postado em 24/06/2017 08:00 / atualizado em 24/06/2017 10:21
Presos do Distrito Federal ganharão novos benefícios como recompensa ao bom comportamento. Os apenados poderão assistir a sessões de cinema, jogos esportivos, teatro, shows e outras atividades socioculturais, além de ter direito a praticar esportes em áreas específicas. Os benefícios estão previstos no Código Penitenciário do DF, aprovado pela Câmara Legislativa em 13 de junho. Um grupo de trabalho criado pela Secretaria de Segurança Pública definirá como e quando os benefícios serão concedidos. As benesses se somam a mais um capítulo da polêmica sobre as prerrogativas ofertadas aos encarcerados do sistema penitenciário da capital, como o saidão junino.
As regalias valem para homens e mulheres que apresentarem melhor aproveitamento das propostas de ressocialização educacionais e de trabalho e para aqueles que cumprirem as regras disciplinares do sistema. Segundo o presidente do Sindicato dos Agentes de Atividades Penitenciárias (Sindpen-DF), Leandro Allan Vieira, no entanto, o número atual de servidores não é suficiente para que o cumprimento das medidas seja acompanhado adequadamente. “Nem mesmo os trabalhos de rotina estão sendo realizados em sua plenitude em razão do excesso de trabalho e da falta de servidores. Portanto, as novas normas deixam a sociedade vulnerável, em razão da ausência do Estado no que tange à fiscalização. Não estamos preparados para atender ao estatuto legal aprovado”, critica.
De acordo com Vieira, seria necessária a convocação de ao menos mais 1 mil agentes — hoje, são 1.250. As secretarias de Planejamento, Orçamento e Gestão e de Segurança Pública informaram que o concurso para cargo de agente de atividades penitenciárias está em andamento e, atualmente, ocorre etapa do curso de formação.
A nova norma do DF regulamenta a Lei Federal de Execuções Penais em território brasiliense. A regra nacional prevê que as legislações locais e os regulamentos estabeleçam a forma de concessão de regalias. No caso do DF, o código buscou inspirações no Decreto nº 6.049, de 2007, que aprova o regulamento penitenciário federal e prevê os mesmos direitos na capital.
Para o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri), do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), as sessões de atividades socioculturais não ocorrerão necessariamente com a saída externa do preso. Segundo o MP, deve ser observado o regime prisional para que as concessões sejam compatíveis. “(As regalias) jamais atenderão a um aspecto meramente recreativo, o que, por vezes, pode gerar uma percepção distorcida do dispositivo legal”, garantiu o núcleo. “É preciso atentar que tais estímulos a uma conduta adequada não devem ser confundidos com passeios ou atividades sociais e recreativas idênticas às das pessoas que não têm restrição de liberdade”, continua o texto.
Para o consultor em segurança pública e professor George Felipe Dantas, a reintegração progressiva do preso à vida social é positiva para a comunidade. Na visão dele, o que gera a preocupação na população é a atual crise nas esferas éticas, políticas, econômicas e até na criminal. “As pessoas veem a ação com muita negatividade em razão do clima atual do país como um todo. Como vivemos em um tempo de pânico moral, existe um sentimento, por parte da população, de uma retribuição violenta, mas a necessidade da reintegração social sempre vai existir. Todos esses benefícios são necessários”, esclareceu.
Divergência nas ruas
Apesar de especialistas em segurança pública considerarem a medida válida para auxiliar a reinserção do preso ao convívio social, alguns moradores do DF a desaprovam. É o caso do vigilante Renan Santos Mendonça, 33 anos, morador do Guará. “Não concordo com a nova medida, porque, quem está preso, boa coisa não fez. Além disso, a gente, que não fez nada, tem muita dificuldade para ir ao teatro e fazer essas coisas. Por que eles terão esse direito?”, questionou.
Por outro lado, há quem defenda as medidas. Roberto Rivellino, 47 anos, é a favor da novidade. Morador de Planaltina, o comerciante destaca que é necessário pensar em maneiras para ressocializar as pessoas que estão presas. “Não adianta só mantê-los presos, esquecidos. Eu acho que precisa ter maneiras de ressocialização. Eu sou a favor”, opinou.
Na visão da presidente da Associação de Familiares de Internos e Internas do Sistema Penitenciário do DF e Entorno (Afisp-DFE), Alessandra Paes da Silva, a desaprovação da população representa uma forma de discriminação. “Todo mundo tem direito a uma segunda chance. Todos são seres humanos e exigem ser respeitados e ter um espaço para que possam mudar de vida. O que eles precisam é de oportunidade e de respeito”, defendeu.
Trâmites
O texto aprovado recebeu contribuições do MPDFT, da Vara de Execuções Penais (VEP), da Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe), da Defensoria Pública e da Ordem dos Advogados do Brasil seccional DF (OAB-DF). Para começar a valer, a legislação precisa ser regulamentada pelo governador Rodrigo Rolllemberg (PSB). Além da concessão dos benefícios, o Código Penitenciário do DF determina outros direitos e deveres aos apenados, como a possibilidade de a pessoa com deficiência cumprir pena em espaço exclusivo e adaptado e o direito de travestis e transexuais serem tratados pelo nome social (veja o quadro).
