Posso ser melhor', diz interno da Fundação Casa ao conquistar trabalho
Aos 16 anos, jovem começou a trabalhar como menor aprendiz nos Correios. Sonho é cursar faculdade de robótica; 'Espero ansiosa ele aqui fora', diz mãe.
09/10/2016 15h01 - Atualizado em 09/10/2016 15h01
Jovem de 16 anos sonha cursar faculdade após sair da Fundação Casa (Foto: Cristiane Araújo/G1)
Aos 16 anos, um jovem tem nas mãos a oportunidade de reescrever sua história. Internado na Fundação Casa em Ribeirão Preto (SP), onde cumpre medida socioeducativa por tráfico de drogas, o adolescente viu no trabalho como menor aprendiz, a chance de enterrar de vez o passado criminoso. Há um mês, ele integra a equipe dos Correios e deposita no emprego todas as suas esperanças em um futuro diferente.
“Resolvi mudar de vida para dar orgulho para as pessoas que eu conheço e para a minha mãe. Eu entendi que posso ser melhor que isso, do que ficar na rua, do que correr risco de morte”, diz Lucas*, nome fictício adotado para preservar sua identidade.
Juventude problemática
A vida de Lucas* no crime começou quando ele tinha 14 anos. O adolescente conta que resolveu ir morar com amigos, mas, sem dinheiro para pagar as contas, a solução encontrada foi roubar. “O primeiro roubo foi um cordão de ouro. Senti um frio na barriga. Roubei, vi que era fácil e depois continuei, mas sempre com os amigos.”
A vida de Lucas* no crime começou quando ele tinha 14 anos. O adolescente conta que resolveu ir morar com amigos, mas, sem dinheiro para pagar as contas, a solução encontrada foi roubar. “O primeiro roubo foi um cordão de ouro. Senti um frio na barriga. Roubei, vi que era fácil e depois continuei, mas sempre com os amigos.”
Resolvi mudar de vida para dar orgulho para as pessoas que eu conheço e para a minha mãe. Eu entendi que posso ser melhor que isso, do que ficar na rua, do que correr risco de morte."
Lucas*, adolescente
Passado um tempo, o crime acabou rendendo a Lucas* sua primeira experiência com a polícia. “Fui fazer um assalto perto do Novo Shopping. Íamos roubar o carro de uma moça, mas como ela entrou no carro, só pegamos a bolsa e saímos correndo. Os policiais pegaram a gente perto da Catedral e me levaram na delegacia. Nesse dia, eles iam me soltar, mas como minha mãe não estava comigo, porque eu tinha vergonha dela, não queria que ela entrasse numa delegacia, aí eles me levaram para o NAI [Núcleo de Atendimento Integrado]. De lá, fui paraSerrana (SP) e, então, para a Fundação.”
Meses depois, o adolescente acabou ganhando a liberdade ao fazer um acordo em que se comprometia a não usar drogas e a ficar longe de atividades criminosas. Entretanto, não demorou muito para Lucas se envolver novamente com o crime.
De família humilde, ele se sentiu atraído pelo tráfico de drogas, atividade que traria o dinheiro necessário para comprar coisas que a mãe não podia lhe dar. “Via um monte de gente na escola com celular da moda, bem vestido, e resolvi entrar para o tráfico. Primeiro ia traficar só para fazer um dinheiro e parar, mas eu continuei. Fazia R$ 200 por dia, de lucro.”
Por causa do tráfico, Lucas acabou sendo apreendido novamente e, há pouco mais de um ano, está na Fundação Casa.
De volta ao crime e punido, Lucas* diz ter se visto em uma situação ainda mais delicada. A relação com a mãe ficou estremecida. “Minha mãe nunca compreendeu muito eu fazer essas coisas. Ela frequentava a igreja e deixava nas mãos de Deus. Para ela, ele ia resolver. Eu tive muita vergonha, porque eu falava que eu não ia voltar mais, nunca mais”, diz o jovem.
Jovem de 16 anos cursa o ensino fundamental na unidade em Ribeirão Preto, SP (Foto: Cristiane Araújo/G1)
A volta por cima
Privado da liberdade e distante da família, Lucas* afirma que começou a refletir sobre o futuro. Ele considera que tinha dois caminhos: continuar insistindo no tráfico ou construir um futuro livre do crime. Optou pela segunda e procurou a direção da instituição, uma vez que várias parcerias foram criadas com empresas para dar uma nova chance de vida aos internos.
