DEGASE: CRIMES GRAVES, MEDIDAS LEVES
Jovens infratores deixam unidades no Rio cada vez mais cedo
POR ELENILCE BOTTARI*
2017-06-05 20:27:46.0 Atualizado:
A superlotação é hoje um dos principais fatores apontados nos relatórios do Departamento Geral de Socioeducação do Estado do Rio para a progressão de medidas de jovens em conflito com a lei. Um relatório da direção do Educandário Santo Expedito, em Bangu, encaminhado em abril passado à Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (CDEDICA), da Defensoria Pública, já alertava para uma gravíssima situação na unidade, principal centro de internação para adolescentes de 16 e 21 anos do Departamento Geral de Medidas Socioeducativas (Degase). No documento, o diretor Gustavo Rodrigues Andrade Silva, alerta para o risco de amotinamentos e rebeliões.
Conforme revelou O GLOBO na edição desta segunda-feira, embora a lei estabeleça medidas de até três anos de internação em casos de crimes graves, no estado, 69% dos adolescentes recebem semiliberdade ou liberdade assistida com menos de seis meses. Mesmo nos casos mais graves, como latrocínios e homicídios, eles só ficam segregados por um média de tempo de 8,9 meses.
*Colaborou Kátia Gonçalves
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TRÂMITES NA JUSTIÇA E CENTRAL DE VAGAS
Pela lei, as medidas determinadas pelo Juizado da Infância e da Juventude, que julga os atos praticados, devem ser reavaliadas em no máximo seis meses. Não conta para a manutenção de uma medida de internação nem o ato que o jovem praticou e nem mesmo se ele é reincidente ou não. Mas principalmente o relatório dos profissionais do Degase sobre as intervenções socioeducativas realizadas.
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No documento encaminhado pelo diretor do Santo Expedito retrata a situação caótica que vive o sistema Degase, o diretor afirma que "os relatórios produzidos muitas vezes não conseguem retratar a realidade de vida destes jovens, tão pouco apresentar uma análise social, psicológica e pedagógica consistente a respeito dos casos, o que impede também o posicionamento da equipe quanto à progressão da medida nos relatórios e audiências.
“Há um risco iminente de um colapso de todos os serviços que envolvem as atividades nessa instituição, inclusive de amotinamentos e rebeliões de grandes proporções que sabidamente podem levar a resultados trágicos com graves lesões e óbitos de servidores, colaboradores e internos” , denunciou o diretor em seu relatório.
Ao falar da superlotação, o diretor do ESE afirmou ainda que embora o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) - que regula o cumprimento das medidas - estabeleça que as unidades tenham no máximo 90 adolescentes, o Santo Expedito tem 524 internos, para 232 vagas instaladas.
— Nos relatórios, é comum os agentes informarem que não foi possível fazer sequer a avaliação pedagógica, porque, devido à superlotação, não há vagas na escola. Ou seja, o adolescente não frequentou sequer aulas. Também é comum que não tenham passado por mais de uma entrevista. O trabalho terapêutico com as famílias, também previsto na lei, não é feito. Portanto, esses relatórios são muito frágeis para garantir que os jovens estão prontos para serem liberados — afirma a juíza Vanessa Cavalieri, titular do Juizado da Infância e da Juventude.
O documento originou o programa da Central de Vagas, um acordo feito entre a Defensoria Pública, o Estado, e a Promotoria de Tutela Coletiva do Ministério Público, que criando uma fila de espera para novas internações de adolescentes em conflito com a lei. O acordo foi homologado pela juíza Lúcia Glioche, da Vara de Execuções de Medidas Socioeducativas, mas foi suspenso pela Justiça em ação movida por promotores que cuidam das infrações praticadas que está sob júdice na Justiça do Rio.
Vanessa Cavalieri também é contra a criação da Central de Vagas porque, segundo ela, o programa não obriga o estado a construir novas unidades, aumenta o risco para a população e tira do jovem o direito de receber uma intervenção socioeducativa que possa modificar a sua realidade:
- Hoje no Rio, para cada dois adultos presos, um adolescente é apreendido em flagrante. O sistema carcerário tem 50 mil vagas e o Degase 1 mil. Só não está muito pior o problema da superlotação porque eles ficam muito pouco tempo internados. No caso de roubos, a média é menos de cinco meses. A gente tem que pensar será que este menino que está progredindo de medida, será que ele está ressocializado, ou será que está progredindo apenas porque o sistema está superlotado?
Segundo a magistrada, quando o adolescente cumpre medida em regime fechado, são maiores as chances dele não voltar a praticar o crime do que quando cumpre em meio aberto.
- Eles acreditam na impunidade. Então, quando o mundo dele desaba e ele fica apreendido seis meses, ele não volta a cometer infração. Um levantamento que fizemos aqui mostrou que nos casos de semiliberdade, a reindência foi de 50%, enquanto que a reincidência nos casos que ficaram internados foi de 4%. A não ser, nos casos, que o contexto familiar é muito ruim ou ele mora na rua - defendeu Vanessa Cavalieri.
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JOVEM QUE ROUBOU CARGA FICOU CINCO MESES INTERNADO
Passava das 7h do dia 18 de novembro do ano passado, quando B. de 17 anos, junto com pelo menos outras cinco pessoas, foi acusado de participar de um roubo de carga, de reagir à polícia e de atirar contra cinco policiais. O caso aconteceu na Avenida Brasil, próximo a Guadalupe, Zona Norte. Enquanto os comparsas seguiam o caminhão dentro de dois veículos, utilizando, inclusive, aparelho bloqueador de GPS, o menor efetuava disparos contra os policiais que haviam iniciado uma perseguição. Os disparos não atigiram os PMs.
Após a colisão do caminhão contra um poste, B. foi apreendido e acusado de praticar crime análogo a tentativa de homicídio de autoridades de segurança.
Em abril, cinco meses depois de ser encaminhado ao cumprimento de medida socioeducativa, o adolescente conseguiu a progressão da medida para a semiliberdade. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro entrou com recurso para revogar a decisão.
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JOÃO HÉLIO: O CASO QUE CHOCOU O RIO
Em fevereiro de 2007, Rosa Fernandes estava parada em um sinal de trânsito na Rua João Vicente, no bairro de Oswaldo Cruz, zona norte do Rio. No banco de carona estava sua filha, então com 13 anos, Aline. No banco de trás estava João Hélio, de 6 anos. Às 21h, quatro criminosos, incluindo um menor, anunciaram um assalto. Rosa e Aline conseguiram sair rapidamente do veículo. Mas, ao tentar tirar o filho do banco traseiro, a criança ficou presa no cinto abdominal. Os bandidos arrancaram com o carro e o menino foi arrastado por sete km, percurso que durou 10 minutos. Pedestres gritavam pelas ruas para alertar os criminosos sobre o menino, mas foram ignorados. O corpo de João Hélio foi abandonado em Cascadura, também na Zona Norte.
Os criminosos foram condenados a penas que variaram de 39 a 45 anos de reclusão. O menor envolvido recebeu pena de medida sócio educativa, tendo que cumprir três anos em regime fechado. Após ser solto, voltou a ser preso em 2012 por porte ilegal de arma, tráfico de drogas e associação ao tráfico.
Os criminosos foram condenados a penas que variaram de 39 a 45 anos de reclusão. O menor envolvido recebeu pena de medida sócio educativa, tendo que cumprir três anos em regime fechado. Após ser solto, voltou a ser preso em 2012 por porte ilegal de arma, tráfico de drogas e associação ao tráfico.
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MEDIDA DE 3 ANOS NO ESTUPRO DE TURISTA AMERICANA
Em março de 2013, uma jovem norte-americana de 21 anos, que já estava no Rio de Janeiro há um ano para um intercâmbio em uma universidade carioca, foi assaltada, sequestrada e estuprada por quatro homens e um adolescente de 13 anos. Seu namorado, um francês de 22 anos foi algemado e espancado com uma barra de ferro de 40 cm pelo menor. Ele trabalhava como cobrador na "van do terror", como foi chamado pela imprensa o local onde o crime bárbaro foi cometido. Esse foi um dos poucos casos em que o menor infrator cumpriu os três anos máximos que a lei estabelece como medida socioeducativa.
O casal de turistas morava em Copacabana e embarcou na van às 0h50 para ir a uma casa de shows na Lapa. Após um assalto ser anunciado dentro do veículo, o menor recolheu celulares, relógios e dinheiro dos sete passageiros. Cinco foram liberados no Elevado da Perimetral após o roubo, os turistas foram mantidos reféns pelo bando. A jovem foi estuprada oito vezes e teve seu nariz quebrado com um soco, inclusive pelo adolescente. O grupo parou em vários postos de gasolina com caixas eletrônicos para fazer saques, inclusive voltando a Copacabana para que a jovem pegasse um outro cartão de crédito no apartamento dela, enquanto o namorado era mantido como refém. Em lojas de conveniência, compraram bebidas importadas. Além dos celulares e um relógio, levaram um total de R$ 1.200. Ao fim do trajeto, depois de seis horas de terror, o casal de turistas, em estado de choque, foi deixado perto de uma favela de São Gonçalo, local que desconheciam. Um dos integrantes do grupo de estupradores deu R$ 20 aos turistas e mandou que andassem devagar, sem olhar para trás. Após prestar depoimento na Delegacia Especial de Apoio ao Turista (Deat), a americana voltou ao seu país e foi internada em uma clínica psicológica.
