quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Mudança no regimento interno do Supremo possibilita retomada de casos parados

 


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Supremo Tribunal Federal aprovou alterações em seu regimento interno para restringir decisões individuais e limitar a 90 dias corridos o prazo para a devolução de pedidos de vista. O texto deve ser publicado no Diário da Justiça Eletrônico em janeiro do ano que vem e ainda pode passar por pequenas mudanças.

Alteração no regimento interno do STF
foi aprovada em sessão administrativaFellipe Sampaio/STF

Essa novidade, no entanto, não vale só para novos pedidos de vista: os casos que se encontram paralisados serão liberados em até 90 dias úteis a partir do momento em que a mudança entrar em vigor. Com isso, processos parados há anos podem voltar a andar em 2023. As medidas cautelares já decididas monocraticamente, mas que ainda não foram submetidas às turmas ou ao Plenário, também deverão ser analisadas colegiadamente em até 90 dias úteis.

    A mudança começou a ser discutida na gestão de Dias Toffoli, entre setembro de 2018 e setembro de 2020. Foi na atual gestão de Rosa Weber, no entanto, que a proposta se concretizou e passou a contar com amplo apoio.

    No começo, a medida era menos abrangente. Ela não tratava, por exemplo, dos casos nos quais já houve decisões individuais sem a submissão ao colegiado, segundo ministros consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Ou seja, a proposta inicialmente mirava pedidos de vista e medidas cautelares dadas depois que a alteração passasse a vigorar. No entanto, a Corte também decidiu mirar o passado para dar maior celeridade aos processos parados ou nos quais já há decisões monocráticas sem referendo.

    Todos os ministros fizeram propostas. Além de evitar paralisações por tempo indeterminado, a medida busca servir como uma espécie de mecanismo de controle, evitando que decisões individuais deixem de ser julgadas colegiadamente.

    O regimento interno do Supremo atualmente prevê o prazo de 30 dias para a devolução dos pedidos de vista. Se isso não for feito, no entanto, os processos continuam paralisados até que sejam devolvidos por quem pediu vista. Com a alteração, os casos só ficarão parados se não forem colocados em pauta depois de liberados.

    Maior celeridade
    Especialistas ouvidos pela ConJur afirmaram que a mudança abrange praticamente a totalidade das cautelares monocráticas. Com isso, evita que questões sensíveis que chegam à Corte sejam decididas individualmente. Eles também disseram que os processos devem tramitar mais rapidamente. 

    Marco Aurélio e Celso de Mello, ministros aposentados do STF, comemoraram a medida. "Palmas ao Supremo. Prazo sem sanção não é prazo. Quanto às liminares que normalmente devem ser implementadas pelo colegiado, nada mais natural do que impor a submissão de ato individual. Supremo é apenas o órgão máximo, o Plenário. Que haja, também, uma consequência quando não ocorrer", afirma Marco Aurélio.

    Para Celso de Mello, "a reforma que o STF vem de introduzir em seu Regimento Interno traduz medida de alta relevância, cuja efetivação constitui um dos importantes legados com que a ministra Rosa Weber assinala sua luminosa passagem pela presidência da Suprema Corte brasileira! Um dos pontos vitais dessa reforma reside na afirmação da primazia do postulado da colegialidade que consagra a preeminência das decisões coletivas do Tribunal e que representa, em sua própria essência, indiscutível fator de legitimação dos julgamentos emanados da Corte Suprema!", diz.

    "Outro aspecto de fundamental importância dessa reforma regimental repousa em cláusula dela constante que neutraliza os efeitos lesivos que resultam de pedidos de vista que culminam por retardar ou, até mesmo, por inviabilizar a conclusão de julgamentos importantes. O STF, ao estabelecer que os pedidos de vista deverão ser devolvidos ao colegiado em até 90 dias, sob pena de os processos serem automaticamente liberados para imediata continuação do julgamento, presta respeito e obediência ao que dispõe a Constituição da República em sua declaração de direitos e garantias, pois confere real aplicação ao mandamento constitucional que a todos assegura, no âmbito judicial, 'a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

    "Em suma: somente esses aspectos altamente positivos da reforma regimental que venho de destacar permitem  ressaltar , dentre muitos outros , o enorme significado de que se vem notabilizando, no Supremo Tribunal Federal, a presidência da ministra Rosa Weber! A reforma regimental  em questão, viabilizada sob a égide da presidência da ministra Rosa Weber, responde, com segurança e objetividade, à exigência legítima dos cidadãos da República que querem a instituição, em nosso País, de um sistema de administração da justiça que seja politicamente independente, processualmente célere, tecnicamente eficiente e socialmente eficaz", conclui Celso de Mello.

    Já a constitucionalista Vera Chemim acrescenta: "É importante enaltecer a alteração regimental porque ela garante maior segurança aos jurisdicionados no que se refere à exigência de remeter ao referendo do Plenário as medidas cautelares decididas monocraticamente. Assim, são evitados casos de abuso de autoridade ou atos injustos e ilegais".

