VEJAM O PRECEDENTE: Mulher e criança receberão R$ 100 mil por mau uso de scanner na P.F. de Santana/SP
Estado terá que indenizar mulher forçada a realizar exames invasivos, que não detectaram drogas em seu útero.
Thaiza Pauluze
1º.out.2019 às 8h00
Entrada da Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte de SP Apu Gomes/Folhapress |
SÃO PAULO - A fila para entrar na Penitenciária Feminina de Sant'Ana, na capital paulista, foi interrompida quando Tatiana* passou pelo scanner corporal naquele domingo. A varredura era praxe a que ela estava acostumada quando ia junto à filha, então com dois anos, visitar a avó que cumpria pena na unidade. Só que dessa vez uma agente lhe informou que havia algo em seu útero.
A mãe e a criança foram levadas a uma sala e a diretoria do presídio acionou uma viatura da Polícia Militar. A partir daí, Tatiana conta que passou a ser ameaçada e coagida por quatro policiais —três homens. Eles pediam para ela “entregar o BO”. Caso contrário, seria presa em flagrante e chamariam o Conselho Tutelar para levar sua filha.
O caso aconteceu no dia 4 de março de 2018 e foram usados nomes fictícios para proteger a identidade das vítimas.
As duas acabaram levadas ao Hospital do Mandaqui, próximo da penitenciária. Lá, Tatiana foi forçada a realizar exames médicos invasivos, sem o seu consentimento —já que, se não se submetesse aos procedimentos, seria presa, de acordo com as ameaças policiais.
Penitenciária Feminina do Estado em Santana Marlene Bergamo/Folhapress |
Fizeram um exame de toque e uma coleta de sangue. Ambos deram negativo, descartando a presença de objetos em seu útero e canal vaginal. Ainda assim, a mulher passou por outros procedimentos: tomografia, ultrassom, radiografia.
Enquanto passava pelos testes, ela conta, as agressões verbais continuaram, mesmo depois de ela informar que poderia estar grávida.
Tatiana e a filha ficaram no Mandaqui por oito horas —de 12h às 20h. Nesse período, elas não puderam se alimentar ou ir ao banheiro, o que só foi autorizado pouco antes de irem embora, mas com a condição de que a porta estivesse aberta e que não apertassem a descarga, pois os agentes iriam verificar se havia algum objeto no sanitário.
Após o périplo, as duas não conseguiram visitar a avó naquele dia. Ao retornarem ao presídio, não recuperaram os pertences, que haviam sido guardados em outro turno. Mãe e filha só voltaram para casa após uma servidora da unidade oferecer a elas dinheiro para pagar o transporte coletivo.
Penitenciária Feminina do Estado de São Paulo, em Santana em 2010 Marlene Bergamo/Folhapress |
A avó foi transferida, 22 dias depois do caso, para a Penitenciária Feminina de Mogi Guaçu —167 km mais distante de onde a família vive, num bairro periférico de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.
Em nome das duas, a Defensoria Pública do Estado entrou na Justiça com uma ação de indenização por danos morais e materiais.
Os defensores sustentam que elas tiveram violados os direitos à intimidade e privacidade. Também que Tatiana fora mantida em "cárcere privado e estuprada pelo Estado".
Em 2014, o legislativo estadual paulista editou uma nova lei que prevê regras para revistar visitantes nos presídios, na tentativa de evitar inspeções vexatórias.
De acordo com o texto, todos devem ser submetidos à revista mecânica, em local reservado, por meio de equipamentos como o scanner corporal, detectores de metais e aparelhos de raio-x.
Mulheres cumprem pena na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte de SP Marlene Bergamo/Folhapress |
Ou seja, o máximo que pode ocorrer é o visitante ser impedido de ingressar na unidade prisional.
Nesse caso, para os defensores, não havia suspeita justificada. Eles apontam que os equipamentos de scanner têm sido operados por agentes penitenciários sem formação em radiologia —no quadro da Secretaria da Administração Penitenciária não há profissionais do tipo.
A prática contraria regras que determinam que, para operar equipamentos emissores de radiação ionizante, é preciso ser técnico ou tecnólogo em radiologia legalmente habilitado pelo Conselho Regional de Técnicos em Radiologia de São Paulo.