Privado da liberdade e distante da família, Lucas* afirma que começou a refletir sobre o futuro. Ele considera que tinha dois caminhos: continuar insistindo no tráfico ou construir um futuro livre do crime. Optou pela segunda e procurou a direção da instituição, uma vez que várias parcerias foram criadas com empresas para dar uma nova chance de vida aos internos.
“Quero mostrar para todo mundo que lutar de forma honesta compensa. Entendi que é muito melhor do que viver tudo o que passei nas ruas, destruindo a vida de pessoas que nunca fizeram nada para mim. Daqui pra frente, quero ter a consciência que minha parte eu fiz.”
Em uma das tentativas de conseguir o primeiro emprego, *Lucas precisou contar com o apoio de uma assistente social para ajudá-lo naquele momento, que era um grande desafio. “Senti um frio na barriga, o primeiro currículo eu não tive coragem de entregar sozinho, de vergonha”, diz.
Eu espero ansiosa ele aqui fora. Aluguei uma casa melhor para morarmos, com um quarto só pra ele. Vamos comprar roupas quando ele sair, para ele sentir que mudou de vida mesmo. Ele sabe que não tem outro caminho para ser uma pessoa digna. Ele tem bons exemplos a seguir."
dona Eliete, mãe do Lucas*
Finalmente, este ano, o jovem acabou sendo aprovado em um processo seletivo dos Correios e começou a trabalhar em setembro.
O incentivo para a conquista da vaga partiu também da própria diretoria da instituição. Segundo o diretor da unidade João Rafael Mião, as parcerias servem para que os jovens internos possam dar os primeiros passos no mercado de trabalho e caminhar com as próprias pernas, longe do crime, quando forem libertados.
“A ideia era trabalhar focado no mercado de trabalho e no vínculo desses jovens com o mundo lá fora. O crime traz dinheiro fácil, mas a vida não é fácil. Percebemos que eles estão começando a dar valor nessa questão de terem a oportunidade de mudar de vida, o que lá fora e antes de vir para cá não tinham”, afirma o diretor.
Além do trabalho, Lucas* cursa o ensino fundamental, e já projeta voos maiores – quer uma bolsa em um curso profissionalizante no Senai.
“Espero que seja um pontapé para a minha carreira de trabalho e, talvez, mais pra frente, ter a minha própria empresa também. Quero fazer faculdade de robótica, mecatrônica. Hoje, eu vejo que aquela vida é muita ilusão. Com minha atitude, eu vou ajudar outros jovens, porque eu vou provar que lutando, a gente pode vencer.”
Esperança de mãe
A decisão de recomeçar a vida longe do crime deu a Lucas* uma outra oportunidade – a de reconquistar a confiança da mãe. Dona Eliete conta que passou por muitos momentos de dificuldade ao ver o filho detido. Ela acredita que a ausência do pai na vida dele foi fator determinante para o comportamento do garoto.
A decisão de recomeçar a vida longe do crime deu a Lucas* uma outra oportunidade – a de reconquistar a confiança da mãe. Dona Eliete conta que passou por muitos momentos de dificuldade ao ver o filho detido. Ela acredita que a ausência do pai na vida dele foi fator determinante para o comportamento do garoto.
“Nós, mães, tentamos dar de tudo para um filho, mas tem coisas que só o pai pode dar. O filho quer crescer com o pai, se sente mais seguro e, infelizmente, ele encontrou essa segurança nas amizades erradas. Da segunda vez que ele foi pego, era meu aniversário. Fiquei muito triste”, diz.
Diante da expectativa do filho, dona Eliete sente, agora, que a vida pode melhorar. “Graças a Deus, vejo que ele mudou. Ele vai estudar e fazer o curso de mecatrônica que ele quer, porque ele é muito inteligente. Eu espero ansiosa ele aqui fora. Aluguei uma casa melhor para morarmos, com um quarto só pra ele. Vamos comprar roupas quando ele sair, para ele sentir que mudou de vida mesmo. Ele sabe que não tem outro caminho para ser uma pessoa digna. Ele tem bons exemplos a seguir.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário