quarta-feira, 27 de julho de 2016

Com medo da polícia e da criminalidade, mães preferem filhos na Fundação Casa: "ou aqui ou o caixão"






Com medo da polícia e da criminalidade, mães preferem filhos na Fundação Casa: "ou aqui ou o caixão"

Giorgia Cavicchioli, do R7
Ana foi visitar os dois filhos que estão na Fundação Casa de ArujáGiorgia Cavicchioli/R7
Mães e filhos em meio a abraços, carinhos e sorrisos em uma festa junina. Nesta sexta-feira (22), os internos da Fundação Casa de Arujá puderam ter um momento em família. Mesmo com saudade, as mães dizem que preferem ver os filhos cumprindo medida socioeducativa do que mortos nas ruas. Maria Silva* afirma que já faz muitos planos ao lado do filho que foi apreendido depois de se envolver com drogas e tentar roubar para comprar entorpecentes.
— A primeira coisa é trabalhar e estudar, se ocupar e fazer planos para que isso não aconteça mais. Quando o menino está na rua, você sabe que tudo pode acontecer. Quem tem filho adolescente se preocupa. A gente chega ao ponto de agradecer por estarem aqui. É melhor a gente vir aqui visitar o nosso filho do que ir para o cemitério.
Segundo ela, duas conhecidas já tiveram filhos que foram mortos por policiais, o que ela chama de “terrível pesadelo”. Para ela, “quem tem filho adolescente vive em prece” e mães que perderam seus filhos nas mãos de policiais seguem suas vidas “pela metade”. Ela entende que o filho de 17 anos está tendo uma nova chance de mudar a sua história.
— A gente tem a chance de se renovar, de mudar e ter um novo recomeço. A gente sabe que eles têm essa chance e muitos não têm mais. Essas histórias são desesperadoras.
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Ana Souza* também foi para a comemoração junina, mas para visitar dois filhos: um de 16 e outro de 17 anos. Os dois foram apreendidos por tráfico de drogas, um em seguida do outro, com apenas dois meses de diferença entre eles. A mãe diz que esses foram “os piores dias” de sua vida. Ela entende que, mesmo sentindo muita falta de seus filhos em casa, essa será uma fase para que eles não sofram com notícias piores.
— Eles estão aqui vivos e tem um monte de mãe que tá chorando. Às vezes encontra um policial que mata, né? Mas eles estão aqui vivos e eu creio que vão sair daqui totalmente diferentes, em nome de Jesus.
Segundo ela, o dia a dia sem os filhos ao seu lado “é sofrido e angustiante”, mas ela entende que, dentro da fundação, eles “estão cuidados e longe de pessoas más, de pessoas ruins”.
Outra mãe que sentiu “um alívio” ao ver que o filho não tinha sido morto depois de tentar roubar uma moto no Natal do ano passado foi Paula Marques*. Ela diz que, quando recebeu a ligação do delegado avisando que o seu filho tinha sido apreendido, só quis saber se ele “estava bem”. A mãe afirma que não conseguiu ficar em paz até olhar para ele e ver que estava vivo.
— Deus deu uma segunda chance para ele. Porque muitos não têm. São dois caminhos: ou aqui ou o caixão. Ele é um menino de índole boa, não é um menino que falta com o respeito, sempre trabalhou, sempre estudou. Mas achei bom ter acontecido isso para servir de exemplo para ele mesmo.
Mães sentem falta dos filhos, mas entendem que dentro da Fundação estão mais protegidos da violência policialGiorgia Cavicchioli/R7
Paula diz que a apreensão do filho foi “uma surpresa ruim”, pois ele trabalha desde os 12 anos ao lado da família e nunca tinha dado sinais de que se envolveria em um crime. Mas, segundo o jovem, ele só queria aproveitar a noite de Natal andando de moto e que, depois, devolveria o veículo. A mãe diz que foi bom ele ser inexperiente no crime, pois assim foi mais fácil de pegar o jovem no começo das ações e não permitir que isso continuasse por mais tempo.
— Eu sou mãe dele, eu amo ele, mas não passo a mão na cabeça pelo o que ele fez. Ele sai daqui com a cabeça que nunca mais. Ele sai daqui transformado.
O jovem, que comemorava seus 18 anos com a visita da mãe, concorda que, quando sair da Fundação, terá que trabalhar dobrado para conquistar suas coisas e que terá que “recompensar a mãe” por todo o sofrimento causado.
Maria diz que “o melhor lugar para o nosso filho é a casa da gente”, mas que entende que quando o filho está passando por uma fase que “a cabeça está virada” é preciso que o perigo que ele está causado “para ele mesmo e para os outros” seja contido.
— Ele sempre foi muito apegado e de repente ele cortou aquele vínculo e começou a ter atitudes que a gente não reconhecia mais. Agora, a gente conversa muito sobre tudo. Eles amadurecem. Porque a droga deixa eles fora da realidade. Aqui eles vão vendo onde erraram.
Ana concorda que o melhor lugar para eles seria ao lado da família, em casa, mas entende que dentro da Fundação os filhos podem estar mudando os pensamentos para que “o pesadelo passe”.
— O sentimento é assim de muita falta deles. Muita, muita, muita. O que eu passei eu não desejo para mãe nenhuma. Eles são filhos maravilhosos e sei que eles sofreram também. Muitas vezes e eles estavam chorando [durante as visitas]. Por mais aqui eles estejam sendo cuidados, não estão embaixo dos meus olhos. Eu sinto falta até do cheiro deles, da voz, do copo em cima da mesa, de tudo eu sinto falta. Tudo. Tudo.
* Os nomes dos entrevistados foram modificados para preservar suas identidades

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