    "Há muito tempo que se demandava uma maior disciplina quanto ao atendimento de prazos previstos na legislação e no próprio regimento do STF no que diz respeito aos pedidos de vista, que às vezes se 'perdiam de vista' graças à negligência em liberar os casos para julgamento", completou a especialista. 

    Eduardo Ubaldo, mestre em Direito Constitucional, afirma que a Corte se debruça há alguns anos sobre a possibilidade de restringir as decisões monocráticas. Segundo ele, há em parte da academia a percepção de que o STF funciona como um conjunto de 11 ilhas, o que não faz bem para a Corte. A alteração, diz ele, corrige esse problema. 

    "A mudança é a conclusão de um debate que está sendo gestado há alguns anos no Supremo, no sentido de limitar a atuação individual de seus membros. A concentração de poderes é problemática. Essa também é uma resposta ao Parlamento. Não são poucos os projetos de lei visando a restringir a concessão monocrática de liminares." 

    De acordo com Ubaldo, nos últimos meses muitas decisões individuais sobre questões sensíveis passaram a ser submetidas aos demais ministros, indicando que a corte já estava empenhada em dar mais respostas colegiadas. "Encaro essa mudança no regimento muito mais como uma normatização de algo que na prática já tem ocorrido em virtude do Plenário Virtual, que possibilita o referendo quase imediato das decisões", acrescenta.

    Segundo o advogado, a alteração no regimento será sentida em ações de controle concentrado e em liminares em Habeas Corpus. "O efeito prático será mais perceptível quando houver decisão suspendendo a eficácia de uma lei, por exemplo. Também nos casos penais. A tendência é que as liminares em Habeas Corpus passem por referendo." 

    Haderlann Chaves Cardoso, especialista em Direito Constitucional, diz que são bem-vindas todas as modificações que "emprestem celeridade aos julgamentos". Ele, no entanto, afirma que será um desafio para o STF conciliar os novos prazos regimentais com o volume de processos que chegam ao Supremo. 

    "Apesar da alteração, acredito que o desafio ainda será conciliar o cumprimento do prazo regimental com o elevado volume de processos que tramitam na Corte. A proposta de devolução automática deve ser vista com cautela, pois muitos julgamentos envolvem temas complexos, em que os resultados causam impactos sociais, econômicos e políticos, de modo que a solução não deve se pautar apenas pela celeridade."

    Para Lenio Streck, sócio do Streck e Trindade Advogados, as mudanças são bem-vindas. "Agora fica resolvido o impasse do pedido de vista não devolvido. E a remessa de decisão ao colegiado reafirma a legitimidade das decisões."

    Para Georges Abboud, sócio do Warde Advogados, "trata-se de medida salutar, que, além de organizar e agilizar os trabalhos do STF, confere maior accountability para o funcionamento da Corte. Grande parte dessas medidas era já defendida em sede doutrinária por texto escrito em coautoria com o ministro Gilmar Mendes".

    Segundo Gustavo Elias Macedo dos Santos, advogado pleno no GVM Advogados, a alteração deve evitar que casos sejam paralisados por um longo período.

    "Antes mesmo da alteração, o Regimento Interno do Supremo já previa um prazo de 30 dias para devolução dos pedidos de vista para julgamento. Mas como até então não era prevista a liberação dos autos após o transcurso desse prazo, era comum que um único ministro interrompesse por longos anos o julgamento", diz.

    Confira os principais pontos da alteração do regimento do STF:

    • Pedidos de medida cautelar de natureza cível ou penal devem ser submetidos ao Plenário ou às turmas em casos envolvendo "a proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação" ou para "garantir a eficácia da ulterior decisão da causa";
    • Em caso de urgência, o relator pode decidir sozinho, mas deve submeter sua decisão imediatamente ao colegiado para referendo;
    • As medidas cautelares concedidas em urgência serão automaticamente inseridas na pauta da sessão virtual do Plenário ou das turmas. O relator pode, no entanto, apresentar o caso na sessão presencial subsequente à decisão. Se o referendo não for analisado presencialmente, seguirá no virtual;
    • Medidas cautelares concedidas antes da mudança, mas ainda não analisadas por um colegiado, precisam ser submetidas ao Plenário ou às turmas em até 90 dias úteis, a contar da vigência da alteração, que deve passar a valer no mês que vem;
    • O ministro que pedir vista deve devolver os autos em até 90 dias corridos para que a votação seja retomada. Se isso não acontecer, o caso será automaticamente liberado para análise, sendo necessário que a presidência do tribunal ou o relator o coloque em pauta. Quando isso ocorrer, quem pediu vista fica obrigado a votar.
    • Casos paralisados por pedido de vista antes da alteração devem ser devolvidos em até 90 dias úteis.



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     é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.

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