Os problemas enfrentados por quem trabalha no órgão responsável por atender os menores infratores do estado passam por ameaças, desacatos e lesões corporais.
Por Henrique Coelho e Raoni Alves, G1 Rio
Só nos últimos 21 meses, 39 casos de violência foram registrados contra agentes que trabalham nas unidades de internação de menores infratores — Foto: Reprodução / TV Globo
Rebeliões, superlotação, déficit de servidores, greve, violação de direitos, ameaças e agressões. Esse é o cenário atual para quem trabalha ou é atendido no Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) do Rio de Janeiro.
Só nos últimos 21 meses, 39 casos de violência foram registrados contra agentes que trabalham nas unidades de internação de menores infratores. Os dados foram obtidos pelo G1 via Lei de Acesso à Informação. Os casos de violência incluem ameaça, desacato ou lesão corporal.
Cense Campos em rebelião em 2015; unidade teve sete casos de agentes ameaçados, desacatados ou agredidos em 2018 e 2019 — Foto: Reprodução/Inter TV
O órgão que deveria recuperar jovens em conflito com a lei no Estado e devolvê-los para o convívio em sociedade, atualmente virou um caldeirão de problemas, como analisou a promotora de justiça Luciana Benisti, coordenadora do Centro de Apoio de Promotoria de Infância e Juventude.
"A superlotação prejudica todos os serviços da unidade. Ela dificulta o deslocamento dos adolescentes para a escola, a alimentação, as atividades extracurriculares e causa um clima de tensão muito grande entre os adolescentes e entre agentes e adolescentes. É isso o tempo todo. É um caldeirão", disse Benisti.
Em todo o ano de 2018, foram registrados 27 casos de violência de internos contra agentes do sistema socioeducativo, em 19 casos que chegaram à Corregedoria do Degase. Em 2019, foram 12 agentes atacados, em 9 incidentes diferentes, entre os dias 1 de janeiro e 24 de setembro.
"A gente vive muita pressão lá dentro. É tenso. Lá a gente tem jovens que ocupam posição de comando nas facções do tráfico de drogas. Eles sabem que vão sair e a gente também sabe. Os que são de facções diferentes precisam ficar separados. Eu já sofri ameaças lá dentro. Todo dia que eu chego pra trabalhar eu rezo pra que nada aconteça", comentou um agente do Degase que não quis se identificar.
Suspeita sobre sindicato
Como se não bastasse a falta de estrutura para cuidar dos menores, servidores do Degase podem estar sendo prejudicados por colegas, segundo o MP. Uma investigação apura se homens da própria categoria estão envolvidos com as rebeliões nas unidades.
No último sábado (9), o Ministério Público pediu a busca e apreensão dos telefones celulares dos agentes do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) que, de acordo com as investigações, teriam incitado rebeliões de menores nas unidades durante a greve da categoria que terminou na sexta-feira (8).
Fontes no Ministério Público ouvidos pelo RJ2 acreditam em duas possibilidades:
- Sindicato teria incitado os menores apreendidos a fazerem rebeliões nos últimos dias, durante a greve.
- o subdiretor do sindicato, que não quis participar da paralisação, estaria sofrendo ameaça
Procurado, o Sindicato de Servidores do Degase (SIND-DEGASE) não respondeu ao G1 sobre as investigações.
STF manda soltar menores
Segundo o Governo do Estado, o Degase atende atualmente 1.246 adolescentes em cumprimento de medidas de internação. O poder público admite um déficit de 321 vagas.
Contudo, a superlotação já foi maior no passado recente. Em maio deste ano, o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a transferência de menores infratores que estavam em unidades superlotadas de quatro estados – Bahia, Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro.
Ao todo, a Justiça fluminense liberou 618 menores que cumpriam medidas socioeducativas. Entre esses jovens, voltaram ao convívio social adolescentes acusados de crimes análogos a prática de latrocínio (roubo seguido de morte), homicídio, estupro, tráfico armado, assalto a mão armada, entre outros.
O ministro Edson Fachin durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira (23) — Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
De acordo com o Ministério Público do RJ, 22% desses adolescentes já retornaram ao sistema pela prática de novos atos infracionais.
"Infelizmente, os adolescentes que estão em cumprimento de medidas de internação são adolescentes que praticaram atos de extrema gravidade, a maioria reincidente. Esse é o cenário do Rio de Janeiro", comentou a promotora de justiça.
Luciana Benisti acredita que a situação no Rio de Janeiro é particular. Segundo a promotora do MP, o RJ tem o mesmo número de vagas de internação para menores infratores que o Distrito Federal e o Espirito Santo, mas com uma população quatro vezes maior.
"O Ceara liberou 60 adolescentes e cumpriu a decisão do STF, a gente liberou 618 adolescentes e não cumpriu ainda. A situação do Rio de Janeiro é muito particular", analisou.
Para a Benisti, o principal problema é a falta de vagas no sistema. "No Rio, somos 16 milhões de habitantes para 800 vagas de internação. Eu acho que a gente tem um número de vagas totalmente incompatível, não só com o número de habitantes, mas também com o quadro de violência do Estado", explicou.
Na opinião da promotora, o Estado hoje não consegue manter os jovens que cometeram atos infracionais graves internados pelo tempo adequado. "Isso acontece porque não podemos deixar o adolescente muito tempo internado. Precisamos abrir vagas para outros".
Novas unidades
O Ministério Público do Rio e o Governo do Estado estão negociando a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para aumentar o número de vagas para a internação de menores infratores.
Segundo o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo do Rio de Janeiro, que tem como base as regras do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), o Rio precisaria de mil novas vagas para internação.
"Nos últimos dez anos houve um aumento de demanda. Além de um aumento populacional no Estado, houve um aumento nos índices de adolescentes autores de atos infracionais", disse a promotora de justiça Luciana Benisti.
Em junho deste ano, o governador Wilson Wtzel (PSC) anunciou a construção de 21 novas unidades do Degase para o cumprimento de medidas socioeducativas por menores infratores.
Atualmente, o RJ possui 25 unidades do Degase. A construção dessas novas unidades representa quase o dobro da rede. O custo da construção dessas unidades está previsto em R$ 125 milhões e viria de um remanejamento no orçamento.
Contudo, até o momento o governo não deu início nas obras.
Internos esperam após fim de rebelião na unidade do Degase Cense Dom Bosco, na Ilha do Governador — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Concurso público
O acordo entre o poder executivo e o MP também trata da elaboração de um novo concurso público para a contratação de novos servidores. O Ministério Público entende que o aumento no número de unidades para internação deve ser acompanhando pela contratação de servidores.
Além de um novo concurso, o Ministério Público também quer que o Estado chame todos os integrantes do cadastro de reserva do último concurso público, realizado em 2011.
Segundo o Sindicato dos Servidores do Degase (Sind-Degase), atualmente, existe um déficit de mais de 600 funcionários. Um acordo firmado em 2006, também entre o MP e o Governo, apontava uma necessidade, na época, de 620 contratações.
A promotora de justiça Luciana Benisti vem participando das conversas com o executivo e informou que um novo estudo está sendo feito para definir um número exato de novos postos de trabalho.
Segundo a direção do Degase, a Secretaria da Casa Civil e Governança já autorizou a realização desse novo processo seletivo destinado a preencher os cargos efetivos em vacância no órgão. Atualmente, ele está em fase de implementação do edital, garantiu a direção.
Contratos encerrados
O déficit de pessoal se agravou depois que 204 funcionários temporários que trabalhavam nas unidades do Degase tiveram seus contratos encerrados por uma decisão judicial, no início de outubro.
A partir desta data, algumas unidades passaram a contar com menos funcionários do que o número permitido pela legislação.
Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), o número ideal de funcionários deve atender a proporção de um agente para cada cinco internos.
Um exemplo de que a quantidade atual de servidores é perigosa, aconteceu no final de outubro. O Centro de Socioeducação Dom Bosco, na Ilha do Governador, na Zona Norte do Rio, contava com apenas 10 funcionários para atender 341 infratores, quando uma rebelião causou tumulto na unidade.
Somente nos últimos 15 dias, cinco princípios de rebeliões foram registrados em 3 diferentes unidades de atendimento aos menores infratores.
Greve dos agentes
Diante de tantos problemas e buscando melhorias salariais e outros direitos, os servidores do Degase deram início a uma greve no órgão na última terça-feira (5).
Os trabalhadores reivindicavam a implementação do Regime Adicional de Serviço (RAS), a liberação do porte de arma para os agentes, a progressão funcional garantida por lei e a realização de novos concursos públicos para preencher as vagas em aberto.
O governador Wilson Witzel atendeu imediatamente as duas primeiras reivindicações dos trabalhadores.
Porém, a paralisação dos servidores só foi encerrada por uma ação judicial, que ameaçava prender as lideranças sindicais caso a greve não terminasse.
Nesta terça-feira (12), uma audiência de conciliação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deve tratar da progressão funcional, uma das exigências dos trabalhadores.
Decisão do ministro Edson Fachin motivou antecipação de construção de novas unidades do Degase — Foto: Reprodução/ TV Globo
Fonte; Globo.com
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