O casal de turistas morava em Copacabana e embarcou na van às 0h50 para ir a uma casa de shows na Lapa. Após um assalto ser anunciado dentro do veículo, o menor recolheu celulares, relógios e dinheiro dos sete passageiros. Cinco foram liberados no Elevado da Perimetral após o roubo, os turistas foram mantidos reféns pelo bando. A jovem foi estuprada oito vezes e teve seu nariz quebrado com um soco, inclusive pelo adolescente. O grupo parou em vários postos de gasolina com caixas eletrônicos para fazer saques, inclusive voltando a Copacabana para que a jovem pegasse um outro cartão de crédito no apartamento dela, enquanto o namorado era mantido como refém. Em lojas de conveniência, compraram bebidas importadas. Além dos celulares e um relógio, levaram um total de R$ 1.200. Ao fim do trajeto, depois de seis horas de terror, o casal de turistas, em estado de choque, foi deixado perto de uma favela de São Gonçalo, local que desconheciam. Um dos integrantes do grupo de estupradores deu R$ 20 aos turistas e mandou que andassem devagar, sem olhar para trás. Após prestar depoimento na Delegacia Especial de Apoio ao Turista (Deat), a americana voltou ao seu país e foi internada em uma clínica psicológica.
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ARQUITETA É VÍTIMA DE LATROCÍNIO NA BINÁRIO
No dia da festa de abertura dos Jogos Olímpicos, por volta das 9h de cinco de agosto de 2016, a arquiteta Denise Ribeiro Dias, de 51 anos, foi morta com um tiro na cabeça durante uma tentativa de assalto na Avenida Binário, num dos principais acessos ao Boulevard Olímpico, na região da Praça Mauá. O crime aconteceu próximo à estação Santo Cristo do VLT. Como fazia quase todas as manhãs, Denise seguia para a sede da loja de departamento no Santo Cristo, onde trabalhava. Ela dirigia um Fox preto na pista sentido Centro quando foi abordada por três homens armados, dois deles, adolescentes. Assustada, tentou fugir e, baleada, perdeu a direção do carro, atravessou as faixas do (VLT) e parou quando o veículo bateu num poste na pista sentido rodoviária. A vítima já estava morta quando os policiais chegaram.
Um dos jovens internados pelo crime ganhou o direito a semiliberdade no último dia 16 de maio, antes de completar nove meses de internação.
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O CASO DA JOVEM ANA BEATRIZ
Estudante dedicada, Ana Beatriz Frade tinha 17 anos e estava estudando para o vestibular de Medicina em Guarapari, no Espírito Santo. Veio ao Rio para fazer uma surpresa para a mãe, Roberta Pereira que voltava de uma viagem. Ela estava a caminho do Aeroporto, quando o carro do padrasto foi atacado por um bonde, em um dos acessos à Linha Amarela, e ela acabou baleada. O caso completou em maio um ano. Também em maio, a vida de cinco dos seis envolvidos no crime mudou. Quatro deles, maiores de idade, foram condenados a mais de 20 anos de prisão, em regime fechado, pelo latrocínio.
Já os dois adolescentes envolvidos tiveram destino diferente. Um continua internado e o outro acaba de ganhar progressão para semiliberdade. O Ministério Público recorreu da decisão da Justiça.
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JAIME GOLD, MORTO BRUTALMENTE NA LAGOA
O médico Jaime Gold, de 57 anos, foi esfaqueado no início da noite de19 maio de 2015, na Lagoa, na Zona Sul do Rio, por pelo menos dois jovens que lhe roubaram a bicicleta. Mesmo sem reagir, ele foi atacado na barriga e no braço. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu no dia seguinte. Segundo o laudo médico, ele sofreu vários ferimentos na barriga e no braço. Pelo menos três adolescentes foram acusados de participação no crime.
Apesar da gravidade do crime, um dos adolescentes ganhou a progressão de medida em fevereiro passado, um ano e nove meses após o assassinato. Ele deveria cumprir se apresentar espontaneamente um Criaad Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Adolescente), onde poderia sair para estudar e voltar para dormir. Mas nunca compareceu a unidade. É considerado foragido.
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JOVEM MATOU COLEGA DENTRO DO DEGASE
Apreendido em Resende, num flagrante por tráfico de drogas em janeiro de 2015, o adolescente A. foi internado no Centro de Socioeducação Irmã Asunción de La Gándara Ustar, uma unidade do Degase que atende também internações provisórias, em Volta Redonda, no Sul Fluminense. Dois meses depoiis, ele e mais um interno, agrediram e estrangularam um outro interno, de apenas 14 anos. Inicialmente, o próprio Degase informou tratar-se de um caso de mal súlbito, mas a perícia revelou que a morte foi resultado de uma lesão na coluna cervical.
Em depoimento à polícia, o jovem e o colega afirmaram que "ouviram a vítima dizer que havia abusado de uma criança" e então, resolveram matá-la. O crime ocorreu em março de 2015. Em maio de 2016, o adolescente ganhou a semiliberdade, mas o Ministério Público recorreu e ele continuou internado. Agora, em maio de 2017, o jovem foi posto em Liberdade Assistida. O MP está novamente recorrendo contra a medida
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