Proporção de pessoas ocupadas aumentou, mas salário médio real caiu. Entenda o que explica esse cenário e veja as áreas que tiveram os maiores aumentos da população ocupada no último ano, segundo o IBGE.
Número de trabalhadores sem carteira assinada é recorde: o mais alto desde 2015 — Foto: Getty Images/Via BBC
Os dados mais recentes sobre o mercado de trabalho brasileiro revelam um cenário que pode parecer contraditório à primeira vista: um aumento na proporção de pessoas trabalhando, mas com salários menores — além de um recorde de trabalhadores sem carteira assinada.
"É um copo meio cheio ou meio vazio, dependendo da maneira como você observa", resume Bráulio Borges, economista-sênior da consultoria LCA e pesquisador-associado do FGV IBRE.
A taxa de desemprego de 9,3%, registrada no trimestre de abril a junho de 2022, é a mais baixa para o segundo trimestre desde 2015, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Comércio, construção civil, serviços domésticos e outros serviços estão entre as áreas que respondem por maior criação de ocupações. (Veja abaixo a lista completa das áreas com os maiores aumentos).
A área de serviços domésticos, que inclui empregadas e diaristas, está entre as que apresentaram maior crescimento — Foto: Getty Images/Via BBC
Borges destacou que, "olhando só o número de pessoas ocupadas, há sete anos que a gente não observa o mercado de trabalho brasileiro em uma situação tão favorável". No entanto, ele acrescentou que uma análise mais detalhada mostra que "não é uma situação assim tão boa", em referência a aspectos como a queda de 5,1% no rendimento médio real (R$ 2.652) em relação a igual período do ano anterior.
Veja abaixo as áreas que mais estão contratando no Brasil — e, em seguida, entenda como essa composição ajuda a explicar a atual situação do mercado de trabalho brasileiro.
Aumento da população ocupada (2º tri de 2022 ante 2º tri de 2021):
- Alojamento e alimentação (23,1%, ou mais 1 milhão de pessoas)
- Serviços domésticos (18,7%, ou mais 931 mil pessoas)
- Outros serviços* (18,7%, ou mais 805 mil pessoas)
- Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (14,2%, ou mais 2,4 milhões de pessoas)
- Construção (11,2%, ou mais 753 mil pessoas)
- Indústria geral (10,2%, ou mais 1,2 milhão de pessoas)
- Transporte, armazenagem e correio (10%, ou mais 463 mil pessoas)
- Administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais (5,5%, ou mais 893 mil pessoas)
- Informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (5,1%, ou mais 568 mil pessoas)
*Serviços artísticos, culturais, esportivos e recreativos; serviços pessoais, de manutenção e reparos de equipamentos e de objetos pessoais e domésticos.
**Os demais grupos de atividades não tiveram variações significativas, segundo o IBGE
Fonte: IBGE
Para gerar emprego de qualidade, economistas apontam que país precisa crescer de forma forte e sustentável — Foto: Getty Images/Via BBC
É importante lembrar que os dados de ocupação do IBGE não consideram apenas os empregos formais (com carteira assinada), mas também os trabalhos informais. Entre os trabalhadores por conta própria (os também chamados autônomos), considera tanto aqueles com CNPJ quanto sem.
'Mais emprego do que PIB'
Geralmente, os economistas esperam que as movimentações no mercado de trabalho acompanhem a atividade econômica com um certo atraso, como aponta a pesquisadora do Ipea Maria Andreia Lameiras.
"Em momentos em que a economia já está em crise, o mercado de trabalho demora um pouco mais a entrar em crise. E acontece também o contrário. Momentos que a economia vai se recuperando primeiro, o mercado de trabalho vem se recuperando depois", diz.
No entanto, essa regra geral não parece se aplicar para a atual situação. A economista destaca a característica particular dos impactos da crise mais recente, "vinda de um fator de saúde" e lembra que as restrições em resposta à pandemia afetaram especialmente o setor de serviços, que puxa muito o mercado de trabalho no Brasil.
Agora, diz Lameiras, "tudo aquilo que foi muito afetado na pandemia volta a crescer com força". "A gente tem um aumento brutal da demanda por serviços e a gente sabe que o setor de serviços é o que mais emprega no Brasil. Então toda a demanda reprimida que a gente tinha, por conta da pandemia, ela chega no mercado de uma vez só. Fora isso, você tem o Auxílio Brasil, que está botando dinheiro na economia como um todo."
