MEC abriu as portas para demissão em massa nas universidades privadas e deixa professores em pânico
25 de novembro de 2017 às 22h22
Um professor da Universidade Anhembi Morumbi, que por motivos óbvios prefere não se identificar, teme pelos empregos de seus colegas nas universidades privadas diante de portarias publicadas pelo Ministério da Educação que abriram espaço para ampla reestruturação dos cursos.
“Clima de horror entre os docentes”, ele escreveu.
O professor dá como exemplo o que aconteceu nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), que o grupo norte-americano Laureate comprou em 2013 por R$ 1 bilhão: foram 220 demissões, com aumento da carga horária do ensino à distância, o que turbinou o lucro dos investidores.
Em julho deste ano, estudantes da FMU chegaram a organizar um protesto contra os cortes.
Desde que a corporação assumiu o comando da faculdade, os estudantes têm reclamado da atuação da mantenedora, que reduziu a carga horária presencial dos cursos e o número de bolsas ofertadas.
Em janeiro deste ano, o estudante do oitavo semestre de direito Lucas Santos, de 22 anos, perdeu uma bolsa filantrópica.
Com o desconto, a mensalidade ficava em torno de R$ 750.
Sem o auxílio, Lucas teve que desembolsar mensalmente R$1,2 mil.
No final do primeiro semestre, a FMU anunciou mais um reajuste a mensalidade: agora o estudante terá que pagar R$1.320 por mês.
“A mensalidade aumenta, os professores são mandados embora por causa dos gastos, só que as aulas diminuíram”, relatou o estudante.
Ensino à distância
Para Lucas, o grupo estadunidense está impondo um modelo de ensino aplicado nos EUA e Europa, o Ensino à Distância (EaD).
“Lá fora, o EaD funciona como um curso preparatório. Mas aqui, querem que um aluno de história estude libras à distância. Como ele vai aprender libra à distância para ensinar em uma sala de aula?”, questionou o estudante.
Já a FMU afirma que a inclusão de disciplinas online nos cursos presenciais é uma prerrogativa que todas as instituições de ensino superior têm no Brasil, desde que abranja até 20% da carga horária do conteúdo do curso.
A assessoria de imprensa da instituição afirmou que a faculdade cumpre a carga horária exigida pelo Ministério da Educação (MEC) para a conclusão do curso de graduação e não está descumprindo o que é acordado semestralmente com seus alunos na assinatura do contrato.
Sobre o desligamento de professores, a faculdade afirmou que foi realizada uma avaliação do corpo docente “obedecendo rigorosamente a legislação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior”.
A assessoria afirmou ainda que é a partir do processo que a instituição realiza “movimentações do corpo docente, quando necessário”.
Oligopólio educacional
Com a compra da FMU, os cinco maiores grupos educacionais do Brasil — Anhanguera & Kroton, Estácio, Laureate, Unip e Uninove — passaram a concentrar 33,1% do mercado de ensino superior.
Lucas critica o processo de “privatização do privado”, ou seja, a incorporação de instituições privadas a grandes redes educacionais internacionais.
“Eu não tenho dinheiro para trocar de faculdade e ir para o Mackenzie ou a PUC. Eu teria que escolher a Anhembi Morumbi, que é do grupo Laureate; a São Judas, que está passando por uma precarização imensa ou ir para a Anhanguera, que é da Kroton. É uma teia e eles estão vendendo nossas universidades para o capital estrangeiro e impondo o que eles acham melhor”, criticou.
A FMU afirma que a reformulação da grade foi “cuidadosamente estruturada para garantir mais aderência às necessidades e desafios do mercado de trabalho, assim como proporcionar maior interdisciplinaridade e network aos seus alunos”.
Segundo a instituição, desde que ingressou na rede Laureate, os índices de qualidade acadêmica da faculdade evoluíram.
De acordo com o professor da Anhembi Morumbi — também controlada pela Laureate International Universities — que fez o alerta ao Viomundo, as portarias do MEC foram fruto de lobby do sindicato das empresas de educação.
No Brasil, a empresa norte-americana já é dona de 12 grupos educacionais em várias regiões.
O professor descreveu:
As recém portarias do MEC abriram espaço para uma oferta maior de cursos, de instituições já estabelecidas no mercado e outras novas.
As portarias também possibilitaram o aumento do percentual de ensino à distância em cursos presenciais, bem como a oferta de cursos integralmente à distância.
O mercado, com menos regulação governamental, entra em disputa direta e, como resultado, vemos instituições privadas diminuindo seus custos e ampliando sua margem de lucro, sem preocupação com a qualidade do ensino.
As novas portarias do MEC foram criadas com base nas exigências e no lobby da SEMESP, Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior.
Nas suas revistas mensais, estão claras as exigências pela diminuições dos marcos regulatórios públicos.
Inclusive, como no caso da FMU, alunos que já estão em curso terão sua grade curricular alterada, com reduções de carga horária.
Esta alteração para quem já está em curso é totalmente ilegal, ferindo diretrizes do MEC e contratuais, assinadas pelos próprios estudantes durante a matrícula.
Os currículos serão padronizados nacionalmente.
É certa a redução da carga horária de todos os cursos e esta não será acompanhada por uma redução do valor da mensalidade.
O Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro) foi acionado, reuniu-se com dirigentes do grupo Laureate e escreveu uma carta aos professores:
Alertado por diversas denúncias dando conta de redução de carga horária neste semestre e de possível reestruturação da matriz curricular e de carga horária para o semestre seguinte nos moldes do ocorrido na FMU, o Sinpro-SP convocou a direção da Mantenedora, para esclarecimentos.
A reunião ocorreu na tarde do último dia 14 de novembro, na sede da Fepesp e contou com a presença da Diretora de Relações Sindicais e Trabalhistas e da Gerente de RH, ambas da Laureate, de um diretor do Sinpro-SP e do assessor jurídico da Fepesp.
As representantes da Laureate afirmaram o que segue:
1. Houve neste semestre, realmente, casos de incorreção no pagamento de alguns docentes, com o registro de carga horária menor, em relação à carga do semestre passado, devido a falhas no sistema de folha de pagamento, mas que tais casos foram identificados e sanados, pagando-se as diferenças a todos os docentes atingidos.
2. Não têm conhecimento de casos de redução de carga horária promovida unilateralmente pelas direções acadêmicas, sem concordância formal do docente.
3. Até aquela data, a mantenedora não foi comunicada pela direção acadêmica da Universidade de modificação alguma na estrutura curricular ou de carga horária para os cursos que serão oferecidos no próximo semestre e que não há previsão de demissão de docentes em número maior do que a média dos últimos semestres. Comprometeu-se a comunicar ao Sindicato, imediatamente após tomar conhecimento, de qualquer decisão da área acadêmica que possa contradizer tal afirmação.
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