O dia 1o de maio é um feriado em que se presta tributo ao trabalhador.
Embora também chamado de “Dia do Trabalho”, a expressão que melhor o define é “Dia do Trabalhador”, por remontar o fato histórico que deu origem à homenagem: uma greve geral iniciada em 1o de maio de 1886, na qual milhares de trabalhadores de várias cidades dos Estados Unidos pararam de trabalhar e foram às ruas reivindicar melhores condições de trabalho, em especial a jornada de 8 horas – numa época em que era comum empregadores exigirem de seus empregados até 17 horas de trabalho por dia. Apesar de não ter sido a primeira manifestação de trabalhadores exigindo a redução da carga de trabalho extenuante, a data se notabilizou por um trágico desdobramento da greve, três dias depois do início das manifestações: A Revolta de Heymarket Square, em Chicago (Illinois), na qual um protesto, inicialmente pacífico, terminou com com 11 mortes, dezenas de feridos e mais de uma centena de presos, resultado de um confronto entre policiais e trabalhadores.
Apesar de outros eventos históricos registrarem disputas entre empregados e empregadores, o fato é que o dia 1o de maio passou a ser mundialmente lembrado como a data representativa do esforço do trabalhador por melhores condições de trabalho.
No Brasil, o dia 1o de maio também marca importantes acontecimentos ocorridos por aqui. Foi nessa data, em 1940, que Getúlio Vargas instituiu o Decreto-Lei no 2162, fixando o valor do salário mínimo que passou a vigorar a partir de então, o qual deveria ser capaz de satisfazer as necessidades de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. No ano seguinte, também em 1o de maio, começou a funcionar no Brasil a Justiça do Trabalho. E dois anos mais tarde, no dia 1o de maio de 1943, foi aprovada a Consolidação das Leis do Trabalho, até hoje vigente no Brasil, com as alterações que se sucederam de lá para cá.
Esse marcos históricos (embate entre empregados x empregadores e regulamentação trabalhista) se conectam por um fio comum: o esforço humano de fazer impor a condição humana sobre a produção e acumulação de riqueza. O avanço civilizatório que reconheceu o trabalho humano, a saúde (física e mental), a honra e a dignidade como valores de uma pessoa que não podem ser violentados em nome do lucro e acumulação de riqueza de outra.
Aliás, no Brasil, os valores humanos são fundamentos da República (Constituição, artigo 1o) e, por sua importância, devem ser permanentemente reafirmados e preservados, tanto pelos particulares, como – e principalmente – pelo Estado, para que jamais sejam suplantados por valores materiais.
A ordem econômica em tempos de crise humanitária
2020 provavelmente será lembrado como o ano da pior crise humanitária do século XXI. A pandemia do chamado “Coronavirus”: um microorganismo infeccioso que, em humanos, pode causar doença respiratória fatal.
Cinco meses foram suficientes para que o vírus se espalhasse ao redor do mundo, matando centenas de milhares de pessoas (228 mil, para ser exato, segundo dados atualizados até ontem, 30/04/2020).
Em termos históricos, a humanidade enfrentou doenças infecciosas em diferentes momentos de sua existência. Epidemias não são novidade.
No entanto, os efeitos negativos causados pelas epidemias, de forma geral, variam conforme o modo de vida levado pelas sociedades em cada momento histórico.
A diagnóstico da atual crise, e dos efeitos que dela podem decorrer, passa pelo exame do modo de vida da sociedade moderna, pautada nos últimos 70 anos pela “ditadura do consumo” (expressão de Eduardo Galeano). Uma ordem econômica mundial formatada para excitar um consumo irracional, sem limites e romantizado. Consumismo esse que é
fomentado por um “sistema financeiro” sustentado pelo Estado, que direta (através de crédito e financimento) ou indiretamente (manutenção de empresas e empregos) se encarrega de perpetuar a cultura.
O resultado é uma civilização que, ressalvadas exceções, pauta suas relações no princípio do “diga-me quanto consomes, que te direi quem és”. E o valor material vai, novamente, ofuscando o valor humano.
Bons exemplos podem ser citados. A solidariedade de muitas pessoas também aflora em tempos de crise, com (1) profissionais da saúde trabalhando sem descanso, expondo sua própria vida para salvar a do próximo, (2) pessoas fazendo compras para outras mais vulneráveis à doença, (3) manutenção de empregos por pequenos empregadores que se sacrificam para manter seu quadro de empregados e sua produtividade.
Mas o que também se vê com frequência na sociedade atual são cenas como (1) carrinhos de supermercados lotados (para quem possui condição de acumular), (2) demissão de trabalhadores por empregadores que não estão sob risco de falência, (3) aumento abusivo de preços de produtos essenciais, (4) proliferação de violência, por pessoas que perdem a sanidade ao ver seu “poder de compra” derreter.
E os agentes estatais que deveriam idealizar ações e darem o exemplo de sacrifício útil para a superação da crise, demonstram mais compromisso com interesses particulares e – novamente – com a perpetuação da “ditadura do consumismo”. No Brasil, no mês de abril de 2020, o governo federal provisionou algo em torno de R$98 bilhões para o pagamento de auxílio à trabalhadores inativos diretamente afetados pela retração econômica ao mesmo tempo em que anunciou (1) mais de R$1,2 trilhão aos bancos, com o pretexto de “manter a liquidez do sistema financeiro” e (2) redução da Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) dos bancos, de 20% para 15%, o que significa uma redução de R$ 4 bilhões em receita para os cofres da União, além de impactar diretamente o financiamento da Seguridade Social, incluindo o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
A própria Justiça do Trabalho, que nesse momento deveria assumir protagonismo na idealização de soluções para preservar o acesso à justiça de milhões de trabalhadores que perderam o emprego, suspendeu o andamento ordinário dos processos (ressalvados os casos urgentes). Em 45 dias de suspensão de prazos, as medidas propostas foram (1) criar encargos processuais excepcionais para partes e advogados para que, acaso não cumpridos, processos possam ser extintos e (2) volta de audiências, preferencialmente com Juizes em casa e as partes no fórum.
São alguns exemplos que reforçam o diagnóstico de que o valor humano não tem sido priorizado pelos particulares e pelo Estado. E que confirmam a ideia de que as conquistas históricas dos trabalhadores, não só de direitos trabalhistas, como também de um conscientização social sobre a importância de uma civilização que priorizasse o valor humano sobre o valor material, têm sido pouco a pouco perdidas.
E aqui se esclarece, humildemente, se tratar de pensamento particular, que admite falhas, incompreensões e que, sobretudo, pode ser aprimorado.