equipes de psicólogos e assistentes sociais nas divisões regionais.
8. Quais são os programas de capacitação profissional oferecidos pela Fundação CASA e como eles estão contribuindo para a preparação dos jovens para o mercado de trabalho?
Cláudia Carletto – Na internação, os adolescentes que atendemos, com idade a partir de 14 anos, frequentam cursos de educação profissional básica em diferentes áreas, como serviços e tecnologia, com aulas ministradas presencialmente por educadores do Senac São Paulo e da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT). São formações com 50 horas de duração, com aulas que acontecem duas vezes na semana em ciclos trimestrais. Mas os jovens ainda podem fazer cursos on-line, em capacitações gratuitas ofertadas pela Fundação Bradesco e outras instituições. O foco está em proporcionar o acesso a formações que contribuam para que estejam minimamente preparados para o mercado de trabalho. Há um ponto importante: todos os certificados de conclusão dos cursos são emitidos pelas instituições que realizaram as formações, como o Senac São Paulo e a FAT.
9. Você acha que a Fundação CASA está promovendo a participação da família dos jovens durante o período de internação? E após a sua liberação?
Cláudia Carletto – Sem dúvidas! A participação da família é fundamental na execução da medida socioeducativa, pois é para o núcleo familiar que o adolescente retornará depois que cumprir a medida imposta pelo Poder Judiciário. E é importante entendermos que as famílias desses adolescentes na maioria das vezes não são formadas por pai, mãe e filhos. Muitos dos jovens que chegam para nós vêm de famílias matriarcais: cresceram sem a presença do pai, ficando todo o cuidado e o sustento sob responsabilidade das mães, avós e tias. Na maior parte das vezes, quando essas mulheres vão aos centros de atendimento acompanhar seus filhos, se sentem mal por não terem cuidado direito dos seus filhos e se culpam. O nosso trabalho também acaba sendo de acolhê-las. Temos uma adesão grande de participação familiar durante a medida socioeducativa, o que nos ajuda muito cotidianamente com os jovens.
10. Como pretende abordar a questão da redução da reincidência entre os jovens que passam pelo sistema socioeducativo da Fundação CASA?
Cláudia Carletto – A expansão do Programa Novos Tempos é primordial para reduzir a reincidência, com o acesso ao trabalho e a ferramentas que proporcionem ao adolescente superar o ciclo de envolvimento com a criminalidade. Mas, para obtermos êxito, necessitamos do apoio da sociedade, seja por meio do Poder Público, com as prefeituras, seja das empresas, empresários, empreendedores e terceiro setor, que possam oferecer oportunidades de estágio, de aprendiz, de emprego ou até mesmo formação para que os adolescentes possam se capacitar e empreender. Estamos de portas abertas para parcerias com empresas privadas e públicas que possam oferecer oportunidades aos jovens da Fundação CASA.
11. Espaço aberto às suas considerações finais ou algum tema que acha de suma importância abordar!!
Cláudia Carletto – Presidir a Fundação CASA é um desafio que enfrentarei e pelo qual agradeço ao Governador Tarcísio de Freitas e o secretário de Estado da Justiça e Cidadania, Fábio Prieto, por terem confiado na minha experiência na vida pública para essa missão. Ouvirei as demandas dos servidores, avaliarei o que pode ser melhorado na gestão administrativa e implementarei ações para manter e até melhorar a qualidade do serviço prestado, que é uma referência no Brasil. Somos o maior sistema socioeducativo no país e aquele com maior visibilidade, o que faz com que o nosso compromisso com os direitos humanos dos adolescentes e dos servidores seja primordial.
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