Governo prepara mais uma modalidade de saque do FGTS para estimular o consumo
Medida permitiria a quem pedir demissão saque do fundo para pagar crédito consignado
Prédio Central da Caixa Econômica Federal em Brasília. - Michel Filho / Agência O Globo
BRASÍLIA - O governo prepara mais uma modalidade de saque dos recursos do FGTS para estimular o consumo. Já está pronta uma medida provisória (MP) que vai permitir aos trabalhadores que pedirem demissão sacar o dinheiro do Fundo para pagar empréstimo consignado. A proposta também contempla quem for demitido por justa causa — o que não é permitido pela legislação. Atinge, ainda, os casos de demissão acordada entre empregados e patrões, nova forma de dispensa incluída na reforma trabalhista que entra em vigor no próximo mês. Segundo a minuta da MP, o saque fica limitado a 10% do saldo da conta vinculada dos trabalhadores, sendo autorizado nas operações em que o FGTS for dado como garantia do crédito consignado.
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A medida surpreendeu integrantes do Conselho Curador do FGTS. Eles temem uma sangria no Fundo dos trabalhadores — que já teve suas reservas reduzidas por causa do saque das contas inativas no valor de R$ 44 bilhões e com a retirada dos recursos por causa do aumento do desemprego nos últimos dois anos. Em razão disso, o orçamento plurianual (entre 2018 e 2021) do Fundo, aprovado pelos conselheiros esta semana, encolheu em todas as modalidades de financiamento (habitacional, saneamento básico e projetos de mobilidade urbana). O valor total cairá de R$ 88 bilhões este ano para R$ 85,5 bilhões em 2018 e R$ 81,5 bilhões até 2021.
— Estamos muito preocupados, porque o orçamento está muito justo, e qualquer medida adicional levará à revisão dos números — disse um conselheiro.
TEMOR DE FRAUDES E MAIS RETIRADAS
Os dados do orçamento mostram que, nos próximos quatro anos, as retiradas do FGTS vão superar as entradas em R$ 56 bilhões, considerando depósitos, saques, novas operações de crédito e o retorno dos empréstimos. Com isso, as disponibilidades do Fundo em 2021 estão estimadas em apenas R$ 10 bilhões (valor insuficiente para executar políticas de habitação social, como os subsídios do Minha Casa Minha Vida). Essa conta não considera a nova modalidade de saque que o governo quer criar para estimular a economia.
Outra ameaça ao FGTS vem de uma emenda à MP do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). O impacto é estimado em R$ 30 bilhões, segundo fontes oficiais.
— Como vamos ter força para ir ao Congresso e tentar barrar essa emenda do Fies, se o governo quer criar uma nova modalidade de saque do FGTS? — indagou o conselheiro.
Segundo ele, o texto da MP que está pronta para sair do forno, além de sacrificar a principal fonte de recursos para habitação e saneamento do país nos próximos anos, pode estimular fraudes. O receio é que pessoas façam o consignado e, um mês depois, peçam demissão somente para sacar os recursos.
Até o argumento do governo, que é de estimular o consignado no setor privado, é contestado, por causa do limite de 10% do saldo da conta para pagamento do empréstimo, previsto na MP. O que vai acontecer, destacou o conselheiro, é que a medida vai estimular os saques, sobretudo de valores elevados.
A lei 13.313, sancionada em julho de 2016, que autorizou o uso do FGTS como garantia do consignado, não teve o resultado esperado por falta de interesse dos bancos. Eles só podem receber o dinheiro nos casos em que o trabalhador for demitido sem justa causa, em valor equivalente a 10% do saldo da conta, e a integralidade da multa de 40%. Além disso, o teto de juros (de 3,5% ao mês) definido pelo Conselho Curador para essas operações foi considerado baixo pelo setor financeiro, segundo relatos de representantes das instituições no colegiado.
Integrantes do governo informaram que a nova proposta partiu dos bancos e foi endossada pela Casa Civil, e pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda. O assunto vem sendo tratado com reservas.
INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CRITICA
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), José Carlos Martins, a medida pode levar ao travamento do crédito imobiliário num momento de aumento da demanda com a economia em recuperação. Ele lembrou que as demissões acordadas trazidas pela reforma trabalhista — que vão permitir o saque de 80% do saldo e de 20% da multa — elevarão as retiradas naturalmente:
— Duvido que alguém do governo tenha um cálculo para saber se o FGTS vai conseguir atender o que já foi contratado. Estão retirando dinheiro do investimento para elevar o consumo. Isso é absurdo. O Fundo não pode pagar o preço por ser bem gerido até agora.
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