A sul-africana Tessa Beetge,36, na Penitenciária Feminina de São Paulo(SP), em 2010 Fabio Braga/Folhapress |
O Conselho aponta que há sérios riscos em lidar com equipamentos do tipo. Por isso, profissionais da área trabalham em regime de 24 horas semanais e recebem adicional de risco de vida e insalubridade. Além disso, são treinados para analisar as imagens obtidas através do scanner e para reduzir a dose da exposição.
A situação se agrava nos casos de pessoas que usam marca-passo e de mulheres gestantes ou lactantes —eles não poderiam ser expostos à inspeção. Ao perceber isso, criminosos ligados à facção criminosa PCC passaram a recrutar mulheres com prótese ou órtese (como pinos no corpo) e grávidas para entregar celulares aos detentos. Não era o caso de Tatiana.
“Mesmo após a instalação dos scanners corporais, a lógica de desumanização [nas visitas] não foi alterada, ela só tem criado novos mecanismos de punição aos familiares de pessoas privadas de liberdade", afirmam os três defensores do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria que assinam o documento pedindo a indenização, Leonardo Biagioni, Mateus Moro e Thiago Cury.
Em 2 de agosto deste ano veio a sentença. A juíza Alexandra Fuchs de Araujo considerou que houve comportamento abusivo por parte dos agentes públicos. Ela considera que eles não agiram de acordo com a lei ao forçar Tatiana a realizar exames invasivos para não ser presa, submetê-la a raio-x mesmo com suspeita de gravidez e privar a criança e a mãe de alimentação e de ir ao banheiro.
A magistrada classificou o episódio como “um dia de tortura”, porque Tatiana “se recusou a confessar a prática de um ilícito que de fato não tinha praticado”.
Presas da Penitenciária Feminina do Estado durante trabalho Imagem: Jorge Araujo |
Ainda segundo a sentença, “houve efetivo abalo à paz, à tranquilidade, à intimidade e à dignidade” das duas.
A juíza determinou que o Estado de São Paulo, sob gestão de João Doria (PSDB), pague indenização de R$ 50 mil para cada uma, além de arcar com custas e honorários do processo. A Procuradoria Geral do Estado recorreu da decisão.
Procurada, a Secretaria de Administração Penitenciária, sob comando do coronel Nivaldo Restivo, afirmou que, em casos de suspeita de ilícitos escondidos no corpo de visitantes, o procedimento padrão é encaminha-los a uma unidade de saúde para realizar exames, com acompanhamento de PMs.
A pasta não informou se foi aberto um procedimento administrativo contra os agentes envolvidos no caso.
Ainda segundo a secretaria, todos os agentes que operam os scanners corporais receberam treinamento específico que abrange conhecimentos básicos de proteção radiológica e, portanto, estariam capacitados para o manuseio, seguindo ofício da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO
Contraponto:
Este é um precedente perigosíssimo para todos os servidores que operam os aparelhos de "body scanner", haja visto a maioria deles ou nenhum deles terem o curso de raidologia, e com a recente "Lei de Abuso de Autoridade" aprovada pode ser que surjam problemas em escala geométrica para os servidores e para a administração.
Na verdade o que a Defensoria alega em defesa das "supostas vítimas", é que elas foram passadas em " body scanner", operados por agentes penitenciários sem curso técnico em Radiologia, coisa que o estado de fato dificilmente irá fazer.
Não acredito sinceramente, pode ser que até futuramente venham a contratar os técnicos em radiologia, mas neste momento em que falam em PPPs, para economizar, o estado não irá contratar servidores gerando com isso mais despesas.
E em tempo e lembrando a administração, cadê o adicional de exposição por radiação a que são submetidos todos os agentes que operam os aparelhos de "body scanner" e de "raio-x"? Esta não seria também uma boa causa para a Defensoria Pública de São Paulo, ou eles estão apenas preocupados com o outro lado?
Não seriamos Nós Todos também cidadãos com direito a defesa deste importante órgão público, ao permitir que o próprio estado explore seus servidores naquilo que não é sua atribuição como eles mesmo afirmam?
Fica o questionamento!
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