Marco na garantia ao direito à cultura para jovens em cumprimento de medidas socioeducativa, a 1.ª Conferência Livre de Cultura no Sistema Socioeducativo reuniu, nesta quarta-feira (13/12), adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas de todo o país para debater a cultura nesse contexto, reconhecendo-a como um direito fundamental. A iniciativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o apoio do Ministério da Cultura (MinC) permitiu que, pela primeira vez, adolescentes em privação ou restrição de liberdade opinassem sobre a melhoria do direito à cultura nestes espaços. Foram recebidos 53 documentos de 19 estados com quase mil propostas.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi, a socioeducação não pode ser separada do acesso à cultura. “O Poder Judiciário, encarregado de supervisionar e assegurar os direitos dos adolescentes em medidas socioeducativas, desempenha papel crucial ao proporcionar ambiente propício à participação e organização desses jovens. Essa iniciativa visa permitir aos adolescentes influenciar ativamente na configuração da política cultural relacionada ao ambiente socioeducativo e capacitá-los para agir na sociedade no futuro”.
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, sublinhou a importância da Conferência como uma janela capaz de proporcionar novas perspectivas e transformações. Enfatizando a capacidade transformadora das ideias, ela encorajou os participantes a acreditarem em novos objetivos para suas vidas, ressaltando a participação democrática como um pilar fundamental para aprimorar o acesso à política pública de cultura no atendimento socioeducativo. “A participação social é essencial para uma cultura verdadeiramente inclusiva e democrática”, afirmou em vídeo gravado para o evento.
Adolescentes com voz ativa
Antes da Conferência Livre, adolescentes e jovens do sistema socioeducativo discutiram e elaboraram por meses propostas encaminhadas ao CNJ como parte das atividades do 2.º Caminhos Literários no Socioeducativo. Durante o evento, as unidades participantes foram divididas em grupos para apresentar suas propostas e conhecer as demandas de outras unidades. Porta-vozes de cada unidade apresentavam e depois indicavam a prioridade em cada um dos seis eixos de debates previstos para a 4.ª Conferência Nacional de Cultura.
Na unidade Juquiá da Fundação CASA, que fica no centro da cidade de São Paulo, muitos adolescentes afirmam que não tinham o hábito de ler antes de entrarem na unidade, enquanto conversam sobre os motivos que os trouxeram ali e os rumos que pretendem seguir após a medida socioeducativa. O adolescente M.S.C. foi um dos porta-vozes da unidade. Herdou do pai o gosto por ouvir RAPs antigos, como Sabotage, RZO e mesmo internacionais, como Notorious BIG e Tupac. “Eu tinha uns livros lá fora, como aquele da série “Diários de um Banana”, mas nunca tinha lido inteiro. Aqui comecei a ler e compor. Eu imagino trabalhar com tecnologia da informação, gostei muito do curso que fizemos aqui. Meu sonho mesmo é ser cantor, mas eu sou um pouco tímido”.
Integrante do Clube do Livro, ele é um dos responsáveis por indicar leituras e estimular outros adolescentes a ler. Uma das ideias para que mais pessoas lessem foi deixar uma caixa com história em quadrinhos dentro dos alojamentos, para que a qualquer momento os adolescentes pudessem ter acesso. “É muito gratificante saber que eu pude levar a voz de outros garotos que não puderam falar ali, mas participaram. Saber que minha voz vai ser importante”. O outro porta-voz da unidade Juquiá, C.H.M.S.V. também integra o Clube do Livro. Fã de Racionais MC’s, não tinha o hábito de leitura antes de entrar na unidade, mas hoje é fã de autores de literatura marginal, como Ferréz, e também de livros de autoajuda. “Meu plano A é ser lutador de jiu-jitsu. Eu era um atleta semiprofissional lá fora, mas, por um deslize, estou aqui”. Integrante do Clube da Matemática, também planeja ser engenheiro civil, para aproveitar suas habilidades nessa área.
Para a diretora da unidade Juquiá, Kelly Cristina Gomes da Fonseca, projetos que estimulem a leitura, sejam os desenvolvidos internamente como ações nacionais a exemplo do Caminhos Literários, são muito importantes. “A leitura e a cultura transformam. A gente vê os adolescentes quando entram e quando saem. Eles mudam a forma de falar, a forma de pensar e de agir no mundo. Isso é muito gratificante para nós”.
Políticas públicas
A Conferência Livre reforça a importância, prevista no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), de não restringir o acesso à cultura, mesmo para aqueles sob custódia do Estado. A Lei do Sinase salienta a necessidade de ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte como parte integral da medida socioeducativa.
Texto: Natasha Cruz e Pedro Malavolta
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