segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Fundação CASA, Verba trabalhista de servidor cabe à Justiça comum, diz Alexandre

 


O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, cassou decisão da Justiça do Trabalho envolvendo verbas trabalhistas de empregado público da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa) e determinou a remessa do caso à Justiça Comum.

Na Reclamação, a Fundação Casa sustentava que a Justiça do Trabalho teria desrespeitado interpretação fixada pelo STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.395, de que a competência desse ramo do Judiciário não abrange causas entre o poder público e servidores a ele vinculados por relação jurídico-estatutária.

Segundo a fundação, o caso trata da aplicabilidade de norma prevista em portaria administrativa (plano de cargos e salários), cabendo à Justiça Comum o julgamento.

Ao julgar procedente o pedido, o relator, ministro Alexandre de Moraes, explicou que a Justiça do Trabalho havia reconhecido sua competência para julgar a ação porque o funcionário havia sido contratado pelo regime da CLT.Ocorre que a controvérsia tem origem no direito à progressão por merecimento e no pagamento das diferenças salariais decorrentes do Plano de Cargos, Carreira e Salários. "A origem da controvérsia está justamente no vínculo jurídico-administrativo definido entre as partes", afirmou.

Portanto, para o ministro, é irrelevante, no caso, para fins de definição da competência jurisdicional, o fato de a fundação aplicar o regime celetista aos quadros de empregos públicos. Com informações da assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal.

Veja abaixo a decisão

RECLAMAÇÃO 61.258 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

RECLTE.(S) :FUNDACAO CENTRO DE ATENDIMENTO

SOCIOEDUCATIVO AO ADOLESCENTE -

FUNDACAO CASA - SP

ADV.(A/S) :OCTAVIO AUGUSTO FINCATTI FORNARI

RECLDO.(A/S) :JUIZ DO TRABALHO DA 83ª VARA DO TRABALHO

DE SÃO PAULO

ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

BENEF.(A/S) :FERNANDO ROZENDO DO NASCIMENTO SANTOS

ADV.(A/S) :SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO

Trata-se de Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada

pela Fundação Casa-SP – Centro de Atendimento Socioeducativo ao

Adolescente, contra decisão proferida pelo Juízo da 83ª Vara do Trabalho

de São Paulo (Processo 1000343-39.2023.5.02.0083), que teria

desrespeitado o decidido na ADI 3.395 (Rel. Min. ALEXANDRE DE

MORAES, j. 16/4/2020, DJe de 1º/7/2020) e no Tema 1.143-RG (RE

1.288.440, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, j. 3/7/2023) ao reconhecer a

competência da Justiça do Trabalho para apreciar demanda envolvendo

verbas trabalhistas de empregado público previstas no Plano de Cargos e

Salários da instituição.

Na inicial, a parte autora expõe as seguintes alegações de fato e de

direito (Doc. 1):

“A r. sentença afastou a competência da justiça comum e

deferiu a verba prevista em Portaria Administrativa da

Fundação (plano de cargos e salários) nos seguintes termos: [...]

Em 15.4.2020, o Plenário deste Supremo Tribunal

confirmou a cautelar deferida e julgou parcialmente procedente

a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395/DF, para fixar

interpretação conforme à Constituição da República, no sentido

de que o inc. I do art. 114, alterado pela Emenda Constitucional

n. 45/2004, não abrange causas ajuizadas para discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público e seus

servidores. [...]

Temos que no caso em questão, o servidor público tem

uma relação jurídica- administrativa e o caso versa sobre a

aplicabilidade de norma prevista em Portaria Administrativa

(Plano de Cargos e Salários de servidor público), portanto

compete a JUSTIÇA COMUM o julgamento.”

Ao final, requer no mérito “seja julgada procedente a presente

reclamação constitucional, para cassar a sentença proferida nos autos da

Reclamação Trabalhista nº 1000343-39.2023.5.02.0083 que se encontra

atualmente na 83ª VARA DO TRABALHO EM SÃO PAULO para declarar a

Justiça Comum como competente para apreciação do feito, com fundamento na

decisão proferida na ADI 3.395/DF e TEMA 1143 STF.”.

É o relatório. Decido.

