Dezenas de internos da unidade Guaianazes I foram agredidos de 2013 a 2015. De acordo com a Defensoria Pública, autora da ação civil pública, trata-se do maior valor de indenização já alcançado na esfera da infância e adolescência no estado de São Paulo. A Fundação Casa disse que vai recorrer.
Por Cíntia Acayaba, g1 SP — São Paulo
O estado de São Paulo e a Fundação Casa foram condenados a pagar cerca de R$ 3 milhões (2,5 mil salários mínimos) de indenização por tortura e maus-tratos contra dezenas de adolescentes da unidade Guaianazes I (Novo Horizonte), na Zona Leste de São Paulo, entre 2013 e 2015.
De acordo com a Defensoria Pública, autora da ação civil pública, trata-se do maior valor de indenização já alcançado na esfera da infância e adolescência no estado de São Paulo.
O acórdão da decisão do Tribunal de Justiça foi publicado em junho e determina ainda que o valor da indenização por dano moral coletivo deve ser revertido para o Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes da capital paulista. A Fundação Casa disse que vai recorrer da decisão.
O ex-diretor da unidade também foi responsabilizado. Em 2015, ele já havia sido afastado por meio de decisão liminar por tomar ciência da situação e não tomar providências necessárias. Hoje, o funcionamento da unidade Guaianazes está suspenso.
"É uma decisão histórica. É muito importante por reconhecer a existência de uma situação de tortura institucionalizada ao menos naquela unidade e naquele período. Foram muitos meses de situação de violência, de descalabro na unidade, e de omissão da direção na época, e do poder Judiciário. O reconhecimento de que essa situação é inadmissível é fundamental. Temos uma dificuldade muito grande no reconhecimento da tortura contra adolescentes no sistema socioeducativo ou em outros espaços", afirmou Daniel Palotti Secco, coordenador do Núcleo de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Paulo.
Como o g1 revelou, a Defensora reuniu material sobre tortura na unidade de novembro de 2013 a 2015, com atas de audiência, depoimentos de adolescentes e funcionários, fotos e exames de corpo de delito sobre os casos, entre outras provas.
No dossiê, há casos como o de um adolescente que ficou nove dias internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) após ser espancado. Em outro, um funcionário teria mostrado um pedaço de madeira com o nome do adolescente e dizia: "Esse pedaço de madeira vai servir para eu rachar a sua cabeça como eu fiz com Fulano", citando um adolescente que ficou muito ferido e desmaiou.
Na ação, mais de um adolescente fala do "corredor da morte", quando "os funcionários se posicionam lado a lado, formando uma espécie de corredor, por onde obrigam os adolescentes a passarem, enquanto estes são agredidos". Os jovens também relataram a participação do diretor em algumas agressões.
Todos os adolescentes informaram ser constantemente ameaçados pelos coordenadores para não relatarem as agressões, sob pena de sanções.
"Fatos narrados pelos internos que são coesos quanto ao modo rotineiro de agir dos funcionários no tratamento dos adolescentes, tendo à frente o diretor corréu, que não apenas anuía como participava da prática de condutas inadequadas, de intolerância e agressão. Fatos que estão corroborados nos documentos referentes aos atendimentos e internações hospitalares, constatações de lesões em vários adolescentes, inspeções judiciais e relatórios que concluem pela ocorrência de violência e tortura", diz o recurso da Defensoria ao TJ.
"Uma violência disseminada por todo o sistema socioeducativo; já havia violência na hora da chegada. O adolescente chegava e já passava por uma sessão de agressão e de ameaças", disse Secco.
A desembargadora Ana Luiza Villa Nova considerou que a ação tinha muitas provas das práticas de tortura contra os adolescentes e decidiu pela indenização.
"Uma vez caracterizada a conduta ilícita e danosa praticada pelos réus e que ofendeu a integridade física e psíquica dos internos da Unidade Guaianazes I, surge o dever de indenizar pelos danos morais coletivos, uma vez que além de atingir cada vítima, atinge também toda a sociedade", diz a decisão.
Raposo Tavares
Em 2021, o Brasil foi denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) por não ter responsabilizado os envolvidos em crimes de tortura ocorridos em uma unidade da Fundação Casa, na cidade de São Paulo, em 2015. O g1 revelou, em julho daquele ano, que ao menos 15 jovens foram espancados na unidade Cedro, na Rodovia Raposo Tavares.
A denúncia foi feita à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, contra o Brasil, e não contra o governo de São Paulo, porque o órgão só pode se reportar ao estado brasileiro. A Fundação Casa diz que tomou todas as medidas cabíveis à época dos fatos.
A unidade Cedro teve as atividades suspensas em março deste ano, segundo a instituição, "devido à queda no atendimento da instituição", que recebe jovens infratores.
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