G. é um dos seis jovens do Sistema Socioeducativo foi contratado para ingressar no mercado de trabalho após receber qualificação
“Se Deus quiser vai dar tudo certo. Vou trabalhar, cuidar do meu filho e ter uma vida digna”, aposta G., 18 anos, um dos seis jovens do Sistema Socioeducativo de Juiz de Fora selecionado para trabalhar como aprendiz na rede de supermercados Bahamas. A chance de um recomeço já no mercado de trabalho para aqueles que cumprem ou acabaram de deixar a medida socioeducativa é inédita na cidade e faz parte da primeira expansão para o interior do Programa de Incentivo à Aprendizagem de Minas Gerais “Descubra”, implantado pelo Governo do estado em agosto de 2019, por meio de parceria com o Ministério Público. A contratação aconteceu no último dia 14 e foi intermediada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
“Aqui no sistema, a equipe técnica e a direção fizeram uma seletiva para ver os adolescentes que estavam mais tranquilos (com bom comportamento). E eu fui escolhido”, comemora G. Além dele, foram selecionados no Centro Sociodeducativo Santa Lúcia dois adolescentes de 16 e 17 anos, outro jovem de 18 e um egresso, de 19 anos. O sexto participante, da mesma faixa etária, cumpre medida na Casa de Semiliberdade de Juiz de Fora. Todos receberam capacitação nas unidades de referência por meio de atividades batizadas de “Jovens Protagonistas do Futuro”. O objetivo foi prepará-los para as entrevistas de emprego, com formação pessoal e cidadã voltada ao trabalho.
“Achei muito bacana, gostei muito dessa nova oportunidade na minha vida. A partir daí, com emprego digno, vou alcançar meus objetivos, dar uma vida melhor para a minha família e para o meu filho, que vai completar 2 anos agora em março”, diz animado G. A experiência no mercado de hortifrutigranjeiros do pai vai ajudá-lo. “Posso oferecer um serviço mais qualificado. Vou trabalhar no setor administrativo, como auxiliar ou coisa do tipo”, conta ele, que vai precisar conciliar as 20 horas semanais no Bahamas com o nono ano do ensino fundamental, que cursa no turno da manhã no próprio Centro Socioeducativo. “Eu fiquei um tempo sem estudar porque, quando descobri que minha ex-esposa estava grávida, precisei começar a trabalhar para ter renda e poder ajudar.”
A vulnerabilidade social é marcante em boa parte dos internos do Santa Lúcia. Por isso, a oportunidade de já deixar o sistema empregado é vista com bons olhos pelo diretor do Centro Socioeducativo, Osnério Abreu. “Conseguimos fazer em dezembro o curso de pré-qualificação, para eles serem preparados para esta inserção. Um deles vai iniciar no dia 1º de fevereiro e, os outros cinco, em 1º de março, conforme cronograma do Senac junto ao Bahamas. Mas os contratos já foram assinados”, ressalta o diretor. Ele pôde ver de perto a alegria da mãe e do pai de dois adolescentes envolvidos no projeto. “Eles olham isso com uma esperança muito grande, porque os filhos vão cumprir a medida socioeducativa e sair com a possibilidade de estarem no mercado do trabalho, contratados. Esse é um dos eixos que batalhamos muito para conseguir, junto com o Ministério Público do Trabalho, que abraçou nossa proposta e buscou parceria para destinar algumas vagas para os adolescentes de internação.”
A expectativa é que, no novo emprego, os selecionados possam reproduzir os conhecimentos profissionalizantes adquiridos dentro das unidades socioeducativas. Além de continuarem os estudos, eles também vão receber no Senac reforço de conteúdo e aprendizado profissional, duas vezes por semana.
No período de quase um ano em que G. está acautelado, o jovem também aproveitou para fazer um curso de informática. Ele já planejava entregar alguns currículos após o cumprimento da medida, mas não imaginava que a oportunidade viria antes mesmo de poder ter sua liberdade de volta. “Eu já tenho qualificação para o mercado de trabalho e esperava fazer alguma coisa mais no setor administrativo mesmo. Quando eu sair do Centro, vou poder continuar trabalhando e espero crescer junto com a empresa.”
‘Ânimo para ele retomar a vida’
A mãe de G., uma babá de 43 anos moradora da Zona Norte de Juiz de Fora, não tem dúvidas de que o filho vai corresponder à confiança depositada nele. “Ele chegou ao Centro Socioeducativo em fevereiro do ano passado, e sabemos que existe muito preconceito (com quem comete ato infracional). Ele sempre foi muito amoroso e trabalhador, nunca teve reclamação na escola, mas, adolescente, começou a achar que era dono do próprio nariz”, conta ela, também mãe de uma garota, 15, e de uma bebê, de 2 meses.
Mesmo sem ainda saber quando o filho voltará à plena liberdade, já que ele foi acautelado por tempo indeterminado com avaliação periódica, a mãe vê a vaga de jovem aprendiz com otimismo. “Vai dar ânimo para ele retomar a vida de outra forma. Também fez curso lá dentro, e isso tudo levanta a pessoa, porque ele chegou ao fundo do poço. Como o Bahamas deu essa oportunidade, foi muito bom, porque sabemos que muitos meninos que não têm a mesma chance acabam voltando para lá e começam tudo de novo.”
Construção de alternativas
O diretor do Centro Socioeducativo Santa Lúcia, Osnério Abreu, reforça a necessidade de serem construídas alternativas que apontem possibilidades reais de os acautelados mudarem de vida, a fim de diminuir a reincidência infracional. “A vulnerabilidade social talvez seja um dos grandes fatores que faz com que ingressem no sistema. Nós trabalhamos com as famílias para estreitar as relações. Muitos chegam com defasagem escolar grande, com problemas de documentação e saúde. Encaminhamos para consultas e tratamentos necessários. O eixo da medida socioeducativa que tínhamos certa dificuldade era o profissional, mas agora passamos a ter essa oportunidade.” Segundo ele, o comitê gestor formado para a inserção desses jovens no mercado de trabalho começou com reuniões em setembro de 2020. “Em novembro saíram as vagas e, agora em 2021, conseguimos a formalização. Esperamos continuar as parcerias e obter mais oportunidades.”
Em nota divulgada pelo Estado, a direção da rede Bahamas falou da importância de atuar na reinserção de jovens infratores e disse que tem preparado seus funcionários para receber os novos companheiros de trabalho. “Nossos líderes se desenvolvem tendo um olhar mais minucioso diante das necessidades e potencialidades de cada um e, nas equipes, fortalecem o senso de cooperação e comprometimento. Temos certeza que juntos com os nossos parceiros podemos desenvolver um trabalho que fará a diferença”.
O Ministério Público do Trabalho, por meio da coordenação do Projeto de Inserção de Aprendizes no Trabalho, também já sinalizou ao Estado a proposta de criar uma cota nas empresas de Juiz de Fora para replicar iniciativas como a do Bahamas, de inserir jovens em cumprimento de medidas socioeducativas nas atividades laborais.
Para a mãe de G., esse novo emprego será o começo de um caminho sem volta. “Este ano (de acautelamento) deve ter sido uma tortura para o meu filho. Ele fala que nunca mais vai querer fazer nada que o prive de ir e vir.”
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