Devido ao grave quadro de violações dos direitos humanos, a 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude do Foro Central de Poro Alegre determinou, no último dia 13/3, o afastamento dos agentes socioeducadores do Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino (Casef) do Rio Grande do Sul e a interdição do local.
Todos os agentes que ingressaram na instituição antes da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), de 2012, deverão ser remanejados para outras unidades ou para a sede da administração da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) gaúcha. Eles serão substituídos por agentes que tenham ingressado na carreira após a lei.
A interdição do local tem prazo de dez dias, prorrogável por mais dez. Durante esse período, todo o quadro de pessoal do Casef deve ser readequado para estar de acordo com o critério baseado na Lei do Sinase.
A juíza Karla Aveline de Oliveira partiu da premissa de que, a partir da norma de 2012, todos os servidores públicos que ingressaram na carreira estudaram e assimilaram os princípios da legislação mais moderna, que incorporou princípios de igualdade de gênero e direitos de adolescentes privadas de liberdade.
Além das determinações, a magistrada ainda recomendou a adoção de diversas medidas na unidade, como atividades formativas para servidores e socioeducandas sobre diversidade sexual e relações étnico-raciais; palestras sobre comunicação não violenta; implantação de programas de terapia psicanalítica ou psicosssocial; revisão do regimento interno; e instalação de serviço de denúncia de violação de direitos.
Contexto
O Casef é a única unidade feminina para cumprimento de medida socioeducativa no Rio Grande do Sul. A Defensoria Pública estadual acionou a Justiça e apontou diversas violações de direitos recorrentes no local.
Conforme a Defensoria, as adolescentes do Casef são submetidas a um forte controle dos seus corpos e roupas, uma hipervigilância do comportamento e das conversas e uma rotina intensa de atividades de limpeza — o que não ocorre nas unidades masculinas.
Enquanto os garotos podem usar suas próprias roupas e conversar com os demais socioeducandos, as garotas são proibidas de usar roupas curtas ou justas e não podem conversar entre si, falar gírias, levantar ou sair do lugar onde estão sem permissão, correr, brincar, emprestar objetos pessoais, entrar no banheiro junto a alguma colega, se tocar ou mesmo demonstrar qualquer forma de afeto.
As socioeducandas também não têm acesso direto a água potável, precisam despertar entre 6h e 6h30 e passam por sucessivas revistas com desnudamento e agachamentos repetitivos.
A Defensoria tenta barrar tais condutas desde 2018. Já foram feitas diversas tratativas extrajudiciais com agentes e a direção do Casef, sem sucesso.
O tema também já foi objeto de pelo menos três ações judiciais. Decisões anteriores repreenderam algumas práticas abusivas, como trancamento nos dormitórios, proibição de ingresso de travesseiros e fiscalização de higienização da roupa íntima.
Decisão
Com base em relatórios e depoimentos, Karla constatou "evidente discriminação de gênero", "violência de gênero" e ainda indícios da prática de tortura psicológica contra as socioeducandas.
Para a juíza, a imposição de uma rotina de trabalhos domésticos "dificulta a concentração em trabalhos intelectuais em face do desgaste físico e psíquico".
Como apontou a magistrada, as internas do Casef vivem em ambiente inadequado, sem contato semanal com familiares, sem interlocução com a comunidade e sem atendimento técnico semanal. Desta forma, "veem-se mais fragilizadas e com menos condições psíquicas de enfrentar o evidente sofrimento que causa toda e qualquer privação de liberdade".
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Processo 5037937-91.2023.8.21.0001
José Higídio é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 21 de março de 2023, 15h27
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