Ela destaca os crescimentos de ocupações nas áreas de serviços prestados às famílias, inclusive de serviços domésticos (empregada ou diarista), recreação, lazer, beleza e estética.
Borges, do FGV IBRE, diz que a melhor expressão para sintetizar o comportamento da economia brasileira no último ano - e principalmente no primeiro semestre de 2022 — é que "a gente tem mais emprego do que PIB".
Ele faz a ressalva de que as atuais previsões para o PIB de 2022, hoje em torno de 2%, estão maiores do que estavam há alguns meses (quando alguns analistas chegaram a projetar que o PIB poderia inclusive encolher neste ano). "Por várias razões: as commodities subiram depois da guerra; a gente afastou risco de apagão que estava nos assombrando no final do ano passado por conta da estiagem; a gente também tem esse conjunto de medidas de estímulo que o governo está adotando, algumas com viés claramente eleitoreiro, mas obviamente que isso acaba ajudando a economia".
Mesmo com esse aumento nas previsões, no entanto, Borges diz que os dados de ocupação estão melhores do que a teoria indicaria. Segundo a chamada Lei de Okun, que faz uma relação entre a evolução da taxa de desemprego e a dinâmica do PIB, a taxa de desemprego estaria mais próxima de 11% (do que de 9%) para um PIB de cerca de 2%, segundo os cálculos do economista.
E o que explica isso? Em parte, diz ele, as características das áreas que estão puxando essa melhora. "A gente vê que o PIB brasileiro está sendo muito puxado neste ano e desde o final do ano passado por alguns segmentos que demandam muita mão de obra, principalmente os serviços — 'outros serviços' de um modo geral, serviços domésticos — e construção civil".
'Os salários estão realmente perdendo, e bastante, da inflação, mesmo com a economia gerando mais e mais empregos', diz Borges — Foto: Reuters/Via BBC
Salário menor e número recorde de informais
No entanto, isso também ajuda a explicar a queda nos salários reais. "Esses setores demandam muita mão de obra, mas, ao mesmo tempo, pagam salários baixos, geralmente pouco acima do salário mínimo, e isso ajuda a entender um pouco outro aspecto: os salários reais estão caindo também", diz Borges.
Ele destaca que isso não seria o esperado. "É uma situação meio diferente, porque com um desemprego de 9,3%, a gente esperaria que o comportamento dos salários estivesse mais favorável", diz. "Então os salários estão realmente perdendo, e bastante, da inflação, mesmo com a economia gerando mais e mais empregos em termos quantitativos."
Também chama atenção o número recorde de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado (13 milhões), o maior da série. O aumento foi de 23% na comparação com igual período do ano anterior — bem maior que a alta de 11,5% do número de empregados com carteira assinada no mesmo período.
Lameiras considera "natural" a força do emprego informal neste momento, visto que foi o que mais sofreu na pandemia e destaca que o setor de serviços, que puxa o crescimento "é um setor realmente intensivo em mão de obra informal".
A economista diz, ainda, que é esperado que, na saída de uma recessão, o emprego informal apareça primeiro, enquanto o empregado "não tem muito claro se esse processo de retomada de crescimento é um processo duradouro". "Enquanto ele não tiver esta certeza, ele vai deixar aquele trabalhador ali na informalidade", diz.
"O emprego informal sempre vai ter, mas a gente pode diminuir, trazendo esse trabalhador sem carteira para o trabalhador com carteira, esse conta própria para um conta própria com CNPJ — e o caminho é crescimento econômico. Não existe maneira mais eficaz de criar emprego de qualidade do que crescendo de maneira forte e sustentável."
Borges acredita que o Brasil terminará 2023 com um crescimento em torno de 2% e um desemprego na casa dos 9%, mas diz que o quadro é mais incerto para o próximo ano.
"Muitas dessas medidas que o governo está usando para impulsionar o PIB neste ano têm vida curta. Elas vão antecipar consumo e antecipar PIB para este ano e, entre aspas, roubar isso do ano que vem. E aí obviamente que isso acaba impactando o mercado de trabalho negativamente ao longo de 2023".
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