sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Roubar vicia: quanto mais você tem, mais você quer”, diz adolescente

 


Criado num condomínio de um bairro nobre de São Paulo, G.M. começou com pequenos furtos aos 13 anos, evoluiu para o roubo de carros e assalto a residências. Seu objetivo: "Mostrar pras meninas que é patrão"

G.M., EM DEPOIMENTO A ALINE RIBEIRO E HELENA FONSECA

G,de 17 anosque começou a roubando celulares ,evoluiu para carros  e assaltos com reféns (Foto:  Fernando Lima/ÉPOCA)

Morava com meus avós, minha irmã e minha mãe num apartamento no Morumbi. Eu ia à escola, mas comecei no crime e abandonei. Parei na 7ª série. Não quis mais saber de escola, só queria fumar maconha e roubar.

Comecei com 13 anos. Faz um tempo, estou com 17. Sempre começa na escola. Tem a rodinha dos moleques que as meninas olham, que fumam. Comecei a me envolver com esses meninos e fui de fase em fase. Maconha e cigarro, depois uns furtos, roubos de celular, comércio, carro... Vai piorando.

Na primeira vez, não sabia que ia roubar naquela hora. Tinha matado aula com uns amigos e fomos para um parque. A gente estava fumando maconha com umas meninas quando eles viram uma moça com um celular. Falaram: “Vamos pegar”. Eu falei que não queria. Insistiram. As meninas diziam: “Vocês não vão fazer isso”, mas acharam legal. Não sei por que elas acham bandido legal. Eu fui. Fui pela cabeça deles. Achava que não me encaixava no grupo, tinha de fazer o que eles faziam para estar junto. Na época, eu era da 6ª série e eles da 8ª ou do 1º [colegial]. Vi aquilo e achei “da hora”. Comecei a roubar com eles.

No começo fiquei com medo, mas depois a situação estava toda dominada. Pensei: “O bagulho é fácil, vou ganhar dinheiro rápido assim”. Comecei a roubar direto. Na outra semana, estava lá de novo, matando aula, fumando maconha... Se não tinha dinheiro para fumar, roubava celular para comprar. Ia até a “biqueira” vender, pegava um dinheiro e comprava maconha.

Meus familiares não são da favela, nunca passei necessidade. Onde eu morava, no Morumbi, é rodeado de favelas – Paraisópolis, Morro do Pullman. Eu via os caras armados, de moto, carrão e pensava: “Quero ser igual. Eles têm, por que não posso ter também?”. Como eu fumava, encostava lá na favela. Em um ou dois meses, fiz amizade, me envolvi e fui com eles roubar.

A primeira vez que roubei um carro foi em 2013. Tinha 15 anos e estava com um menino mais velho. Usamos uma arma de brinquedo, uma Airsoft 38. Vimos o carro e que era uma mulher. Tomamos a bolsa dela e fomos embora com o carro. Era um Peugeot 207 passion prata. No começo, fiquei apavorado. Bateu uma adrenalina, mas é uma adrenalina boa. Você está no controle da situação.

No primeiro baile que fui de carro achei “da hora”. As meninas olhando, você sendo o centro das atenções. Você vai passando no meio de todo mundo para mostrar que está de carro e vai abrindo o caminho. Abre o vidro e chega mostrando que está bonito, ostentando de carrão. Põe o braço para fora para mostrar que é patrão. O intuito de roubar é esse: mostrar para os outros que você está bem.

Minha primeira passagem [na polícia] foi por causa desse Peugeot. Estávamos dando umas voltas com ele e a polícia pegou porque meu parceiro bateu o carro na conveniência de um posto de gasolina. Os policiais puxaram a placa do carro, que estava com queixa. Algemaram e levaram a gente para a delegacia. Minha mãe assinou o termo de responsabilidade e fui liberado no mesmo dia. Deu uma dor no coração ver minha avó me vendo naquela situação, algemado. É chato de ver.

Me mandaram para um colégio interno no Paraná, da Igreja Adventista. Fiquei sete meses. Vim nas férias e não quis voltar mais. Minha cabeça não mudou, não adiantou nada. Piorou, roubei mais, com mais frequência. Me batizei lá, mas voltei e continuei fazendo as mesmas coisas. Até pensei em parar, mas saí pior, roubando mais ainda. Parece que vicia. Roubar vicia, quanto mais você tem, mais você quer.

No começo, roubava só para ir para baile, mostrar para os outros. Mas aí um dia me disseram: “Você pega os carros para ficar dando volta, você é louco? Vai morrer. Rouba os carros e vende pra você ganhar dinheiro”. Peguei o contato do desmanche e comecei a passar os carros. Ganhava R$ 3 mil ou R$ 4 mil na mão.

Já peguei uns assaltos bons, em residência lá no Morumbi. Você pula na casa, pega a vítima e é o dono da situação. É melhor até, a gente fica mais tranquilo. Como vão chamar a polícia? Só se alguém te viu entrando na casa. Já roubei umas três ou quatro casas.

Uma vez, rolou uma situação tensa. A gente pegou uma mulher saindo de casa para trabalhar. O homem acordou assustado e quis vir pra cima da gente. Estávamos em quatro, com arma de verdade. Na casa tinham dois filhos, a mulher e uma senhora. Os moleques imobilizaram o cara, ficaram segurando para ele não gritar. Um deles engatilhou a arma na cara dele. Pensei que meu parceiro fosse matar. Aí falei: “Não mata não, deixa o cara aí”. Pegamos joia, televisão... Pegamos até prato da casa – uns pratos bonitos! Roubamos também US$ 4 mil. Não fomos pegos.

Nunca atirei em pessoas, só para o alto só. Dava tiro em terreno baldio, para ver se a arma estava funcionando.

Tenho quatro passagens [um furto e três roubos de carro]. Já peguei uma medida socioeducativa: 45 dias de liberdade assistida. Na quarta e última passagem, fui internado na Fundação Casa. Fiquei dez meses.

Me arrependo de ter entrado nessa vida. Devia ter ficado quieto no colégio no Paraná aprendendo coisa boa. Seria alguém hoje, não estaria aqui. Quero ajudar minha avó. Ela fez de tudo por mim, sempre me deu carinho. Não retribuí nada, só dei desgosto. Nunca passei fome, sempre tive uma moradia tranquila, nunca morei em favela. Vou sair dessa vida, terminar meus estudos e dar um orgulho para a minha família.

Especial Por Dentro do Crime e ostentação

>> “Quando você chega no baile 'nos kit', você fica bem visado”, diz adolescente H.L.

G.M. concedeu essa entrevista a ÉPOCA na Fundação Casa de Santo André. Horas depois, recebeu autorização da Justiça para deixar a detenção. Foi embora na companhia da mãe

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