A respeito do cabimento de Reclamação para o SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, a Constituição da República dispõe o seguinte:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,

precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e

garantia da autoridade de suas decisões;”

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício

ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus

membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional,

aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa

oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do

Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas

esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua

revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei;


§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que

contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar,

caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-

a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão

judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com

ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”

Veja-se também o art. 988, I, II e III, do Código de Processo Civil:

“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do

Ministério Público para:

I - preservar a competência do tribunal;

II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III - garantir a observância de enunciado de súmula

vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em

controle concentrado de constitucionalidade;”

O paradigma de controle é o decidido por esta SUPREMA CORTE

na ADI 3.395, no qual, em sede de medida liminar, fixou-se o

entendimento de que o disposto no art. 114, I, da Constituição da

República não abrange as causas instauradas entre o Poder Público e

servidor que lhe seja vinculado por relação jurídico-estatutária. Tal

orientação foi posteriormente confirmada no julgamento de mérito da

referida ação direta nos seguintes termos: 

“CONSTITUCIONAL E TRABALHO. COMPETÊNCIA

DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, I, DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EMENDA CONSTITUCIONAL

45/2004. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE

FORMAL. EXPRESSÃO ‘RELAÇÃO DE TRABALHO’.

INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.

EXCLUSÃO DAS AÇÕES ENTRE O PODER PÚBLICO E SEUS

SERVIDORES. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR

CONFIRMADA. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE


PROCEDENTE. 

1. O processo legislativo para edição da Emenda

Constitucional 45/2004, que deu nova redação ao inciso I do art.

114 da Constituição Federal, é, do ponto de vista formal,

constitucionalmente hígido.

2. A interpretação adequadamente constitucional da

expressão ‘relação do trabalho’ deve excluir os vínculos de

natureza jurídico-estatutária, em razão do que a competência da

Justiça do Trabalho não alcança as ações judiciais entre o Poder

Público e seus servidores.

3. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada

parcialmente procedente.” (ADI 3.395, de minha relatoria,

Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020, DJe de 1º/7/2020).

Conclusão análoga foi adotada pela CORTE no julgamento do Tema

1.143-RG (RE 1.288.440, Rel. Min. ROBERTO BARROSO), conforme se

extrai da tese fixada: “1. A Justiça Comum é competente para julgar ação

ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela

de natureza administrativa, modulando-se os efeitos da decisão para manter na

Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os

processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de

publicação da presente ata de julgamento”. Por oportuno registro que a ata do

referido julgado foi publicada em 12/7/2023.

No caso, assiste razão à parte reclamante.

A Justiça Laboral afastou, por decisão proferida em 18/7/2023, a

preliminar de incompetência absoluta sob os seguintes fundamentos

(Doc. 7, fls. 2-3):

“INCOMPETÊNCIA MATERIAL

A Reclamada postula a declaração de incompetência deste

Juízo em razão da matéria, tendo em vista a natureza do

contrato mantido entre as partes. Incontroverso que o

Reclamante foi contratado pela Administração Pública sob

o regime celetista, conforme documentos juntados aos autos por

ambas as partes, o que atrai a competência desta Justiça


Especializada para o julgamento da presente reclamação.

Rejeito.”

Como se observa nos autos, a controvérsia estabelecida entre as

partes tem origem o direito à progressão por merecimento e o pagamento

das correspondentes diferenças salariais decorrentes do Plano de Cargos,

Carreira e Salários instituído pela Portaria Normativa 195/2010 (Doc. 3, fl.

29). Isso demonstra que a origem da controvérsia está justamente no

vinculo jurídico administrativo definido entre as partes, tornando

irrelevante, para fins de definição da competência jurisdicional, o fato de

a lei que autorizou a instituição da Fundação (Lei 185/1973 do Estado de

São Paulo) determinar a aplicação do regime celetista aos quadros de

empregos públicos criados, cujas regras não se discutem neste processo.

Tal circunstância jurídica é suficientemente apta a atrair a competência da

Justiça Comum (ARE 1319512, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe

de 30/04/2021).

Nesse mesmo sentido, menciono as seguintes decisões monocráticas,

envolvendo casos análogos: CC 8.216, Rel. Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, DJe de 10/06/2022; Rcl 52.320, Rel. Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, DJe de 24/03/2022; e Rcl 52.086, Rel. Min. CÁRMEN

LÚCIA, DJe de 22/03/2022. 

Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do

Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE

o pedido para cassar os atos decisórios proferidos na Justiça do Trabalho

e determinar a remessa dos autos à Justiça Comum.

Nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do

Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria-

Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 27 de julho de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente





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