Normativa do governo determina transferência compulsória de trabalhadores. “Esse cara vai me tirar da minha família”
Ouça o áudio:
Publicada pelo governo de São Paulo, no último dia 20 de setembro, a Portaria Normativa 367/2021 determina que os trabalhadores da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa-SP) serão transferidos compulsoriamente para outras unidades da entidade, a partir da próxima segunda-feira (4), de acordo com a necessidade do Palácio dos Bandeirantes.
Trabalhadores que conversaram com o Brasil de Fato relataram que o deslocamento para o novo local de trabalho pode chegar até 397 quilômetros. É o caso de Luana Silva (nome fictício), que terá que trabalhar na unidade de Franca, no interior de São Paulo.
“Eu moro no ABC Paulista (por segurança, o município não será revelado) e trabalho na unidade Raposo Tavares. Entre minha casa e o trabalho, é 1h30. Para chegar em Franca, são 5 horas na estrada, não tem como ir e voltar no mesmo dia. Meu marido trabalha em São Paulo, o (João) Doria (PSDB) quer separar minha família”, lamenta a servidora, citando o governador do estado.
A portaria normativa, assinada pelo presidente da Fundação Casa, Fernando José da Costa, que acumula o cargo de secretário de Justiça do estado, afirma.
“A transferência por necessidade da administração será utilizada nas situações em que não é possível suprir a necessidade de pessoal, do local de destino da transferência.”
No dia seguinte à publicação da normativa, os servidores passaram a receber e-mails do governo de São Paulo notificando a transferência de local de trabalho.
Gabriela Alves (nome fictício),que trabalha na unidade Brás, também recebeu o comunicado e terá que se apresentar em outra sede da Fundação Casa, em Cerqueira César, a 300 quilômetros da sua casa, na zona leste de São Paulo.
“Vão me tirar do meu contato com a minha família. Isso já está me adoecendo. Eu não estou dormindo direito, minha alimentação está alterada e meu sono também. Como eu vou para um lugar que eu não conheço e nem quero ir? Ninguém do centro onde eu trabalho sabia que isso aconteceria. Sabíamos que teríamos mudanças, mas não mandar lá para onde judas perdeu as botas. Todos os gestores foram pegos de surpresa. ", desabafou Alves.
“Mais de cem”
Na próxima sexta-feira (1º), o Sindicato dos Trabalhadores nas Fundações Públicas de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Privação de Liberdade (Sitsesp) terá uma audiência de conciliação, mediada pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT), com o governo de São Paulo, para tentar reverter a normativa e garantir estabilidade aos servidores da entidade em seus postos atuais de trabalho.
De acordo com a presidenta do Sitsesp, Cláudia Maria de Jesus, “mais de cem” trabalhadores já receberam a notificação de que serão transferidos e que devem comparecer, no dia 4 de outubro, na sede para qual foi deslocada. A dirigente defende que o governo de São Paulo realize concurso público para garantir a ocupação de todos os postos de trabalho no interior.
“O sindicato se posiciona contrário, não achamos justo, é desumano. É complicado, para pessoas que moram em São Paulo ou Grande São Paulo, se mudarem para cidades do interior como Franca, Atibaia, Bauru ou Sorocaba. As pessoas têm uma estrutura familiar em São Paulo e receber, de repente, um e-mail, dizendo que a partir de 4 de outubro os servidores deveriam se deslocar para esses centros”, diz Jesus.
:: Leia normativa na íntegra::
Na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), o deputado Carlos Giannazi (PSOL) anunciou que, entre outras medidas, apresentará uma representação para que a normativa seja derrubada.
“É de uma desumanidade, é uma portaria nefasta, essa. Ela está implantando um verdadeiro terrorismo, entre os servidores da Fundação Casa. Já acionei duas comissões aqui da Alesp, convocando o presidente da Fundação Casa para depor. Hoje à tarde, vou acionar o Ministério Público contra essa portaria. Eles vão mandar centenas de pessoas para o interior do estado”, encerra o deputado.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria de Justiça e a Fundação Casa.
A Fundação Casa esclarece que instituiu Portaria Normativa para regulamentar a transferência de servidores, por necessidade da Administração, entre as possibilidades de troca de lotações e como meio de utilizar racionalmente seus recursos humanos.
O contrato de trabalho dos servidores da Casa segue a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e prevê essa possibilidade. O então candidato prestou concurso público para uma macrorregião, atendida na admissão, e, ao assinar o contrato de trabalho, o servidor se submeteu a todas as cláusulas.
A transferência por necessidade da Administração só será utilizada se os outros três meios existentes não forem suficientes suprir a necessidade de pessoal do local de destino. Neste momento, dos 11 mil servidores existentes, apenas 77 serão transferidos para centros que necessitam recompor equipe.
A Portaria possui critérios objetivos para transferir: só ocorrerá para servidor cujo local de origem possuir quadro excedente (ou em menor defasagem); o funcionário não ter sido transferido compulsoriamente nos últimos dois anos; e aquele que possuir menor tempo de efetivo exercício.
A transferência é provisória, pelo período de um ano (prorrogável por mais um), e com recebimento de adicional de 25% sobre o salário base, de acordo com previsão legal do parágrafo 3º do artigo 469 da CLT.
Atualmente 121 centros socioeducativos funcionam em 47 cidades. Para racionalizar o uso dos recursos públicos, por causa da crise orçamentária ocasionada pela pandemia da Covid-19, desde 2020, a Fundação passou por uma reestruturação: suspendeu o funcionamento de 23 centros socioeducativos em 13 cidades e diminuiu o número de divisões regionais de 11 para oito.
Há pelo menos três anos tem ocorrido queda no atendimento da Fundação Casa: em 27 de dezembro de 2018, eram 7.625 adolescentes atendidos; em 30 de julho deste ano, o número caiu para 5.090, uma queda de 33,2%.
Edição: Anelize Moreira
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