3º Congresso de Operações Policiais (COP) reuniu autoridades e empresas do setor de segurança e defesa; reportagem visitou Bolsonaro Store e conheceu drone que dispara gás lacrimogêneo no evento
A entrada principal do 3º Congresso Internacional de Operações Policiais (COP) exibia transportes das polícias Civil e Militar do estado de São Paulo: helicóptero, ônibus, viaturas, blindados e motocicletas. Logo pela manhã de quarta-feira (25/10), um grupo de cadetes da Academia do Barro Branco, escola de formação de oficiais da PM paulista, entrou em peso e se dividiu entre buscar os lugares para assistirem a abertura do evento e tirar fotos em frente às viaturas expostas, sempre com a expressão de seriedade, de cara amarrada e braços cruzados.
Também ali na São Paulo Expo, onde o evento era sediado, havia um ônibus da Academia da Polícia Civil Doutor Coriolano Nogueira Cobra (Acadepol), onde se formam futuros policiais civis. Policiais de diversos estados, fardados, participavam. A banda da PM paulista começou a tocar a música-tema da série televisiva Game of Thrones e logo depois um vídeo de contagem regressiva com imagens de policiais fazendo flexões enquanto cada um dizia um número foi exibido para indicar a inauguração do congresso, que acontecia pela primeira vez em São Paulo após duas edições em Florianópolis (SC).
No palco, a abertura contou com a presença do secretário de Segurança Pública de São Paulo Guilherme Derrite, o comandante-geral da PM paulista coronel Cássio Araújo, o delegado-geral da Polícia Civil paulista Artur Dian, o secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Sul e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) Sandro Caron, o comandante-geral da PM baiana e presidente do Conselho Nacional dos Comandantes-Gerais das Policiais Militares (CNCG-PM) coronel Paulo Coutinho, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e atual diretor-presidente do Detran de São Paulo Eduardo Aggio de Sá e o idealizador da COP João Sansone.
As falas das autoridades públicas enfatizavam muito que o evento estava contando com profissionais que “realmente” entendem de segurança pública, que são “os verdadeiros especialistas” em segurança pública e que ali era um espaço de integração entre as polícias e empresas do setor com um único objetivo de “proteger pessoas e combater o crime”, como o próprio Derrite disse. Enquanto explicava como funcionava a atuação da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), o secretário afirmou que a pauta de segurança pública é “suprapartidária” pois o criminoso “não escolhe a vítima por ser de esquerda ou de direita para roubar”.
A poucos metros dele estava o único estande que não era do setor de tecnologias ou armas e que estava vendendo camisetas e canecas com estampas de imagens do ex-presidente Jair Bolsonaro, do astrólogo Olavo de Carvalho, morto em 2022, frases como “shot like a girl” (atire como uma garota, em tradução livre) e outros artigos do gênero da Bolsonaro Store, loja do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Derrite, inclusive, foi o primeiro palestrante de uma programação de três dias. Ali, voltou a enaltecer a Operação Escudo, que foi deflagrada em 28 de julho após o assassinato de um soldado da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e que deixou 28 mortos em 40 dias, e atacou a imprensa. O secretário foi aplaudido e ovacionado quando disse que aconteceria uma Operação Escudo para cada policial que fosse assassinado e que cada agressor seria “caçado” no estado. Após as palmas, ele fez uma pausa e prosseguiu: “Quando eu falo ser caçado, preferencialmente será preso. Eu sei que tem órgãos na imprensa aí que estão loucos para soltar uma notinha”, declarou.
Também atacou jornalistas ao dizer que parte da imprensa é “canalha”, publica “fake news” e trabalha “a serviço do crime” e voltou a descredibilizar denúncias de violência policial na operação. “Os senhores acham que aquela conversa furada de uma imprensa, uma parte da imprensa canalha, que solta fake news dizendo que o indivíduo foi torturado, arrancaram as unhas e depois executado, nenhum laudo do Instituto Médico Legal apontou hematomas, muito menos sinais de tortura”, afirmou Derrite. “Como diria um ex-comandante meu: esses indivíduos, não é que eles torcem para o outro lado. Eles trabalham a favor do crime, esses covardes”, emendou.
As declarações foram repudiadas pelo Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, que pediu em nota pública ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) a exoneração do secretário. “As acusações do secretário não só revelam comportamento incompatível com a responsabilidade que se espera de um agente público, mas a linha autoritária e fascista adotada pelo governo Tarcísio de Freitas-Felício Ramuth na política de Segurança Pública no Estado de São Paulo”, diz trecho do texto.
Depois da palestra de Derrite, secretários de Segurança Pública de diversos estados e comandantes-gerais das PMs se reuniram a portas fechadas. Conversei com um policial militar da Bahia que disse que foi à feira ver as novidades apresentadas pelas empresas, já que a pretensão é que o estado faça aquisições. No Diário Oficial do mesmo dia, tinha saído um aviso de abertura de pregão internacional para a aquisição de blindados, os chamados “caveirões”, para o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) da PM baiana. “A gente quer comprar fuzil, comprar um monte de coisa porque não sei se você tá acompanhando, mas a situação lá tá difícil”, disse.
