quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Pela primeira vez, meninas na Fundação Casa têm acesso a curso pré-vestibular


 


Fonte Yahoo 

MARIA TEREZA SANTOS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Jovens da Fundação Casa podem prestar qualquer vestibular, incluindo o Enem PPL (Exame Nacional do Ensino Médio para pessoas privadas de liberdade). Só que a única preparação a qual eles têm acesso é o Ensino Médio nos próprios centros, como parte das medidas socioeducativas.

Projetos pontuais até deram a oportunidade a alguns deles de realizar um curso pré-vestibular, mas nunca foram sistematizados. Isso só se tornou real em agosto de 2022, por meio do Programa Colmeia, em uma parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Além de os meninos internados em oito centros da DRM (Divisão Regional Metropolitana) Campinas assistirem às aulas, pela primeira vez uma unidade feminina está tendo acesso a um cursinho nesses moldes, segundo a Fundação.

O Colmeia nasceu em 2010, em Limeira (SP), onde fica a FCA (Faculdade de Ciências Aplicadas) da Unicamp. A ideia surgiu em uma aula da professora Josely Rimoli, coordenadora do projeto. O objetivo era oferecer aulas gratuitas à população de baixa renda da cidade, em parceria com a prefeitura. A ideia deu tão certo que o projeto se expandiu e hoje oferece preparação em oito vertentes, incluindo aulas para quilombolas e indígenas.

O curso na Fundação Casa está sendo possível graças a um termo de cooperação, firmado com a Pró-Reitoria de Expansão da universidade e o Ministério Público de Campinas, há cerca de quatro anos. "Os médicos residentes da Unicamp atendem os adolescentes daqui de 15 em 15 dias", conta Amanda Rodrigues, coordenadora pedagógica da DRM Campinas.

"Em uma reunião de avaliação, concluímos que era o momento de expandir a atuação para outras áreas. Trouxeram várias propostas, entre elas, a do cursinho, que foi a escolhida"

A iniciativa de incluir as meninas do Casa Feminino Anita Garibaldi, em Cerqueira César (SP), veio da professora Rimoli. "As políticas públicas que a gente vem seguindo com relação à defesa da igualdade de gênero e o combate a qualquer tipo de discriminação vão de encontro a que todos tenham a mesma oportunidade", diz o secretário de Justiça e Cidadania de São Paulo, Fernando José da Costa, presidente do Casa.

COMO FUNCIONA O CURSINHO

As aulas são ministradas por 14 alunos da própria Unicamp, sendo o conteúdo pensado no que cai no Enem, incluindo atualidades e redação.

Elas são online, por videochamada, nas noites de segunda a sexta-feira, com duração de duas horas por dia. A Fundação Casa provê os computadores e equipamentos necessários. Como a aula não é presencial, nas salas de informática ficam responsáveis pedagógicos que auxiliam os internos.

No total, são 39 alunos, sendo apenas três meninas. A baixa quantidade é explicada pelo número de internas e a formação escolar.

"Para participar, é preciso que já tenham se formado ou estejam no último ano do Ensino Médio. Além disso, a gente tem aproximadamente 5% de mulheres nos centros", justifica o presidente.

Hoje, a Fundação Casa atende 4.789 adolescentes. Destes, 2.060 cursam o Ensino Médio, em todas as séries.

‘OS PROFESSORES NÃO NOS TRATAM COM DIFERENÇA ’

Com pouco mais de um mês de cursinho, as três internas estão gostando das aulas. Carol e Júlia* comemoraram a novidade porque querem muito fazer o Enem. "Estou gostando bastante, acho que todo conhecimento é necessário para nossa vida. As professoras são bem dedicadas e muito inteligentes", conta Júlia.

Letícia tem sentido um pouco de dificuldade por não estudar há algum tempo, mas diz que os professores têm ajudado. "Se você não entendeu, ele vai lá e explica de novo", relata.

Entre medicina, direito, design e serviço social, as três já estão pensando no curso que pretendem escolher. "Vai ser muito gratificante [entrar na faculdade]. Vou me sentir bem melhor, ficar mais sossegada e alcançar os meus objetivos", diz Carol.

Apesar de ser uma experiência recente, o retorno tem sido positivo. "A meninas são um pouco mais dedicadas e participam muito da aula", diz Rimoli.

"A partir do momento em que a gente começa a conversar com os alunos, as portas da cidadania vão se abrindo. Eles vão entendendo que podem ser cidadãos por meio do conhecimento", comenta o professor Marcelo Maialle, que também coordena o Colmeia.

Um dos pontos que chamaram a atenção de Letícia é o tratamento dado a elas. "Os professores nos tratam não como se a gente estivesse privada [de liberdade], não tratam com diferença. Eles respeitam a gente", afirma.

Os professores incentivam os alunos a pensar também em outras possibilidades, como cursos técnicos. "Não queremos criar uma expectativa falsa de que eles vão entrar direto na Unicamp este ano, por exemplo. O curso começou há um mês, eles precisam estudar mais um pouco. Mas já falei que todos têm garantida uma vaga aqui no ano que vem", diz Rimoli. Se alguém se tornar egresso, poderá continuar o curso em outra turma fora da Fundação.

Com a repercussão inicial, tudo indica que o projeto-piloto deva permanecer em 2023. "Nós tínhamos como princípio estimular que os meninos e as meninas começassem a gostar de estudar. Posso dizer que no segundo dia de aula já tínhamos atingido esse objetivo", finaliza a professora.

*As internas que conversaram com a Folha de S.Paulo têm entre 17 e 21 anos e são apresentadas na reportagem com os nomes fictícios Carol, Júlia e Letícia.



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