Para a ministra Nancy Andrighi, o ajuizamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 71 feita pela OAB junto ao Supremo Tribunal Federal, em abril de 2020, é uma tentativa de impedir que o Superior Tribunal de Justiça dê a última palavra na interpretação da lei federal sobre honorários de sucumbência em causas envolvendo a Fazenda Pública.
A declaração foi dada em julgamento da Corte Especial do STJ nesta quarta-feira (18/11), em recurso sobre o mesmo tema. Ao proferir voto-vista, a ministra apontou que o ajuizamento da ADC 71 em nada influencia o desenlace da matéria em recurso especial, uma vez que o Supremo não concedeu liminar nem determinou o sobrestamento de processos relacionados. O caso foi recentemente redistribuído ao ministro Nunes Marques, do STF.
Na ADC 71, a OAB pleiteia que o Judiciário seja proibido de aplicar o artigo 85 do Código de Processo Civil fora das hipóteses literalmente estabelecidas. Em suma, quer evitar a fixação equitativa de honorários quando a causa tem valor exageradamente alto, uma vez que a norma só a promove quando o valor é muito baixo ou irrisório. No Recurso Especial 1.644.077, o STJ discute o mesmo tema.
"O ajuizamento daquela ação revela uma tentativa de, por vias transversas, impedir que a corte uniformizadora do Direito federal exerça seu papel de interpretar e dar a última palavra sobre a interpretação da legislação federal, como se na configuração constitucional delineada em 1988 o Supremo Tribunal Federal fosse o censor do Superior Tribunal de Justiça", disse a ministra Nancy.
Nesta quarta, o voto-vista apresentado apontou a possibilidade de fixar honorários de sucumbência pelo método equitativo em substituição à prévia precificação percentual quando o valor da causa for desproporcionalmente alto em relação ao serviço prestado. É justamente o posicionamento do qual a OAB discorda, na petição ao Supremo, por vê-lo aplicado em vários tribunais brasileiros.
Caso concreto
A causa em julgamento na Corte Especial trata de execução fiscal ajuizada contra os sócios de uma empresa no valor de R$ 1,6 milhão em 1997. Em petição de três páginas, o advogado de um dos sócios ajuizou exceção de pré-executividade em que pleiteou o reconhecimento da ilegitimidade passiva.
O sócio foi excluído do polo passivo da execução. Os recursos subsequentes todos trataram dos honorários sucumbenciais. O valor atualizado da causa é de cerca de R$ 4,6 milhões, pelos quais o advogado receberia em torno de R$ 300 mil, se não houver a fixação equitativa, não prevista pelo CPC de 2015.
"Diante desse cenário, a única pergunta a ser respondida é: haverá remuneração adequada ao patrono do vencedor, correspondente ao trabalho efetivamente realizado na causa, se a verba sucumbencial for fixada em montante superior a R$ 300 mil? Respeitosamente, a resposta só pode ser negativa", entendeu a ministra Nancy Andrighi.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Og Fernandes. O relator é o ministro Herman Benjamin, que ainda não leu o voto (pois a ministra Nancy havia pedido vista antecipada), mas se posicionou no mesmo sentido da ministra Nancy, uma vez que foi acompanhado por ela, mas com acréscimos de fundamentos.
Teoria da derrogação das regras
Para apontar que essa apreciação equitativa também vale para situações excepcionalíssima de ganhos aberrantemente altos em relação ao trabalho prestado, a ministra Nancy aplicou a teoria da derrogação das regras. Ela se baseia no fato da incapacidade humana de prever todas as situações possíveis, o que permite a superação da norma em casos específicos.
Assim, se a disciplina dos honorários pelo CPC tem por finalidade remunerar adequadamente o advogado do vencedor em virtude do trabalho, é correto afirmar que a aplicação literal do artigo 85 será inadequada e incompatível com essa finalidade quando conduzir a remuneração inadequada.
"Diferente do que a classe dos advogados normalmente propõe, remuneração inadequada não é sinônimo apenas de aviltamento dos honorários, remunerando-os em patamar abaixo do correspondente ao trabalho, mas também é sinônimo de exorbitância dos honorários, remunerando-o em patamar acima daquele correspondente ao trabalho por ele desenvolvido", disse.
"Por mais óbvio que possa parecer", acrescentou a ministra, "é preciso reafirmar que a justiça e a isonomia que não servem apenas ao lado da majoração na hipótese de honorários ínfimos, e não ao lado da minoração na hipótese de honorários exorbitantes, como se houvesse uma equidade de mão única".
O voto ainda destaca que, na maioria absoluta das vezes, não haverá exceção às regras gerais definidas pelo CPC. Mas que ainda assim não é correto excluir definitivamente a apreciação equitativa quando houver evidente distorções no binômio remuneração-trabalho. "Essa visão mais se preocupa com interesses de uma classe do que com escopo da jurisdição e da sociedade", concluiu.
REsp 1.644.077
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