quinta-feira, 5 de outubro de 2017

1em cada 5 internos da Fundação Casa é reincidente; nº é recorde




1em cada 5 internos da Fundação Casa é reincidente; nº é recorde

Proporção de jovens que voltaram a praticar infrações se aproxima do que era registrado na Febem, extinta em 2006; falta de oportunidades fora da internação e falhas de acompanhamento pelo poder público agravam cenário, afirmam especialistas

Luiz Fernando Toledo, O Estado de S.Paulo
05 Outubro 2017 | 03h00
A adolescência de Bruno (nome fictício), de 14 anos, começou atrás das grades. Ele não tem ídolos, não assiste à TV e, das poucas vezes que foi à escola, na periferia de Atibaia, a 64 quilômetros da capital paulista, havia professor de menos e drogas demais, pelo que relata. Em fevereiro de 2016, foi internado na Fundação Casa pela primeira vez, por roubo com arma de brinquedo. Ficou 45 dias internado e saiu. Na rua, viu os colegas em ascensão no tráfico e foi apreendido novamente. Na segunda e na terceira vez, foi pego por tráfico de drogas, infração cometida por 40% dos internos. 
“Achava que teria uma vida boa. Mas até agora só o que eu consegui foi chegar a lugar nenhum”, conta o jovem, que neste ano cumpre a terceira internação. Os pais de Bruno também têm envolvimento com o tráfico e já foram presos. 
Um em cada 5 internos da Fundação Casa é reincidente; nº é recorde no órgão
Número. Taxa de adolescentes que retornam à Fundação Casa dobrou em relação a 2010 Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Casos semelhantes têm preocupado as autoridades. A proporção de reinternações no sistema socioeducativo paulista bateu recorde este ano e já atingiu o maior patamar desde 2007, primeiro ano que funcionou a Fundação Casa. A taxa se aproxima, ano a ano, ao que era o índice da antiga Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem). 
Para especialistas, falhas no diálogo entre órgãos responsáveis por políticas socioeducativas e no acompanhamento dos jovens liberados explicam o quadro. A atribuição não é só do governo estadual. Desde 2010, cabe aos municípios coordenar as medidas socioeducativas sem privação de liberdade, como advertência e prestação de serviços comunitários. A crise econômica no País, que reduz as oportunidades de emprego aos jovens mais pobres, também contribui. 
Em 2017, segundo levantamento obtido com exclusividade pelo Estado, 21,93% dos internos já haviam passado pela Fundação Casa outra vez. É praticamente o dobro da taxa de 2010, quando 12,80% reincidiram - mínimo registrado desde o início da Fundação Casa. Em 2006, último ano da Febem, o índice de jovens que voltaram a cometer infrações foi de 29%. Já o tempo médio de internações tem caído. Em 2013, foram 261 dias, ante 244 neste ano.
A Fundação Casa foi criada justamente para ampliar o atendimento socioeducativo e evitar o encarceramento. Assim, a ideia era de oferecer chance real de reinserção, impedindo que os jovens, quando adultos, migrem para o sistema prisional. A redução da maioridade penal teve discussão retomada no Senado. 
“A reinternação se deve à ineficácia das medidas socioeducativas. Não recuperam e não reintegram de modo saudável”, critica Tiago de Toledo, promotor da Infância e Juventude do Ministério Público Estadual. “Em seis ou sete meses é possível recuperar um adolescente?”
Os adolescentes, na maioria pobres, enfrentam falta de opções efetivas - de estudos e de emprego - na vida após a internação. “Do jeito que está, muitos preferem até continuar na unidade, porque ao menos lá têm comida, podem praticar esporte e ter um lugar decente para dormir”, diz Ricardo Cabezón, presidente da Comissão de Direitos Infantojuvenis da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Muitas vezes o adolescente entra na fundação e está devendo ao traficante. Quando volta para a favela, tem de acertar a dívida ou vai morrer.”
Vício. A facilidade de conseguir dinheiro com delitos e a ausência da família são citadas pelos internos como motivos para repetirem infrações. Felipe (nome também fictício), de 18 anos, outro interno em Atibaia, se viciou em maconha e lança-perfume após perder o pai, aos 13 anos. A mãe, empregada doméstica, ficava o dia inteiro fora de casa. E o irmão mais velho já era viciado em drogas. “Eu usava para não ficar solitário, para poder enturmar. E o uso me fez vender também. Quando vi que podia ganhar R$ 600 em uma noite, subiu à cabeça”. Na escola, perdeu o foco. “Quando saí, já estava viciado. Só via droga na mente”, diz o rapaz, que sonha em ser músico. 
“A maioria dos que recebemos estão evadidos da escola. Alguns não sabem nem ler e escrever. Para recuperá-los, é preciso recuperar primeiro esse vínculo, com a escola e a família”, afirma a diretora da unidade de Atibaia, Marili Angelo. 

