O primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva foi bastante movimentado em matérias trabalhistas — o que, evidentemente, não chega a ser uma surpresa.
No entanto, o clima de polarização política e a consolidação das correntes ideológicas de direita dificultaram os planos do governo de reverter a flexibilização trabalhista iniciada em 2017, com a reforma aprovada na gestão de Michel Temer.
Prova disso foram a reação ferrenha da oposição às propostas de fortalecimento financeiro dos sindicatos e o naufrágio das negociações em Brasília para regulamentar os direitos de motoristas e entregadores de aplicativos.
Mas os debates sobre legislações mais ou menos protetivas ao trabalho não elevaram a temperatura apenas no Executivo e no Legislativo. Neste ano, o cabo de guerra também se estendeu à cúpula do judiciário, numa crise sem precedentes entre a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Confira abaixo um resumo dos principais temas trabalhistas do ano.
Imposto sindical de volta?
A maior polêmica trabalhista do ano foi, certamente, a tentativa do governo de criar um novo mecanismo de financiamento dos sindicatos. A oposição chiou e acusou a base de Lula de tentar ressuscitar o imposto sindical obrigatório, extinto com a Reforma Trabalhista de 2017.
Por outro lado, o governo argumentava que a reforma aprovada no governo Michel Temer havia implodido as finanças dos sindicatos da noite para o dia e desequilibrado a correlação de forças nas negociações entre empregadores e empregados.
Nesse sentido, o governo e as centrais sindicais defendiam a regulamentação da chamada "contribuição assistencial": uma espécie de comissão paga aos sindicatos, proporcional ao sucesso obtido nas negociações sobre aumento salarial.
Em abril, o STF já havia considerado constitucional a cobrança da contribuição assistencial, inclusive para os trabalhadores não sindicalizados, desde que assegurado o "direito de oposição" — quer dizer, de recusar o desconto.
Seis meses depois, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou um projeto de lei que proíbe cobranças compulsórias por parte dos sindicatos, sem a expressa autorização do trabalhador.
Regulamentação de trabalhadores de apps
Uma das principais promessas da campanha política de Luiz Inácio Lula da Silva, no ano passado, a regulamentação do trabalho por aplicativos não saiu do papel.
Em maio, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou uma comissão tripartite - com representantes de empresas, trabalhadores e do próprio poder público - para tentar construir um acordo.
A ideia era apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre o tema, criando regras específicas para motoristas e entregadores. Porém, ao fim de quase cinco meses de discussão, não houve consenso entre as partes. A principal divergência se deu nas discussões sobre remuneração.
No caso dos entregadores, por exemplo, as plataformas ofereciam um piso de R$ 17 por hora "efetivamente trabalhada", remunerando apenas os minutos em corrida. Entretanto, os trabalhadores exigiam um valor de R$ 30 e o pagamento da "hora logada" - ou seja, de todo o tempo à disposição dos aplicativos, incluindo os intervalos entre os pedidos.
Outro ponto de discórdia se deu em relação à contribuição desses trabalhadores para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para equilibrar as contas da Previdência, o governo não abria mão de uma alíquota de 20% para as empresas e de 7,5% para os trabalhadores, descontando custos de combustível e telefonia da base de cálculo. Mas a proposta também não foi aceita pelas plataformas. O assunto está em stand-by.
STF x Justiça do Trabalho
Pautas trabalhistas não geraram celeuma apenas no Executivo e no Legislativo. O ano de 2023 jogou no ventilador a tensão de longa data entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Justiça do Trabalho.
Ao longo do ano, ministros da mais alta corte do país derrubaram uma série de decisões da Justiça trabalhista que apontavam fraudes na terceirização envolvendo as PJs (também conhecidas como "empresas de uma pessoa só") e a existência de vínculo empregatício entre aplicativos e motoristas e entregadores.
Segundo o decano do STF e o crítico mais virulento da Justiça do Trabalho, os magistrados trabalhistas teriam "visão distorcida" e não estariam respeitando decisões do Congresso Nacional, e do próprio Supremo, que reconhecem outras formas de trabalho para além da carteira assinada.
Na avaliação de especialistas ouvidos pela coluna, o STF na prática vem se convertendo em uma instância revisora da Justiça do Trabalho, esvaziando a competência desse ramo especializado do judiciário, definida pela Emenda Constitucional 45 de 20024.
Na prática, isso pode não só gerar uma enxurrada de recursos à mais alta corte do país, que não tem estrutura nem vocação para analisar esses pedidos, como também passar à sociedade uma mensagem de "vale-tudo" na área trabalhista.
Trabalho em condições análogas à escravidão e trabalho infantil
Voltando ao governo federal, o ano também foi marcado pelo fortalecimento da fiscalização. De acordo com dados oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego, 2.847 trabalhadores foram encontrados em condições análogas às de escravidão no Brasil, até novembro.
Algumas operações, como a que em março resultou no resgate de mais de 200 pessoas da Bahia em vinícolas renomadas da Serra Gaúcha, tiveram ampla repercussão na mídia e nas redes sociais.
Também houve um incremento no combate ao trabalho infantil. Ainda segundo dados do MTE, 2.255 crianças e adolescentes foram encontradas em atividades laborais indevidas de janeiro a novembro.
Desse total, 32% tinham até 15 anos de idade. Nove em cada dez se dedicavam a tarefas enquadradas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, a chamada Lista TIP, como a colheita de açaí ou o abate de animais em matadouros públicos.
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