Na visão da professora do Departamento de Sociologia da UnB e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis), Maria Stella Grossi Porto, é um avanço os presidiários poderem utilizar o nome social. No entanto, segundo ela, é importante refletir sobre o espaço de convivência para pessoas transexuais. “Se a questão tiver caminhando no sentido de separação em razão de preconceito, precisamos rever esse conceito. O endurecimento penal, por exemplo, não tem levado a melhores condições aos presos nem à redução de crimes. Por isso, encarar com um pouco mais de humanidade, proporcionando-lhes melhores condições de socialização, pode ser a alternativa”, destacou.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social do Distrito Federal destacou que a Subsecretaria do Sistema Penitenciário (Sesipe) ficará responsável por instituir um grupo de trabalho para estudar a aplicabilidade de diversos pontos previstos no código. “Contudo, a Sesipe ainda aguarda a publicação do PL pela Câmara Distrital e a consequente análise pelo Executivo para definir como serão implementados alguns benefícios aos detentos”, informou o texto. A pasta ressaltou, ainda, que qualquer benefício é autorizado pela Vara de Execuções Penais (VEP) e cabe à Justiça determinar ou não o cumprimento das medidas que possam beneficiar integrantes do sistema prisional.
Novo benefício
No início do mês, a Vara de Execuções Penais (VEP) autorizou o saidão junino para presos do sistema penitenciário. Por lei, cada apenado pode deixar a cadeia, sem custódia, para reencontrar parentes, 35 dias no ano. Com o benefício de junho, a Justiça aumentou para 10 o número de saidões de presos por ano, com uma quantidade menor de tempo a cada período. Desde o início do ano, eles já receberam o benefício três vezes: o saidão junino, o de Páscoa e o do Dia das Mães. Ao todo, 876 presos deixaram a unidade prisional em 9 de junho e retornaram no dia 12. Desses, 15 não voltaram para a cadeia.
Povo fala
O que você acha das novas normas?
“Eu discordo da novidade. Eles estão presos porque estão cumprindo uma pena. Não devem ficar recebendo privilégios”
Evanilda Ferreira, 52 anos, dona de casa
“Eu sou a favor da medida. Acho que todo mundo merece uma segunda chance e possibilidades para melhorar”
Sônia Soares de Santos, 33 anos, lavradora
“Eu concordo com as novas regras. Acredito que quem errou também pode ter outras oportunidades”
Adão Ferreira Rosa, 46 anos, lavrador
Confira alguns pontos do Código Penitenciário do DF
» Possibilidade de a pessoa com deficiência cumprir pena em espaço distinto, exclusivo e adaptado. Para os tetraplégicos e paraplégicos, deverá haver cela com ventilação cruzada, além da atenção de cuidadores;
» Permissão de travestis e transexuais cumprirem pena em condições adequadas e em local distinto, exclusivo e apropriado à sua situação;
» Deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos para garantir segurança de travestis e transexuais. A retirada ou transferência da pessoa do espaço de vivência ficará condicionada à expressa manifestação de vontade dela;
» Para os travestis ou transexuais, será facultado o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero. Essas pessoas também têm o direito de ser chamadas pelo nome social, que deverá constar no registro de admissão do estabelecimento prisional;
» A norma ainda determina que devem ficar em celas separadas os presos provisórios dos definitivos; os sentenciados primários dos reincidentes; os maiores de 60 anos; os que são ou foram funcionários do Sistema de Administração da Justiça Criminal e o indígena;
» No caso do atendimento à presa grávida, é obrigatória a presença imediata de acompanhante à parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. Além disso, a regra proíbe o uso de algemas em mulheres presas durante o trabalho de parto, no trajeto dela entre a unidade prisional e a unidade hospitalar e após o parto, durante o período em que estiver hospitalizada;
» Os espaços de convivência mãe-filho devem ter áreas verdes, também com área coberta, com acesso à realização de atividades lúdicas. O horário de banho de sol deve ser ampliado e diferenciado para as mães e filhos;
» Proibição de qualquer forma de revista vexatória, desumana ou degradante nos visitantes. Todo visitante será submetido à revista mecânica, a qual deverá ser executada, em local reservado, por meio da utilização de equipamentos eletrônicos;
» Na hipótese de suspeita de que o visitante esteja portando objeto ou substância ilícitos, durante o procedimento de revista mecânica, a pessoa deverá ser novamente submetida à revista mecânica. Persistindo a suspeita, ela será impedida de entrar na unidade prisional e será encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) ou a um hospital, onde um médico realizará os procedimentos adequados para averiguar o caso;
» Poderá, ainda, haver autorização especial de saída, para realização ou participação em atividades no âmbito laboral, educativo, formativo ou em visitas de estudo, de formação ou culturais, organizadas pela unidade prisional
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