Total de jovens acusados por homicídio diminui 93%

O número de adolescentes acusados de homicídio internados no Estado caiu de 476, em 2006, quando ainda havia a Febem, para 32, neste ano, já na Fundação Casa. A redução é de 93%. Considerando que o número de internos cresceu no período, a proporção caiu de 8,02% do total de atos infracionais cometidos em 2006 para 0,35% neste ano. 
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado adiou, no dia 27, a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes hediondos. O projeto só poderá voltar à pauta no fim de outubro. A mudança seria para crimes como latrocínio, extorsão, estupro, favorecimento à prostituição e exploração sexual de crianças, adolescentes e vulneráveis e ainda homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e reincidência em roubo qualificado.
Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) já se declarou defensor do aumento do tempo máximo de internação no sistema socioeducativo, de três para oito anos no caso de infrações graves. 
Perfil. Em São Paulo, atos infracionais considerados graves, exceto roubo qualificado, segundo dados da Fundação Casa, atingem 2% do total de internos. Tráfico e roubo são os delitos mais comuns. A quantidade de jovens que respondem por roubo qualificado (com uso de arma de fogo, por exemplo) atingiu 41,65% neste ano. E, por tráfico de drogas, são 41,53%. 
Outro levantamento foi concluído pelo Ministério Público paulista em setembro e considera atos infracionais entre agosto de 2014 e agosto deste ano na capital. O estudo revela maior incidência entre jovens com 16 e 17 anos, em comparação com os mais novos. Dentre 7,6 mil casos de tráfico na cidade, 5,3 mil (70,3%) foram cometidos por jovens na faixa etária mais velha ante 2,2 mil (29,7%) entre menores de 16 anos. 
“O número de crimes graves, como o roubo qualificado, tem crescido muito”, diz Tiago Toledo, promotor da área da Infância. O furto qualificado aparece com 862 casos, sendo 62,5% cometidos por jovens de 16 anos ou mais.

Senado quer preso no semiaberto em caso de superlotação

O plenário do Senado aprovou nesta um projeto de lei que promove uma reforma ampla na Lei de Execução Penal, proposta por uma comissão de juristas formada em 2012. As mudanças vão desde o direito à progressão antecipada de regime para presos em cadeias superlotadas ao estabelecimento de parâmetros quantitativos para definir se drogas apreendidas eram para consumo pessoal ou não. O texto foi enviado para apreciação da Câmara dos Deputados. 
Os objetivos são reduzir a superlotação, o excesso de presos provisórios no sistema penitenciário e facilitar a ressocialização de internos, de acordo com os parlamentares.
O Projeto de Lei do Senado 513/2013 prevê, por exemplo, que os presos passem a ser remunerados pelo trabalho no cárcere com base no salário mínimo (e não mais em três quartos do valor) e adota oficialmente as audiências de custódia, reguladas hoje por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 
O projeto também sugere que sejam criados incentivos fiscais para empresas que contratarem presos e egressos de presídios. /COLABOROU FELIPE FRAZÃO

Um comentário:

  1. Só quem trabalha dentro do pátio sabe o porquê o funcionário não pode fazer nada se cobrar a disciplina como tem quer ser cobrado rapidamente o funcionário e punido se não mudar nada isso só vai piorar

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