A violência na Bahia explodiu nos últimos 16 anos sob o governo petista, tanto em mortes violentas intencionais quanto na letalidade policial. Consegui abordar o secretário da pasta, Marcelo Werner, após a reunião. “A gente usa os blindados da Polícia Federal, então essa vai ser a primeira aquisição para as polícias da Bahia”, me informou. Ele não quis dar maiores detalhes, apenas de que seriam usados em “áreas de alta periculosidade”. Os blindados a que ele se referiu são os três que o governo federal cedeu em setembro que fazem parte das ações da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) junto com as polícias estaduais e que são contestadas por especialistas pelo aumento da letalidade.
As polícias de São Paulo tinham seus próprios estandes e demonstravam funcionamento de armas e tecnologias usadas pelas corporações, cujas fabricantes também estavam expondo no evento. A Ponte procurou a Secretaria da Segurança Pública do estado para saber se o governo estadual havia aplicado recursos no congresso e custeado a presença de todos os policiais envolvidos, mas não teve resposta.
Na parte da PM, em que estavam representantes da Rota, do Comandos e Operações Especiais (COE) e Tropa de Choque, era possível ver alguns armamentos, como uma das metralhadoras leves Negev da Israel Weapon Industries (IWI), que disparam de 650 a 700 balas por minuto. Um policial do COE explicou que as 10 armas adquiridas estão divididas entre os batalhões de choque e especiais. “No COE, nós temos três”, informou. Ele disse que as levaram para o litoral paulista no âmbito da Operação Escudo, mas não chegaram a usar. “Elas ficavam na viatura porque são pesadas e para o patrulhamento a gente usa fuzil 7,62”, afirma. “Com essa metralhadora dá para derrubar barco.”
Ele enfatizou que essa é uma arma de guerra que é necessária para o tipo de operação que realizam, que o treinamento para seu uso é específico e que, a depender da munição empregada, o tiro pode furar blindagem de carros. “Os criminosos atiram na gente com fuzil e usam carros blindados”, disse, ao me responder que as viaturas da polícia não são blindadas.
Ao lado, policiais do Centro de Operações da PM – Olho de Águia mostravam os drones usados para monitoramento em operações e protestos, por exemplo. Em 2017, a Ponte revelou como o Olho de Águia era usado para monitorar manifestações e cujas imagens e eram — e ainda são — tratadas sob o viés do sigilo. Ao contrário das filmadoras de mão, um policial me explicou que esse uso no chão ficou mais raro, já que os drones permitem um alcance maior. “Eles têm reconhecimento facial”, disse.
Um desses drones, que é gigante, é usado em ações específicas pois o barulho das asas é muito alto, diferentemente dos drones menores que são mais silenciosos e usados com mais frequência em protestos na rua. As lentes também conseguem captar sinais de calor, ou seja, contém câmeras térmicas. O PM não quis detalhar o que eles fazem com as imagens armazenadas pois é “sigiloso”.
Outros estandes chamavam a atenção pelas tecnologias que expunham ali. A brasileira Condor, conhecida pelo monopólio de armas menos letais, estava expondo um drone gigante, chamado Condor Drop, para lançamento de munição química — gás lacrimogêneo, agentes líquidos no geral, jato de spray de pimenta. “Já é usado pelo governo de Angola”, disse um representante da empresa.
O drone pode alcançar uma altura de 30 a 70 metros de altura e voar por até 20 minutos. “Esse é um lançamento aqui na feira porque conseguimos a autorização do Exército ontem”, prosseguiu o representante, já que o Exército é responsável pelo controle e certificação de munições, sendo que o tipo de cartucho que esse drone lança é tratado como um produto diferente do que já é comercializado. O equipamento também tem câmera e GPS.
A Condor ainda lançou no local a Cop Eyes, uma câmera corporal para as polícias, como forma de concorrer com a norte-americana Axon, que fazia exposição no congresso com estande próprio.
PMs explicaram que a empresa tem uma tolerância de três horas para atender caso algum problema aconteça e que há formas de ajustar o encaixe na farda para que uma arma de grande porte, como o fuzil, não atrapalhe a gravação – como encaixar a câmera no ombro e não no peito.
A Axon, que aluga 10.125 câmeras para a PM paulista, além de armas de eletrochoque (tasers), estava lançando uma nova versão de bodycam que condicionava o acionamento da gravação de interesse, ou seja, com áudio e imagens em alta resolução, quando o policial tirava a arma do coldre e o tempo de gravação aumentou de 12 para 14 horas. Essa versão não é a que a polícia paulista usa atualmente. O representante da Axon disse que a empresa tem a expectativa de ampliar o contrato, mas depende do governo estadual.
“Os únicos problemas que tivemos foram de mau uso do equipamento, como de não encaixar direito na doca (onde descarregam imagens), ou impacto, como já aconteceu de bater a viatura e atingir o equipamento, mas [problemas] de gravação e de armazenamento das evidências nunca tivemos”, disse Thiago Duarte, gerente de contas da Axon.
Na exposição, também havia uma cabine de teste para tiro ao alvo e outra para teste de taser. A reportagem esteve presente apenas no primeiro dia do congresso.
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